Às terças-feiras é tempo da poesia de Georgina Ferro. A poetisa raiana junta a sua sensibilidade artística ao amor e às memórias pelas gentes e terras raianas…

Em Julho as searas de pão já estavam prontas para ceifar. Contratava-se um rancho que, cedinho, começava a ceifa, cantando, formando póbeias (paveias), que depois seriam postas em molhos, amontoados em relheiros. Destes, alguns seriam depois transportados em carros de vacas para a eira do Manal e a maioria para as Eiras – era o dia das acarreijas.
Antigamente, o pão ia para as lajes, onde eram feitas as medas. Depois, era malhado ao mangual, por um grupo de malhadores e outros trabalhadores. Também, as mulheres andavam nas malhas a fazer o que era preciso, só não faziam os trabalhos mais pesados, como malhar, carregar sacos…
Mais um quadro de Alcínio, desta vez retratando os malhadores que com os manguais batem o centeio espalhado na eira. Acompanhamos esta imagem com um texto de Nuno de Montemor, extraído do livro «Pobrezinhos de Cristo», repositório de cenas campestres da nossa Beira, como esta das malhas, descritas com invulgar profundidade.
Acordai arraianos, dessa letargia em que dormis. É necessário lançar um grito de alarme, que se ouça em todas as aldeias e lugares, porque nos orgulhamos do passado, queremos fazer parte do presente e temos esperança no futuro. Não aceitamos ser condenados à extinção, como o lince da Malcata.
Haja saúde e coza o forno, diz o povo quando tem de se abstrair do acessório, apegando-se ao fundamental. A maior riqueza é o vigor físico e mental, que se obtém primeiramente pela abundância de alimento, desde sempre simbolizado pelo pão. Este sentir era mais vivido nos tempos que já lá vão, quando as nossas aldeias andavam prenhes de gente.
Para que o pão chegasse ao forno era necessário semear o cereal, ceifá-lo no tempo certo e carrejá-lo para a eira onde seria debulhado. A malha, assim se chamava à debulha, era efectuada à custa de força braçal, numa operação que juntava dezenas de pessoas na eira, em árdua e afanosa tarefa. A eira era, via de regra, património de toda a comunidade, usada em adua, segundo regras seculares que todos respeitavam. Em terras pedregosas, onde campeavam os grandes afloramentos graníticos, a eira era uma laja comprida e algo nivelada. O barroco servia de tapete aos molhos de cereal, que eram desatados pelas mulheres e dispostos em fila, com as espigas ao léu, voltadas para o centro. De volta os homens formavam duas alas e manejavam ao desafio o mangual, instrumento de madeira com que sovavam as espigas para que o grão se libertasse.
Em terras menos propensas ao lajedo, a eira era em qualquer lugar, ainda que fosse um lameiro, adaptado ao efeito durante esta fase. Claro que a laja ajudava à função, mas na sua falta a malha não deixava de se realizar, preparando-se de forma conveniente outro local para esse mesmo efeito.
O trabalho nas eiras era duro, mas de forte vivência colectiva. Era para lá que confluía o povo da aldeia durante todo o mês de Julho. Trabalhava-se duro, em sistema de ajuda mútua, e comia-se em abundância, sendo também muito o vinho que corria dos garrafões e borrachas para o bucho dos malhadores. Cantava-se ao desafio e dançava-se no final das jornadas, quando alguém burilava modas em acordeão ou em realejo. Bastas vezes a eira era local de contenda, sempre que zangas e rivalidades vinham à tona, instigadas pelo muito vinho emborcado, britando os pírtigos algumas cabeças.
As eiras, hoje abandonadas, estão em algumas povoações a ser destruídas. As lajas têm sido estoiradas para uso na construção. Nalguns casos foi sobre as pedras das eiras que se ergueram novas casas, num tremendo ataque ao património popular que cada aldeia deve preservar.
Paulo Leitão Batista