Fóios, «é uma aldeia do distrito da Guarda com uma população de 425 habitantes. Situa-se a 950 metros de altitude, no sopé do cume da Serra das Mesas, que é a terceira elevação a sul do rio Douro (depois da Estrela e Montemuro), estando o seu ponto mais alto a 1263 metros de altitude, que estabelece as fronteiras com Castilha e Estremadura espanholas e que é o maior divisor de águas do país, nela nascendo o Côa, o Águeda e o Erges.»
Ler MaisEm homenagem ao grande escritor José Saramago, cujo corpo é hoje cremado em Lisboa, publicamos um enxerto do seu livro «Viagem a Portugal», onde fala de Sortelha e do Sabugal, terras por onde passou enquanto viajante, e também Pousafoles do Bispo, que por falta de tempo não pode visitar. São impressões de viagem de um homem sem papas na língua, e muito menos na caneta, que diz sem rodeios o que pensa das coisas.
«De Belmonte vai o viajante a Sortelha por estradas que não são boas e paisagens que são de admirar. Entrar em Sortelha é entrar na Idade Média, e quando isso o viajante declara não é naquele sentido que o faria dizer o mesmo entrando, por exemplo, na Igreja de Belmonte, donde vem. O que dá carácter medieval a este aglomerado é a enormidade das muralhas que o rodeiam, a espessura delas, e também a dureza da calçada, as ruas íngremes, e, empoleirada sobre pedras gigantescas, a cidadela, último refúgio de sitiados, derradeira e talvez inútil esperança. Se alguém venceu as ciclópicas muralhas de fora, não há-de ter sido rendido por este castelinho que parece de brincar.
O que não é brincadeira nenhuma é a acusação, em boa letra e ortografia, pintada na entrada duma fonte: ATENÇÃO! ÁGUA IMPRÓPRIA PARA BEBER POR DESLEIXO DAS AUTORIDADES MUNICIPAIS E DELEGAÇÃO DE SAÚDE. O viajante ficou satisfeito, não, claro está, por ver a população de Sortelha assim reduzida em águas, mas porque alguém se dispôs a pegar numa lata de tinta e num pincel para escrever, e para o saber quem passe, que as autoridades não fazem o que devem, quando devem e onde devem. Em Sortelha não fizeram, como testemunha o viajante, que daquela fonte quis beber e não pôde.
A Sabugal ia o viajante na mira dos ex-votos populares do século XVIII, mas não deu sequer com um. Onde os meteram não o soube dizer o ancião que veio com a chave da Ermida de Nossa Senhora da Graça, onde era suposto estarem. A igreja, agora, é nova e de espectacular mau gosto. Salva-se o Pentecostes de madeira talhada que está na sacristia. As figuras da Virgem e dos apóstolos, pintadas com vivacidade, são de admirável expressão. Leva o viajante, em todo o caso uma dúvida: se isto é um Pentecostes, por que são os apóstolos doze?, estará Judas aqui representado apenas por razões de equilíbrio de volumes?, ou o entalhador popular decidiu, por sua conta e risco, exercer o direito de perdão que só aos artistas compete?
O viajante tem um compromisso para esta tarde. Irá a Cidadelhe. Para ganhar tempo almoça em Sabugal, e, para o não perder, nada mais viu que o geral aspecto duma vila ruidosa que ou vai para a feira ou vem de feirar. Segue depois a direito para a Guarda, deixa no caminho Pousafoles do Bispo onde tencionara ir para saber o que poderá restar de uma terra de ferreiros e ver a janela manuelina que ainda dizem lá existir. Enfim, não se pode ver tudo, era o que faltava, ter este viajante mais privilégios que outros que nunca tão longe puderam ir. Fique Pousafoles do Bispo como símbolo do inalcançável que a todos escapa.»
plb
O escritor José Saramago lançou em Castelo Rodrigo a ideia da criação duma rota que una as aldeias históricas da Beira Interior, tendo por base o suposto percurso de Salomão, elefante que o rei D. João III ofereceu ao arquiduque da Áustria.
O escritor do livro «A Viagem do Elefante» disse à agência Lusa que prefere «não fazer acreditar as pessoas que o elefante passou por aqui ou por ali», bastando-lhe no seu entender «dizer-lhes que podia ter passado». Depois de lançar o repto Saramago partiu com os «amigos de Salomão» para Valladolid, cidade onde no século XVI o elefante se encontrou com o seu novo dono que dali o acompanhou até Viena.
Numa evocação da rota que a comitiva terá seguido (o livro não fala no nome das terras), a Fundação José Saramago seguiu até à fronteira, aceitando uma proposta que lhe foi feita por António Edmundo, presidente da Câmara de Figueira de Castelo Rodrigo. «Em Dezembro de 2008, lançámos o repto a Saramago de refazer o percurso do elefante Salomão, e em boa hora a fundação preparou essa viagem entre o Tejo e o Douro, a um Portugal onde a água já não tem sal e deve ser bebida", disse à Lusa o autarca.
Sortelha e Sabugal também fizeram parte do percurso. O escritor parou em Sortelha para almoçar, falar com as pessoas e tirar algumas fotografias. Depois de lamentar não poder ficar mais tempo para rever a aldeia histórica, onde não voltava desde 1979, na altura em que preparava o livro «Viagem a Portugal», o escritor e a sua comitiva seguiram para o Sabugal, onde passaram sem parar.
Os proprietários da «Casa do Castelo» e do bar «O Bardo», haviam convidado de véspera o escritor a fazer uma paragem no Sabugal e a visitar o castelo das cinco quinas, mas a missiva não teve resposta. «A verdade é que enviámos o convite à última hora, na véspera da passagem do escritor, pois só nessa data nos percebemos que a viagem estava programada», disse-nos Natália Bispo, proprietária da Casa do Castelo, que acaba por compreender a fugaz passagem da comitiva, sem que ninguém dela se apercebesse.
Face à proposta feita por Saramago da criação de um itinerário do elefante Salomão para divulgação das aldeias históricas, o autarca de Figueira de Castelo Rodrigo, mostrou querer aceitar e liderar a ideia: «Estamos motivados, juntamente com a Fundação, para estabelecer no território um roteiro transversal de Lisboa à fronteira e mesmo a Valladolid, numa potencial rota de cultura e de saber que pode e deve ser fruída por outros», afirmou.
Sobre a região, o Nobel português salientou à Lusa a importância das relações transfronteiriças, notando que os povos raianos «se estão nas tintas para as supostas questões que opõem um país a outro país». «De um lado e de outro eles comunicam-se entendem-se e casam-se uns com os outros», concluiu.
plb