Voltamos a Trindade Coelho, distinto jurista e escritor, natural do Mogadouro, que iniciou a vida profissional no Sabugal, como delegado do procurador régio. Em referência anterior falámos dos sabores dos contos insertos no seu livro «Os Meus Amores», impondo-se agora seguir por novo trilho, ao encontro de outro dos seus livros emblemáticos: o «In Illo Tempore».

Esta obra literária é considerada uma das maiores evocações à vida estudantil na lendária e académica cidade de Coimbra, também chamada a «Lusa Atenas». São lembranças de juventude, enquadradas no ambiente académico dos jovens de todo o país que na cidade do Mondego se encontravam para frequentar a universidade.
Nos finais do século XIX a maior parte dos estudantes permaneciam em Coimbra durante todo o ano lectivo, alojados em quartos alugados ou arregimentados em repúblicas. Eram tempos de diversão, de arruaça, de namoro eloquente, de amizade, de gozo e de partidas.
No meio estudantil a súcia e o bom petisco faziam parte da vida quotidiana. E, para além da descrição das figuras típicas e das cenas de maior humor, o autor não deixa de referir os momentos de lazer, quando a malta se juntava em farta patuscada, compondo e cantando versalhadas espontâneas, exaladas pelos que tinham veia poética. À maneira das terras do interior, donde provinha boa parte da malta, também se desfechava a expressão «entre quem é» quando quem quera batesse à porta. Do que se comia, parco que fosse, a todos se ofertava, num espírito de partilha que os estudantes trouxeram das terras distantes de onde provinham.
Trindade Coelho fala-nos mesmo de uma célebre república de varudos transmontanos que, fartos de comer os «gaspachos» que as criadas lhes serviam, decidiram trazer da terra um moço com ares de patego, mas muito bom cozinheiro, para lhes dar preparo aos bons paladares que em Coimbra queriam degustar. Assentando praça, logo o patusco tratou de confeccionar a boa comida transmontana, passando a casa a receber de amiúde hostes de estudantes sequiosos de provar as iguarias do mestre de culinária, que fez largo sucesso na cidade.
De entre as descrições da vida coimbrã, cabe aqui realçar a diferenciação entre os estudantes ricos, colectores de abonada mesada, mas senhores de desmandos que os traziam quase sempre empenhados e mal alimentados, e os estudantes remediados, como o era o autor, de mais modesto pecúlio, mas que tinham melhor viver. Os filhos dos ricos levavam vida desregrada, pensando que o dinheiro lhes bondava para tudo, mas quando davam fé estavam endividados e a recorrer às casas de prego. E Trindade Coelho explicita com mestria:
«Não acontecia assim com os remediados! Esses governavam-se! Em regra, arranchavam todos em república, em qualquer rua do Bairro Alto, em cujo topo ficava a Universidade; – e eles e uma criada, em geral “já de certa idade”, lá se arranjavam de portas a dentro, – e arranjavam-se bem: almocinho sempre de garfo, metendo os seus ovos e o seu bife, café com leite e pão com manteiga, ou chá! Ao jantar, a bela da sopa, o belo do cozido, os seus croquetes e coisa parecida, um regalado “prato de meio”, frutas à sobremesa, queijo, café. – e Baco sempre presidindo, e a Alegria!».
«In Illo Tempore», um livro que se lê de um fôlego, tais os quadros pitorescos da vida dos estudantes em Coimbra que ali se descerram.
«Sabores Literários», crónica de Paulo Leitão Batista

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