Imaculada luz matutina, gélida no Inverno, suave aragem no Verão, és a primeira a ouvir essa sinfonia de vida que é o correr da água do chafariz da aldeia.
![O chafariz da aldeia de onde jorra vida](https://i0.wp.com/capeiaarraiana.pt/wp-content/uploads/2016/04/IMG_1937.jpg?resize=550%2C413&ssl=1)
O homem para subsistir, tem de ter acesso a um bem essencial: a água. Emprega-se na alimentação, na rega, em banhos, lavagens de roupas e de louças, tendo ainda utilização medicinal e entrada em rituais. Nas cidades e aldeias o chafariz constituiu um equipamento primordial para o bem-estar da população.
O uso virtuoso da água é bem notório no nosso adagiário popular:
Quem não poupa água nem lenha, não poupa nada que tenha;
Água em cestinho, amor de menino;
Se tens vento e depois água, deixa andar que não faz mágoa;
A água de Janeiro vale dinheiro;
A água lava tudo, só não lava as más línguas;
Água de Agosto, mel e mosto;
Água e lenha, cada dia venha;
Água o deu, água o levou;
Água que não hás-de beber, deixa correr;
Bendita seja a água, por sã e barata.
Interessa aqui rever como se obtinha nos dias de antanho a linfa que abastecia as aldeias, num tempo em que o mimo da torneia a correr dentro das habitações ainda vinha longe. A água nativa estava disponível nas fontes naturais, nos rios, ribeiras e lagoas. Havendo porém que a captar quando dela havia maior necessidade, o camponês teve que se dispor a fossar a terra, na ânsia de dar com os veios subterrâneos. Aqui intervinha o vedor, que, de varinha advinhatória nas mãos, indicava o ponto onde se deveria escavar.
A aldeia, para ser devidamente abastecida, tinha ao dispor a água de poços e de fontes. Dentro das fontes, o mais comum eram as de chafurdo, de mergulho ou de charco, que funcionavam a modos de cisterna. Coisa mais fina e de maior garantia higiénica eram os pios, onde a água brotava em bica, correndo por um cano ou, na sua falta, uma cana ou uma telha. Também aqui era maior a comodidade, pois facilmente se enchia o balde ou o cântaro. Bastas vezes as fontes tomaram a forma de chafarizes, alguns com graciosas formas, facto que em muito orgulhava os habitantes das terras.
Localidade onde abundassem os chafarizes era considerada terra grada, de avultada importância, significando muitas vezes também que um seu natural assumira cargo influente, que lhe permitia “puxar” pela terra. Havendo uma captação, a água seguia canalizada para a fonte, onde corria, do alto, para um tanque. O povo apulava a que queria para consumo doméstico e servia-se do tanque para dessedentar os animais. Por vezes o tanque passou também a lavadoiro, facto que inviabilizava o consumo da água pelos animais. Por isso se construíram depois lavadoiros públicos, com água encaminhada para a finalidade exclusiva de lavar as roupas.
Ora, se na maior parte dos chafarizes impera e simplicidade, onde a norma é somente a prática, outros há de especial graciosidade, que são, afinal, elementos patrimoniais de referência no meio aldeão. Geralmente o chafariz compõem-se de um tanque encostado a um muro de pedra, encimado com uma cruz ou uma pirâmide. A água cai de um cano de ferro, havendo muitos com cano ou cale em pedra. Em alguns casos, mais peculiares, a água cai mesmo de uma gárgula de pedra que tem insculpida uma figura.
Paulo Leitão Batista
Antes da chegada dos chafarizes com água canalizada e condições de asseio, a água para abastecimento das nossas aldeias repousava nas fontes de chafurdo, ou de mergulho, onde se enchiam caldeiros e cântaros.
A água é, dos bens comunais, o que cuja falta mais preocupa a colectividade. Água é fonte de vida e, na sua escassez, a existência humana torna-se penosa. Isso era ainda mais sentido quando não existiam as comodidades de hoje, em que o precioso líquido nos entra pela casa adentro, bastando rodar uma torneira.
Na aldeia antiga, a água ia buscar-se à ribeira, ao poço ou à fonte mais próxima. Claro que uma aldeia existia onde houvesse água, fosse ela oriunda de um curso a descoberto, ou resultante de captações locais, que garantissem o abastecimento da comunidade. Mas a água potável nem sempre era abundante. Para sua garantia, escavava-se uma captação, via de regra um poço ou uma fonte, em local acessível.
O mais comum era a aldeia abastecer-se numa ou mais fontes de mergulho, ou de chafurdo, onde, às tardes, as raparigas se dirigiam com os cântaros de barro de duas asas, carrejados sobre a cabeça, assentes nas rodilhas, ou molides, para melhor equilíbrio. Este tipo de fonte, antes tão comum e hoje quase desaparecido, consistia numa poça de água, de pouca profundidade, escavada no local onde a mesma remanescia. Para protecção era construída uma meia cúpula de pedra, com maior ou menor estilo, mas deixando sempre suficiente espaço para o manobrar do cântaro ou do caldeiro. Muitas fontes deste género estavam desniveladas em relação ao solo, sendo necessário construir uma escada de acesso, pela qual se descia até à tomada da água. O estilo, forma geral, era simples, pois havia nela apenas a componente prática, que revelava algumas preocupações básicas: garantir o acesso fácil, protegê-la dos detritos e evitar que os animais ali fossem dessedentar-se.
Na fonte de chafurdo cada utilizador mergulha o recipiente na água, assim o enchendo. Ora, sendo a fonte utilizada por toda uma comunidade, cada utilizador terá que ter o máximo cuidado, evitando enludrar a água. Era até comum ver ao lado da fonte uma pequena lata ou caço de barro, que tinha em vista servir de copo a quem passava e pretendia matar a sêde.
A manifesta falta de higiene deste tipo de fonte, levou à sua progressiva substituição pelo chafariz, construção mais sóbria, em que a água caía de uma caneira ou de um tubo para o pio onde se ia acumulando. Para além do asseio, o chafariz permitia o aproveitamento da água do pio, que servia para dessedentar os animais ou para lavagens. Muitos chafarizes tornaram-se vistosos monumentos, substituindo as antigas fontes, que foram soterradas, assim desaparecendo.
Importaria nos dia de hoje recuperar algumas destas fontes de chafurdo, atendendo ao que elas representam na história da vida aldaneja, quando a existência era difícil, com muitas provações. A fonte de mergulho era um bem essencial, de que toda a população necessitava, a par com o forno. Lá diz o rifão: água e lenha, cada dia venha.
Paulo Leitão Batista