Cá vamos a mais um memorialista do Soito, e sem dúvida aquele que melhor e mais cuidada forma deu aos seus valiosos escritos. Falamos de Eugénio dos Santos Duarte, homem de largas vivências e ampla experiência de vida, que fala do Soito de antigamente, lembrando pessoas, tradições, actividades, sabores e apresentando até um pequeno glossário com alguns termos do léxico que os soitenses usavam.
O livro «Baú da Memória» está repleto de referências aos sabores de antanho, desde logo com as fartas pândegas do Janadão, local onde os mancebos do Soito se banhavam e lavavam na ribeira, no dia que antecedia a inspecção militar. «Havia uma série de rituais associados à Inspecção. (…) Para o Janadão levavam carne (de vitela ou de borrego) e faziam um assado. Levavam, é claro, vinho e pão e começavam logo aí a festa.»
Também os casamentos eram, como hoje ainda são, ocasião de grande comezaina. Só que antigamente a comida era toda feita em casa, com os bons produtos da produção local, diferenciando-se contudo a ementa consoante as posses das famílias.
«A boda dos mais pobres constava de pão e bacalhau desfiado, azeitonas e vinho.
Os mais remediados já compravam e matavam uma cabra para guisarem com batatas ou com arroz, já confeccionavam um caldo de “grabanços” (grão-de-bico) e havia arroz-doce».
No Natal a ementa seguia também um receituário já antigo, com expoente no bacalhau com couves. Mas no Soito, que segundo Eugénio Duarte era uma terra solidária, os abastados distribuíam alguns produtos alimentares aos mais pobres. Exemplo disso era o do comerciante Joaquim Corracha, que oferecia «sardinhas, 2,5 dl de azeite e um pouco de arroz às pessoas mais carenciadas da freguesia para que tivessem uma Consoada melhor».
Em alguns trabalhos colectivos a gastronomia era rainha, como sucedia nas malhas, em que o jantar «consistia, geralmente, de batatas guisadas com carne de borrego ou com bacalhau». O mesmo sucedia nas matanças, em que vinha à mesa «caldo de “grabanços”, conhecido no Soito pelo caldo das matanças. Depois, na mesa, havia ainda bocados de barriga de porco (“seventre”) fritos. A seguir ao caldo seguia-se o fígado de porco guisado, com batatas, cozidas, à parte».
Sendo um livro de memórias, são muitos os aspectos curiosos referentes ao Soito de antigamente, de que é um bom exemplo a referência ao café do Ilívio Corracha, «inaugurado» em 1953, e onde se juntava a rapaziada da terra, por ter cerveja fresca, vinda do fundo de um poço, e até uma curiosa máquina de café, coisa muito rara na época. Além do mais no café do Ilívio «nunca faltavam os tremoços, os figos secos, as azeitonas e os ovos cozidos, para a rapaziada acompanhar a bebida».
Um livrinho muito bem estruturado e optimamente redigido, que constitui um soberbo repositório de pormenores da vida antiga do Soito que ficam como valioso documento para a posteridade.
«Sabores Literários», crónica de Paulo Leitão Batista
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