O escritor da serra da Estrela e dos serranos que partiram em diáspora, fala-nos das ansiedades e das aventuras dos que nasceram nas encostas batidas pelo vento, sem nunca esquecer as referências às ementas tradicionais dos portos onde acosta esta gente errante.
Gabriel Raimundo nasceu na falda sul da serra, na vila do Tortosendo, de onde emigrou aos 17 anos, passando a viver a aventura dos que procuram melhor sorte em terras longínquas. Esteve em vários países da Europa e de África e também pisou as terras do Brasil. O gosto pela língua portuguesa e pelo povo serrano, levou-o a escrever e publicar vários livros, muitos deles tendo por base a aventura da emigração.
Sentindo o apelo das origens, Gabriel Raimundo deu à estampa um livrinho dedicado por inteiro aos que nasceram e viveram nas terras acolitadas na serra mais alta de Portugal. Intitulado «Estrela», o livro dá-nos conta das vivências das mulheres e homens serranos, revelando-nos o seu carácter, as ansiedades e os problemas que os afligem.
O livro é formado por um conjunto de contos, ou de crónicas, sobre a vida de tortosendenses e covilhanenses, criados ao som dos teares mecânicos, num sinal da industrialização têxtil, que é uma das marcas da região.
Não raro, o cenário é de outras urbes. A narrativa leva os personagens a Lisboa , aos Açores, à Madeira, ao Alentejo, e também a Paris e a terras de Espanha, mas volta sempre à terra-mãe. Dinis, e o seu irmão Amável, serranos típicos, amigos dos seus amigos, e homens dados a aventuras, estão quase sempre presentes nestas crónicas serranas, em que as vivências se sucedem.
São sucessivas as referências à gastronomia das terras por onde a acção decorre. Estando-se no Natal come-se a bacalhoada em família, viajando-se até ao Funchal, vem à colação o famoso bolo do caco, falando-se nos emigrantes de Paris, lá está a inevitável tachada de franco com massa, que era o mais usual prato da sua frugal alimentação.
Mas a mais significativa referência à gastronomia está na alusão aos amigos que se juntam na Taverna 2005, «cantinho convidativo à paródia e ao soltar da veia do fado vadio». O estabelecimento é local de petisqueira e arregimenta nas tardes de súcia «bons trabalhadores do garfo e do caneco». Hermínio, primo de Dinis e de Amável, juntou ali aos seus amigos das patuscadas a fim de emborcarem umas dezenas de tordos e um coelho bravo, a preparar por «mulher que em França assimilou todas as propriedades especiais do aromatismo, desde a flor de sabugueiro à de carqueja».
Contavam-se estórias, debatia-se o presente e o futuro da região, quando a comida veio à mesa:
«Os compinchas bateram palmas e pediram a D. Tangera que avançasse com a travessa de coelho bravo na sua caminha de carqueja e ainda agasalhado com salsa, rodelas de cebola e limão, acompanhado de umas batatinhas cozidas com molho, ao paladar da experiente cozinheira».
«Sabores Literários», crónica de Paulo Leitão Batista
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