Carlos Alberto Marques, professor nascido em Vale de Espinho, freguesia raiana do concelho do Sabugal, deixou preciosíssimos estudos acerca da vida dos povos de Riba Côa, com abundantes referências aos costumes e tradições populares.
Professor no liceu da Guarda, onde leccionou Geografia, Carlos Alberto Marques, foi um dos mais prestigiados pedagogos do seu tempo, dado o empenho que colocava na docência e a permanente disponibilidade para o estudo.
De cariz científico, enquanto geógrafo, realizou e publicou dois estudos fundamentais: «A Serra da Estrela» e «A Bacia Hidrográfica do Côa». Ambos os livros foram fruto do seu labor, sobretudo visível no trabalho de campo, que realizou em complemento à leitura dos estudos já publicados. De lápis e bloco de notas em punho, o «Geógrafo da Côa», come lhe chamou Pinharanda Gomes, embrenhava-se nos barrocais da serra ou nos desfiladeiros dos rios, anotando a vegetação, a fauna, a composição dos solos e das rochas e demais elementos de interesse para a caracterização dos lugares.
Amante do conhecimento, também estudou os costumes e as tradições do povo raiano, culminando na publicação do livro «Notas Etnográficas de Riba Côa», onde reuniu alguns dos trabalhos saídos da sua pena. Aí descreve as técnicas ancestrais de caça e pesca usadas pelo povo na luta pela sobrevivência. Também anota as impressões de uma montaria aos javalis na serra da Marvana, onde costumava acompanhar o grande monteiro da raia, Francisco Maria Manso. Fala também da inevitável capeia arraiana, nas fogueiras de S. João e S. Pedro, assim como das artimanhas dos contrabandistas de Quadrazais e do cerimonial religioso e profano designado por «Fama dos Santos».
Elucidativo, é o texto intitulado «As Matanças», em que descreve um dia passado em casa de Manuel Coelho, lavrador da Junça, localidade do concelho de Almeida. Nessa manhã o lavrador, família e amigos mataram o marrano, trabalho de cerimonial antigo, pelo qual se garantia a abastança da casa para todo o ano e que nenhum dos habitantes remediados da aldeia dispensava.
Depois do porco morto, chamuscado, lavado, dependurado e aberto, vem o almoço da matança que junta toda a família e os que vieram ajudar no trabalho:
«O tardio almoço está nas mesas (a dos matadores, a dos velhos e mulheres e a das crianças) e toda a gente se lava em duas águas. Muito vinho, substanciosos pratos de carne de porco do ano anterior, arroz, pão e o indispensável e fresquíssimo fígado assado, com azeite e vinagre, ou guisado e com batatas cozidas à parte. Há saúdes e cumprimentos: “que de hoje a um ano o vinho corra pelo mesmo cano e se mate outro marrano, que Deus dê saúde aos de casa para comerem o porco, que a alegria e a paz reinem sempre naquela casa como no presente dia”… Depois a reza, a acção de graças e os Padres-Nossos pelas almas dos mortos da família. As raparigas lavam e arrumam as louças, enchem as morcelas, cosem as tripas enquanto os homens vão à sua vida ou jogam a bisca, entornando copos de vinho.»
«Sabores Literários», crónica de Paulo Leitão Batista
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