O livro «Trabalhos e Paixões de Benito Prada» é um brilhante testemunho da ligação do seu autor, Fernando Assis Pacheco, à cultura galega. O poeta, ficcionista, jornalista e crítico, nasceu em Coimbra, sendo neto de um galego, facto que o terá feito interessar pela Galiza, de que se tornou profundo conhecedor.

O empolgante romance retrata a vida de um galego, Benito Prada, que aos treze anos, resolve seguir as pisadas do pai que caíra doente, indo para Portugal ganhar o sustento da família. Não foi porém como afiador, que era o ofício do progenitor, mas como simples pedinte, por conta de outro galego, que chefiava um bando de miseráveis que percorriam o norte de Portugal. Depois, passou a ajudante de um comerciante de panos e, ao fim de dois anos, estava, praticamente, dono do negócio. De vendedor ambulante, dono de um mulo e de uma carroça, passaria a pequeno lojista instalado em Coimbra, cidade que o acolheu e onde o negócio prosperou tornando-se um dos maiores comerciantes de fazenda ali fixados.
Em paralelo às aventuras de Benito, o livro é também uma crónica da vida difícil na Galiza e da aflição nas famílias durante a guerra civil de Espanha. É também uma acirrada crítica à política portuguesa, com especial ênfase no conturbado período da presidência de Sidónio Pais e, depois, no domínio de Salazar e de Cerejeira.
Como grande repórter Fernando Assis Pacheco evidenciou-se como homem de grandes revelações. Escreveu sobre variados temas, onde esteve sempre presente a referência à boa gastronomia, especialmente a que assenta no saber popular. Quem o conheceu e com ele conviveu recordará um homem bem disposto, amante das coisas boas da vida, de onde se contavam a degustação dos bons acepipes da cozinha tradicional. O seu fascinante romance ora evocado não deixa de mostrar esta faceta do autor, que a cada passo dá referência a boas e importantes ementas, pois a vida das pessoas passa também por pegar numa naifa e cortar uma fatiga de broa para emborcar acompanhada por uma rodela de chouriça ou sentar-se à mesa e servir-se da panela para comer de faca e garfo. Muitos escritores, na ânsia de descreverem a acção mais relevante quase esquecem que ao falarem de pessoas, as têm de ir sentando à mesa. Sem manjar não há sobrevivência possível, além de que a refeição tem um interesse social que não pode ser olvidado quando se relata a vida de pessoas.
Assis Pacheco descreve a parca e miserável alimentação que os galegos de antanho comiam de portas a dentro, fala-nos na fugaz merenda dos afiadores e dos comerciantes ambulantes, mas também da comida divinal servida em restaurantes e preparada por mãos experientes. Partindo do caldo de berças, temperado com toucinho, saído das mãos da mãe de Benito Prada em Casdemundo, o autor conduz-nos até às comidas de eleição degustadas nas casas de pasto: galinholas estufadas, paella à sevilhana, arroz de polvo, cozido à portuguesa, cabrito estufado.
Magistral é a descrição da alimentação do protagonista do romance quando se instalou em Coimbra numa pequena loja de panos:
«O galego almoçava a frio de um tacho que trazia do quarto em Santa Clara, fechando a porta do estabelecimento para não ser surpreendido. Como levasse a poupança ao exagero, as sobras serviam-lhe de ceia. De tempos a tempos, um domingo por outro, metia-se no eléctrico e subia até Santo Agostinho dos Olivais, onde ia enganar a solidão de emigrante no Agostinho, cuja especialidade era chanfana de cabra velha cozinhada em vinho carrascão. Fome e mau comer tinham-no perseguido desde a Galiza e fora da Galiza, e só no tempo de feirante ganhou o gosto pelas refeições a horas, bem regadas, não raro em companhia do Grego, que era sócio com o dr. António Santiago de uma marinha que estava a peixe e nunca se esqueceu de partilhar com ele as canastras de enguias, mandadas fritar em alho e pimentão à moda dos almocreves».
«Trabalhos e Paixões de Benito Parda», o romance que nos traça a epopeia de um galego errante que acabou por assentar arraiais, tornando-se em próspero comerciante, é também um bom roteiro gastronómico, que se lê com prazer e com água na boca.
«Sabores Literários», crónica de Paulo Leitão Batista

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