O pintor raiano Alcínio Vicente apresenta-nos outra sua obra evocativa de uma tradição ancestral das terras raianas do concelho do Sabugal, que o tempo já quase derriscou da memória colectiva – a ronda. Apresentamos seguidamente um pequeno texto da autoria de duas naturais de Aldeia do Bispo, que registaram em livro as tradições daquela terra raiana, que é também a aldeia de nascimento de Alcínio.
Ler MaisAntes de se meter a caminho de Portugal Junot instala o seu quartel-general em Bayonne, no sul de França, e aí reúne o Exército de Observação da Gironda, cujo comando o imperador lhe confiou.
A força militar compôs-se à imagem de um corpo de exército, com três divisões de infantaria, uma de cavalaria, outra de artilharia e algumas companhias de engenharia, sapadores e operários, a que se juntavam os carros com bocas de fogo, barris de pólvora e trens de equipagem.
Instalado no comando, Junot aguarda que se lhe reúnam os destacamentos, o imenso material necessário para a campanha e os oficiais superiores que o imperador lhe dispusera.
Não há somente soldados franceses. Há mercenários suíços (dois batalhões), desertores alemães (um batalhão), e também alguns italianos. São porém escassos os soldados experientes na guerra. A maior parte é tropa de linha e há muitos soldados recém-incorporados. Os poucos veteranos estão na 1.ª divisão, comandada por Delaborde, que de resto virá a ser a tropa que resistirá melhor à marcha.
Ainda em Bayonne, todas as noites desertam dezenas de soldados dos vários acampamentos. Nem os aboletamentos compulsivos, que recaem sobre as famílias dos desertores, evitam as sucessivas fugas. Preocupado, Junot implora ao Imperador que mande castigar severamente os trânsfugas: «creio indispensável mandar fuzilar nesta região alguns desertores, a fim de reter os outros».
O exército reúne a custo. Falta fardamento, sobretudo botas e capotes, e o dinheiro não chega para gratificar a tropa antes de sair em campanha, como é uso no exército francês.
Ainda que mal equipadas as colunas colocam-se em movimento sob uma chuva intensa e um frio cortante, que os acompanhará em todo o percurso.
As ordens são claras e o percurso está estabelecido: Junot atravessará Espanha passando por Vitória, Burgos, Valhadolid, Salamanca, Ciudad Rodrigo, de onde avançará para Portugal e marchará sobre Lisboa.
A invasão de Portugal terá o apoio dos espanhóis, tendo em conta o interesse comum. Uma divisão juntar-se-á a Junot junto à fronteira. Outra divisão ocupará o Porto e uma terceira invadirá o Alentejo.
Poucas semanas antes, em 27 de Outubro de 1807, França e Espanha haviam assinado em segredo o Tratado de Fonteinebleau, pelo qual dividiram o reino de Portugal. O acordo estabelecia o direito da tropa francesa transitar em solo espanhol e balizava os termos do envolvimento militar de Espanha na invasão.
Junot, antes de partir de Bayonne, e já com parte do exército a marchar em solo espanhol, escreve ao imperador garantindo-lhe que cumprirá com rigor as determinações. Avançaria a marchas forçadas até à fronteira portuguesa e aí aguardaria a reunião de todo o exército para avançar em força para Lisboa. «Todo o meu exército estará reunido no dia 26 e, supondo que só a 1 de Dezembro ele entrará em Portugal, espero estar em Lisboa a 10».
Já em Vitória, no País Basco espanhol, o general pára por uma noite e reajusta os planos. Como a ordem do Imperador é para atingir Lisboa quanto antes, decide que marchará para Alcântara, local por onde entrará em Portugal, tomando o caminho mais curto e evitando a via da Beira e a praça-forte de Almeida. A linha de orientação é o rio Tejo, cuja margem direita quer seguir até Abrantes, local onde passará para a margem esquerda e seguirá pelas planuras ou usará mesmo o rio para o transporte das tropas. Se o exército português colocar alguma oposição à invasão, os planos estão traçados: «posso mantê-lo em respeito com uma pequena parte das minhas tropas e alguns espanhóis sob o comando de um oficial inteligente enquanto eu marcho com o resto do exército contra o exército português para lhe dar combate e tomar Lisboa, que é o objectivo principal da operação», escreve a Napoleão.
Os franceses sabiam que havia um plano secreto, gizado entre Portugal e Inglaterra, para a fuga da corte portuguesa para o Brasil em caso de invasão, e Junot prefere primeiramente que esse plano se concretize, por ver assim facilitada a sua acção. Seria pouco provável que o exército português se movimentasse e o general livrar-se-ia do embaraço que seria tomar conta do príncipe regente português.
Napoleão, que também estava em campanha, acompanhava as notícias da marcha sobre Lisboa, recebendo vários informes. Junot escrevia-lhe a dar conta de tudo, mas o imperador recebia relatórios paralelos de outros militares, à margem do conhecimento do general em chefe. A certo momento, Napoleão enviou uma missiva a Junot dando-lhe ordens firmes para acelerar a marcha de modo a estar em Alcântara no dia 20 de Novembro e entrar imediatamente em Portugal, sem perdas de tempo, porque a 1 de Dezembro quer Lisboa tomada. Junot assegura-lhe que cumprirá as ordens, mau grado a chuva intensa, a lama e as torrentes que não o deixam por um instante.
«As invasões francesas de Portugal», por Paulo Leitão Batista
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