Aquela caravana de ciganos parou, nas vésperas da Consoada, mesmo no adro da igreja onde iriam arder os cepos de Natal.

Na vida das pessoas, há imagens que perduram para sempre. Incontornáveis, mau grado a passagem do tempo, emergem do inconsciente e sobrepõem-se à espuma dos dias. As tradições religiosas do Natal e do Ano Novo, são algumas das imagens duradouras que continuo a guardar do tempo da minha infância.
Quase no Natal vieram-me à memória alguns dos «mimos» doces, e não só, da minha infância. E, curiosamente, as primeiras lembranças são do dia 1 de Novembro e não são doces, para além da doçura do carinho humano dos mais velhos.
Havia vários dias que se notava grande azáfama lá por casa. Eu não percebia bem de início, mas como se tratava de fazer comidas, eu já andava cheio de alegria. Havia uma dança de tachos, panelas, conchas, colheres, garfões.
Entre a agitação de um dia comum feito de hábitos diários e de rotinas corriqueiras, o Natal vem até nós. Mesmo que o não queiramos. Vem engalanado, vestido a rigor, presenteia-nos com a resolução de todos os problemas e aponta-nos o caminho da felicidade, o de pararmos e ficarmos de boca aberta a contemplar a sua beleza. Tudo está bem. Tudo é belo.
Neste Natal vou desviar-me um pouco aos temas dos meus artigos em natais passados. Émile Durkheim define assim religião: «Sistema solidário de crenças e práticas relativas a coisas sagradas, que une numa mesma comunidade moral a todos os que compartem essas crenças.»
À medida que o Natal se aproxima parece que dentro de nós desperta algo adormecido que nos leva a olhar para os outros de forma diferente. É estranho mas acontece: Nesta altura estamos mais sensíveis a quem nos rodeia. Das várias músicas de natal, escolhi esta do Coro de Santo Amaro de Oeiras.
Nesta última vez que escrevo antes do Natal, aproveito para desejar a todos umas festas quentinhas. De preferência junto a uma fogueira gigante (ou madeiro, se preferirem) nas vossas aldeias ou apenas nas vossas casas. Ou ainda (levando ao extremo o lado romântico da quadra natalícia) nos vossos corações. Esta é mesmo uma época especial e os nossos imigrantes e emigrantes entopem as A23 desta vida para voltar ao ponto de origem.
A tranquilidade que a proximidade da quadra natalícia transmite ao meu espírito obtém, como consequência, um viver mais subtil. Sonho mais agradavelmente. Relembro os gostos que nunca perdi e quase acredito que o meu redor se harmoniza.