Em deambulação pelo rico património da Beira-Côa, muito dele esquecido e menosprezado, importa ir ao encontro de um pequeno e simples monumento, de características eminentemente populares, que raramente falta nas cercanias de cada aldeia. Trata-se do calvário, em geral tosco monumento que evoca a cruz onde expirou o Redentor. A construção, quase invariavelmente de bruto granito, recorda a dor da caminhada de Cristo, a subir o monte sobranceiro a Jerusalém, a que chamavam Calvário (em hebreu Gólgota – caveira), onde, no crucho, foi cravejado na cruz que transportou.
A fé e a religiosidade imanente dos habitantes das nossas aldeias, levou a que nunca descurassem as facetas da vida de Cristo, desde a Anunciação à Redenção, e muito do património popular tem que ver com este aspecto da vida comunitária. Os calvários representam a cruz onde o Salvador foi pregado e sucumbiu pelos pecados dos homens, para a sua redenção.
Na ideia de fidelidade ao momento histórico que exprimem, os calvários foram sobretudo erigidos em terrenos elevados, fossem outeiros, colinas ou cabeços, em locais quase sempre isolados, com abrangência de vistas. O simbolismo da cruz obriga a que se imponha no horizonte, de maneira a coagir quem a olhe, para se persignar e curvar em oração. Na sua vizinhança há, via de regra, uma igreja ou capela, e também uma estrada ou caminho por onde vêm os peregrinos, seja no andar dos passos da Via Sacra, seja em romaria. Na fiel representação da Via Sacra, o calvário é uma das catorze estações, cujo percurso é habitual começar e terminar na igreja, onde os penitentes recolhem em oração. Ainda na matriz religiosa do povo, as cruzes do calvário era por onde passava a «encomendação das almas», ritual popular do tempo quaresmal entretanto desaparecido, também designado por «martírios», em que os fiéis, a coberto da noite, entoavam cânticos lúgubres, apelando à salvação dos irmãos defuntos.
O monumento é composto por um conjunto de três cruzes de granito, assentes numa grande base, quase sempre em forma de pedestal com vários degraus. As cruzes são simples e toscas, raramente contendo motivos artísticos, podendo ter todas a mesma dimensão, ou sobressair a do meio, mais imponente. A cruz do centro representa aquela em que Cristo morreu, e as das bandas aquelas onde estiveram pregados os dois ladrões que morreram com o Redentor.
Há calvários simples, de pequena dimensão, com cruzes de pedra ou de ferro, muito toscas, em sinal da rudeza do artista popular, que as erigiu com escassos meios. Em contraste, surgem calvários que são autênticos monumentos, com cruzes imponentes, de pedra talhada e, ás vezes, devidamente ornamentada, em resultado do cinzel de talentoso artista.
Paulo Leitão Batista