A noite já ia longa e no écran cinematográfico vejo as imagens do Açor, uma aldeia situada na Serra da Maunça, terra de oliveiras e castanheiros centenários, onde a vida por vezes é difícil, fruto de um certo isolamento, do envelhecimento demográfico, da emigração, mas onde não falta a esperança. Que o digam aqueles que vão resistindo, que trabalham na agricultura e na pastorícia…
Dissemos em crónica anterior que o general Foy esteve por quatro vezes no Sabugal por ocasião dos movimentos militares franceses ligados à terceira invasão. A primeira numa estada de 15 dias, integrado no corpo de Reynier, e outras três apenas de passagem, servindo de emissário entre Massena e Napoleão.
O general Foy acampou no Sabugal no início da terceira invasão, comandando uma brigada da divisão Heudelet, do 2.º corpo do exército francês, que ocupou os concelhos do Sabugal, Alfaiates e Vilar Maior, de 27 de Agosto a 11 de Setembro de 1810.
Esteve depois no Sabugal apenas de passagem, enquanto emissário de Massena para com o Imperador dos franceses. É pois das peripécias dessas perigosas missões que nos propomos falar.
Com o exército bloqueado pelas Linhas de Torres, Foy partiu de Santarém, a 1 de Novembro de 1810, portador de uma mensagem de Massena, à frente de um destacamento de 400 homens. Seguiu em marchas forçadas, tentando evitar os locais onde fosse facilmente atacado pelas milícias portuguesas que estavam muito activas nos territórios que não estavam ocupados pelos franceses. Os anteriores emissários de Massena, encarregados de comunicarem com os militares franceses que estavam na praça de Almeida e em Espanha, haviam sido mortos ou capturados, estando o exército invasor completamente isolado. Atravessar esses territórios, enxameados de milícias e de ordenanças, era pois aventura de altíssimo risco.
Em Abrantes tomaram o destacamento de Foy pela vanguarda dos franceses em retirada e fecharam-se na fortaleza. Dali seguiu na direcção de Castelo Branco e, já depois de passar junto a esta cidade, foi atacado por portugueses da ordenança, que lhe provocaram algumas baixas, e conseguiu livrar-se de um recontro com as milícias do general Silveira que tinham saído de Pinhel e seguiam para Abrantes.
Tomou o caminho de Penamacor e passou seguidamente no Sabugal, já com as tropas completamente extenuadas, pois seguira sempre em marchas forçadas, mal parando para descansar. Atingiu a fronteira no dia 7 de Novembro e entrou em contacto com militares franceses que o judaram a chegar a Ciudad Rodrigo e a prosseguir viagem para Paris.
O tenente Jean-Baptiste Barrés, que fez parte desse destacamento de Foy, descreveu a ousadia da missão: «Empreender uma expedição tão arriscada, com tão pouca gente, era muito ousado; mas o general era activo, empreendedor, e tinha ao seu lado um português que conhecia a região e um ajudante-de-campo que falava a língua, para interrogar os habitantes que encontrássemos ou os prisioneiros que fizéssemos.»
Voltou de França nos finais de Janeiro, em pleno Inverno, e fez o caminho inverso em direcção ao exército de Massena. Saiu de Ciudad Rodrigo com uma coluna de 500 homens, passou a fronteira e atingiu o Sabugal, passando depois por Sortelha, Belmonte, Pêraboa, Ferro, Alcaria, Freixial, procurando sempre caminhos secundários para evitar maus encontros. No dia 1 de Fevereiro, perto do Castelejo, foi impiedosamente atacado por ordenanças, o mesmo se passando no dia seguinte, perdendo aí uma boa parte dos seus homens. Porém conseguiu prosseguir viagem e no dia 5 de Fevereiro entrou em contacto com as linhas francesas junto à foz do Zêzere, perto de Punhete (agora Constância), entregando seguidamente os ofícios a Massena.
O jovem tenente Bauyn de Péreuse, que veio de França para integrar o exército de Massena, acompanhou o general Foy nesta perigosa aventura de regresso a Portugal e descreveu as jornadas nas suas memórias. Ao entrarem em Portugal pernoitaram numa pequena aldeia raiana abandonada pelos habitantes. O oficial não indica o nome da aldeia, mas era certamente uma povoação do actual concelho do Sabugal:
«Pernoitámos numa cabana de camponeses; encontrámos nas armações, colocadas sobre os barrotes que sustentavam o tecto, uma grande quantidade de castanhas secas, de que tirámos o melhor proveito e que substituíram frequentemente o pão durante a marcha.
As chaminés, nesta zona, são completamente desconhecidas. Faz-se uma fogueira e o fumo liberta-se através das telhas, contribuindo assim para secar as castanhas.
Por pouco não nos tornámos incendiários e não ficámos assados no nosso covil. Fazia frio. Lefranc encontrou uma arca velha, que desfez em pedaços; pusemos as tábuas no fogo, para o activar, num instante as chamas subiram até às aramações, incendiaram-nas e atingiram o tecto; felizmente a barraca estava isolada e o fogo não se comunicou às outras casas da aldeia.»
O jovem tenente descreve depois as jornadas na Beira, debaixo de chuva e de neve e sob o frio intenso das terras serranas por onde a coluna deambulou, referindo ainda os ataques de que foram alvo por parte das ordenanças e dos camponeses, que os emboscavam a todo o instante. Foi assim até ao final da viagem, valendo a coragem e a tenacidade do general, que seguiu sempre em frente até cumprir a sua missão.
A 7 de Março, um mês após o seu regresso às linhas francesas, Foy parte de novo com a missão de ir a Paris com outra missiva de Massena para Napoleão Bonaparte anunciando-lhe a retirada francesa. Saiu de Tomar com apenas cinquenta cavaleiros por escolta, mas a experiência das outras expedições levaram-no a seguir de dia e de noite por caminhos pouco frequentados, evitando as povoações. Tendo pela quarta vez o Sabugal no seu percurso, consegue atingir a fronteiras sem encontros desagradáveis.
Paulo Leitão Batista
Foy serviu nas três invasões de Portugal, na primeira enquanto coronel e nas duas seguintes como general do exército imperial. Esteve no Sabugal no início da terceira invasão, integrado no corpo de Reynier e passou por três vezes nessa vila raiana enquanto mensageiro de Massena e de Napoleão Bonaparte.
Maximilien-Sébastien Foy (1775- 1825), entrou aos 15 anos para a escola de Artilharia, participando depois na campanha de Flandres com o posto de segundo tenente. Promovido a capitão, combateu em várias batalhas, mas em 1794, insurgiu-se contra os jacobinos e foi preso, devendo a sua salvação ao assassinato de Robespierre.
Foi gravemente ferido na batalha de Diersheim e na recuperação cursou direito público e história moderna.
Recomendado ao general Napoleão Bonaparte, recusou ser seu ajudante de campo e participar na campanha do Egipto. Sob as ordens de Massena foi promovido a coronel, em 1799, após se ter destacado no campo de batalha. Combateu depois nas campanhas de Marengo e do Tirol.
Opôs-se à ascensão de Napoleão Bonaparte ao poder supremo e depois ao seu consulado vitalício e à proclamação do Império, factos que o penalizaram vendo adiada a promoção ao generalato.
No início 1807 foi enviado para Constantinopla, e no final desse ano foi integrado no corpo do general Junot, participando na primeira invasão de Portugal. Na sequência da Convenção de Sintra regressou a França, onde foi finalmente promovido a general de brigada por Napoleão, sendo reenviado para Espanha, onde foi integrado no 2.º corpo, comandado por Soult e combate de novo em Portugal, na segunda invasão francesa. É ferido em Braga numa refrega com milícias portuguesas, e, ao entrar no Porto para exigir a rendição da cidade, é quase linchado pela população que o toma pelo general Loison, o célebre Maneta, salvando-se ao mostrar os dois braços à multidão. É preso, mas logo libertado com a conquista da cidade pelos franceses.
Em 1810 participa na terceira invasão de Portugal, integrado no 2.º corpo, agora comandado pelo general Reynier, que ocupou o Sabugal e Alfaiates de 27 de Agosto a 11 de Setembro, ainda na fase preparatória do movimento geral da invasão.
Já perante as inexpugnáveis Linhas de Torres Vedras, o general Foy foi o escolhido por Massena para ir a Paris levar uma missiva a Napoleão Bonaparte, para explicar a situação do «Exército de Portugal», da novidade que eram as Linhas de Torres e da necessidade de reforços.
Com um destacamento de 400 bons e corajosos caminheiros, Foy conseguiu atravessar o território que separava o exército da fronteira, completamente infestado por milícias portuguesas, que atacavam impiedosamente todos os movimentos militares dos franceses. Nessa manobra passou pelo Sabugal no movimento de ida e atinge Espanha, onde prosseguiu a sua rota para Paris. Recebido pelo Imperador, que lhe admirou a coragem e o mérito da missão, promoveu-o a general de divisão, e reenviou-o a Portugal com instruções para Massena.
Regressou pelo mesmo caminho e, acompanhado por tropas frescas que lhe admiravam a coragem e o seguiam fielmente, voltou a passar pelo Sabugal, e dali seguiu por caminhos pouco frequentados, procurando furtar-se a encontros com as guerrilhas.
Depois de mil peripécias, e com perdas consideráveis entre os seus homens, conseguiu chegar a Massena, a quem entregou a missiva.
Já no movimento retrógrado do exército invasor, Massena voltou a enviar Foy a Paris, dando conta a Napoleão da situação desesperada do exército e da sua firme decisão de não abandonar a empresa: recuará estrategicamente para bons acantonamentos e, contando com os reforços que suplica ao Imperador, voltará a avançar e ocupará Lisboa.
Foy, com uma escolta de apenas 50 cavaleiros, volta a embrenhar-se nos caminhos da Beira, com o Sabugal novamente no percurso, conseguindo atingir a fronteira. Já em Espanha é atacado num desfiladeiro, entre Burgos e Bilbau, por um forte destacamento espanhol. Foy perdeu a quase totalidade dos elementos da escolta mas conseguiu escapar completamente despido, colocando-se em fuga com os ofícios que também salvou. Prosseguiu viagem com roupas emprestadas, levando as mensagens ao seu destino.
Napoleão, irado com o conteúdo da mensagem de Massena, amarrotou os papéis e descarregou no general a sua fúria. Pouco tempo depois Foy era enviado de volta a Massena, levando-lhe uma carta do Imperador extremamente severa, manifestando-lhe o seu desagrado pelo fracasso da invasão. Foi já em Ciudad Rodrigo que Massena recebeu a missiva. Tivera sempre a maior confiança em Foy, mas verificou que os selos da carta haviam sido violados e carta fora lida antes de lhe ser entregue. Manifestou-lhe desagrado e desprezou-o a partir daí.
Porém Massena estava de partida e o general Foy reingressou no «Exército de Portugal», agora chefiado pelo marechal Marmont, comandando uma divisão. Combateu contra o exército anglo-luso, que se expandira por Espanha, sendo notado pela sua coragem e mérito. Já em plena retirada, foi gravemente ferido na batalha de Orthez, em 27 de Fevereiro de 1814, sendo esta a sua última prestação militar até ao fim do Império.
Com a França em convulsão política, Foy serviu como general durante mais alguns anos e depois aposentou-se, dedicando-se à política e à escrita, sendo autor de uma «História da Guerra da Península».
Paulo Leitão Batista