Passam-se hoje, dia 3 de Abril de 2012, duzentos anos sobre a quarta invasão de Portugal pelas tropas napoleónicas e, em simultâneo, 201 anos sobre a importantíssima batalha do Sabugal, que marcou o final da terceira invasão.

É comum falarmos em três invasões de Portugal perpetradas pelos exércitos napoleónicos. Todos conhecemos, aliás, os comandantes franceses dessas três invasões: Junot, Soult e Massena. Porém houve uma quarta invasão de Portugal, comandada pelo marechal Marmont, que poucos conhecem e que a história, por regra, omite.
Alguns autores consideram porém ousado chamar-lhe «invasão», pois tratou-se sobretudo de uma incursão ou sortida do exército francês em território português, ou ainda, usando a linguagem táctico-militar, de uma «manobra de diversão».

Marmont substituiu Massena
Após a batalha do Sabugal, ocorrida em 3 de Abril de 1811, o exército francês retirou para Espanha. Face ao fracasso da terceira invasão, Massena caiu no desfavor de Napoleão, que lhe retirou o comando do Exército de Portugal, substituindo-o por August Marmont, um marechal de 36 anos que detinha o título de Duque de Ragusa. Oriundo de famílias nobres, o jovem marechal não detinha o prestígio de Massena, mas gozava dos favores de Napoleão que o considerava um comandante com elevados méritos.
A prioridade de Marmont foi reorganizar o Exército de Portugal, que o imperador mantinha com o fim de realizar uma nova expedição em Portugal para expulsar os ingleses da Península, «atirando-os para o mar». A expedição deveria contudo aguardar pelo momento oportuno, sendo intenção de Bonaparte vir ele mesmo à Península para a comandar.
A primeira missão que lhe foi atribuída foi juntar-se ao Exército do Sul, chefiado pelo marechal Soult, tendo em vista salvar a praça de Badajoz, que fora cercada pelo exército anglo-português. A simples união dos dois exércitos franceses, que actuaram coordenados na linha do Guadiana, fez desmobilizar Lord Wellington, que levantou o cerco a Badajoz, recuando para Elvas e Campo Maior.
Os dois marechais franceses (Soult e Marmont) pensaram perseguir o exército anglo-luso e enfrentá-lo, lançando uma nova ofensiva em Portugal, que facilmente chegaria a Lisboa atravessando as planícies do Alentejo. Contudo, não havendo para isso ordens formais de Bonaparte, o movimento não foi executado. A ordem vinda do imperador foi antes a da separação dos dois exércitos, devendo Marmont subir para o vale do Tejo e Soult descer para sul, retomando as posições anteriores.

A acção de Wellington em Portugal
Arthur Welleslay, visconde de Wellington, que comandava o exército aliado, era um homem prudente e atempado. Media cuidadosamente cada uma das suas acções, avançando sempre com segurança, não sendo nada propenso a aventuras e a ousadias. Vencendo a batalha do Sabugal, correu os franceses para Espanha, repelindo-os de novo em Fuentes de Oñoro quando tentaram regressar, mas nem de uma e de outra vez os perseguiu por Espanha adentro.
A sua prioridade era salvaguardar as fronteiras de Portugal, livrando-as do perigo de uma nova invasão. O plano que gizou impunha a conquista de duas praças-fortes espanholas que haviam caído nas mãos dos franceses: Ciudad Rodrigo e Badajoz. Começou por esta última, levando o seu exército para o Alentejo, onde contava operar com mais segurança e com maiores probabilidades de sucesso. Repelida a tentativa de tomar Badajoz, parte de novo para a Riba-Côa, instalando-se na Freineda no verão de 1811.
Foi aí que planeou, em grande secretismo, o cerco a Ciudad Rodrigo. Reconstruiu a fortaleza de Almeida, e apetrechou-a com artilharia pesada e material de cerco. A 1 de Janeiro de 1812, em pleno Inverno, com um exército de 35 mil homens e munido do trem de artilharia que estava em Almeida, irrompeu de encontro à fortaleza espanhola, que foi bloqueada, cercada e bombardeada, sendo tomada a 19 de Janeiro, numa acção que custou a vida ao lendário general Craufurd, comandante da Divisão Ligeira.
Tomada Ciudad Rodrigo, Wellington encaminhou-se imediatamente para sul e pôs cerco a Badajoz, deixando a fronteira de Riba-Côa sob a vigilância das milícias.

O susto de Napoleão Bonaparte
A queda de Ciudad Rodrigo e a imediata ofensiva sobre Badajoz por parte do exército aliado, causaram o enfurecimento do imperador dos franceses, que anteviu uma forte ofensiva de Wellington em direcção a Madrid em acto contínuo à mais que provável tomada da praça do sul. Assustado com essa possibilidade, Bonaparte ordena a Soult que se encaminhe para Badajoz, a fim de socorrer a cidade, ao mesmo tempo que instruiu Marmont a fazer uma «manobra de diversão», através de uma forte ofensiva em Portugal, na Beira Baixa, de modo a atrair Wellington e assim salvar Badajoz e desviar o exército aliado do caminho da capital espanhola.
Marmont reuniu junto ao rio Tormes, nas imediações de Salamanca, 18 mil homens, um pouco menos de metade do Exército de Portugal, que estava espalhado pelas províncias sob a sua jurisdição, e avançou em direcção à fronteira portuguesa. Não levava artilharia pesada, pois tratava de cumprir à risca as ordens do imperador, que pretendia uma manobra rápida, se bem que ostensiva, sobre o território português. Passando junto a Ciudad Rodrigo a guarnição espanhola, que Wellington ali deixara, ainda temeu que o objectivo dos franceses fosse atacá-la ou bloqueá-la, mas a tropa passou e andou a toda a pressa, seguindo no caminho de Portugal.

Marmont invade Portugal
A 3 de Abril de 1812, exactamente um ano após a batalha do Sabugal, os franceses reentram em Portugal, tentando tomar Almeida de assalto, no que foram repelidos pela milícia portuguesa que guarnecia a praça. Marmont avançou então para norte, passando por Alfaiates e chegando ao Sabugal, onde a 8 de Abril estabeleceu o seu quartel-general.
A partir do Sabugal, onde ficou instalado, o marechal enviou sortidas a Penamacor, Belmonte, Idanha-a-Nova, Covilhã e Fundão, chegando a sua vanguarda a Castelo Branco.
Entretanto o exército aliado tomou Badajoz aos franceses a 7 de Abril, numa violenta e dura batalha, extremamente cara para ambos os lados. Wellington, tomando conhecimento da movimentação francesa em Portugal, decidiu não dar descanso aos seus soldados e subiu com todo o seu exército para norte, em marchas forçadas, em socorro da Beira.
Face ao avanço dos aliados, as tropas de Marmont abandonaram as suas posições, recuando para evitar o confronto com o exército luso-britânico. No caminho da retirada, Medelim e Pedrógão de S. Pedro foram saqueadas e literalmente destruídas pelas tropas invasoras.
O exército aliado continuou a sua marcha apressada, em perseguição a Marmont, porém este levantou o seu acampamento no Sabugal e regressou a Espanha a 24 de Abril, sem que a vanguarda aliada o tivesse avistado.
Após mais de 250 quilómetros, sem conseguir ver o inimigo, que recuava com avanço, Wellington decidiu parar em Alfaiates, onde deu merecido descanso às tropas.

O malogrado plano de Trant
Houve nesta incursão francesa um aspecto curioso, que merece uma referência.
Instalado na cidade da Guarda, o brigadeiro Trant, oficial britânico que chefiava a milícia portuguesa que ajudara o governador de Almeida, La Masurier, na defesa da fortaleza, verificando que os franceses tinham acampado no Sabugal, elaborou um ousado plano para o atacar de surpresa. Comunicou com o brigadeiro Wilson e com o general Bacelar, que igualmente comandavam milícias, e pediu-lhes para se reunirem a si na Guarda, a fim de executarem juntos o movimento de ataque aos franceses. Marmont, apercebendo-se porém da concentração das milícias, antecipou-se aos planos de Trant e enviou à Guarda uma sortida de cavalaria. O brigadeiro inglês retirou à pressa, indo instalar-se para lá do Mondego, mas na manhã do dia 14 de Abril a cavalaria francesa atacou o batalhão português que cobria a retirada, que foi rapidamente desbaratado, fazendo 200 prisioneiros.
Trant escrevera ao comandante-chefe dando-lhe conta da retirada precipitada e do fracasso do plano de ataque ao quartel-general de Marmont no Sabugal. A 17 de Abril, Lord Wellington respondeu-lhe de Castelo Branco , censurando-o vivamente por se ter posicionado na Guarda, que considerava ser «a mais traiçoeira posição militar em Portugal», por não oferecer condições de retirada, louvando-o contudo por ter dado disso conta a tempo de salvar o grosso da milícia.

As atrocidades da quarta invasão
Esta fugaz invasão de Portugal, que teve o epicentro no Sabugal, e que durou apenas 20 dias, deixou um tremendo rasto de violência e de destruição nas terras por onde passou. Nunca uma movimentação das tropas napoleónicas pelas nossas terras raianas fora tão violenta e excessiva como o foi esta incursão fugaz.
A ofensiva ocorreu no início da Primavera de 1812, um ano após a última passagem de tropas francesas e quando os habitantes refaziam as suas vidas. Wellington estivera largos meses na Freineda, e percorrera as terras da Raia, incentivando os habitantes a reconstruírem as suas casas, os moinhos e os fornos que foram arrasados por ocasião da terceira invasão. A sua presença criou uma sensação de segurança e os populares refizeram o seu quotidiano, recompondo as habitações, voltando a criar gado e preparando as sementeiras.
A sortida de Marmont apanhou-os de surpresa, vendo num ápice as terras de novo invadidas pelas hordas francesas, que a todo o custo procuraram meios de subsistência. Voltaram os saques e os abuso de toda a ordem, dentre os quais os actos de vingança perpetrados pelos mesmos soldados que há um ano ali haviam passado em retirada.
O cenário nas aldeias onde passou esta incursão era de pura destruição, com casas pilhadas e queimadas, igrejas espoliadas e profanadas e o gado abatido e esquartejado para servir de alimento aos soldados.
William Warre, jovem major britânico ao serviço do exército português, que veio com Wellington na perseguição aos invasores, escreveu uma carta à família a partir da aldeia da Nave, onde pernoitou:
«Meu querido pai,
É impossível dar-vos uma ideia da desgraça existente em todas as vilas por onde o inimigo passou, pois destruíram tudo aquilo que não puderam levar. Na minha presente habitação, o chão foi feito em pedaços e as janelas, portas e mobílias incendiadas, só escapando a arca e a cadeira que estou usando, que parecem ter desafiado as chamas. A fome e a penúria dos infelizes camponeses que nos cercam por toda a parte, e a caridade que fomos fazendo a alguns, já esgotou completamente os nossos meios. O dinheiro tem pouca utilidade onde nada pode ser comprado. Toda a forragem para os cavalos foi, nos dois últimos dias, aquela que conseguimos cortar nos campos, embora nem estes tenham escapado à rapacidade do inimigo.(…).
Nava (sic), na estrada entre Sabugal e Alfaiates, 24 de Abril de 1812.
»
Uma invasão quase desconhecida, mas que deixou marcas profundas na nossa região e que, por isso, não devemos deixar apagar da memória histórica.
Paulo Leitão Batista