Massena comandou a terceira invasão de Portugal em 1810, à frente de um exército que se propunha enviar os ingleses para o mar e tomar conta de um território e de um povo que se mostrava indomável. Porém, tal como as anteriores, esta invasão fracassou e com ela esmoreceu a chama do ilustre Marechal de França.
André Massena nasceu numa aldeia dos Alpes a 6 de Maio de 1758, no seio de uma família humilde, em que o pai era curtidor e fabricante de sabão. Foi o terceiro de cinco irmãos e teve uma infância dura. Aos 14 anos embarcou num navio mercante como grumete e aos 16 ingressou no exército francês. Passados dois anos era sargento, patente de que nunca passaria, dadas as suas origens humildes, não fosse a revolução de 1789, que o catapultou para o topo da hierarquia militar. Os seus elevados méritos no campo de batalha levaram-no a Marechal de França, e a acumular os títulos de Duque de Rivoli e Príncipe de Essling.
Cobriu-se de glória nas campanhas da Áustria e de Itália, o que lhe valeu ser chamado por Napoleão Bonaparte de «filho querido da vitória», e tido como o melhor estratega francês, cuja fama apenas era suplantada pela do próprio imperador.
Em 1810, após o fracasso da segunda invasão de Portugal, comandada por Soult, Napoleão decidiu acabar de vez com a resistência deste rincão ocidental da Europa, onde os ingleses se haviam instalado, ajudando a que se mantivesse como o único país do continente que não estava submetido à vontade dos franceses. Em 17 de Abril, ordenou a formação do Exército de Portugal que ele próprio comandaria. Porém os afazeres da politica prenderam-no em Paris, e nomeou comandante-em-chefe do novo exército o Marechal Massena, tido como o seu melhor e mais prestigiado lugar-tenente.
Massena tudo fez para evitar a nomeação. Não via com bons olhos que o exército fosse formado por corpos comandados por oficiais generais que estavam há muito na Península. Desconfiava especialmente de Ney e de Junot. O primeiro porque era também Marechal e era demasiado orgulhoso e irascível, e o segundo porque havia comandado a primeira invasão e não apreciaria reentrar em Portugal numa posição secundária. Napoleão recebeu porém Massena em audiência e convenceu-o a aceitar a missão.
Escolheu os oficiais do seu estado-maior e os comandantes de engenharia e artilharia e, em 29 de Abril, partiu de Paris, chegando a Valladolid a 10 de Maio, onde se correspondeu com os chefes dos três corpos que formavam o Exército de Portugal: o marechal Ney e os generais Junot e Reynier. Passou depois a Salamanca, onde organizou o seu exército e ordenou a tomada de Ciudad Rodrigo, que capitulou a 9 de Julho, criando-se assim as condições para que cumprisse com segurança a missão de submeter Portugal.
A tropa lançou-se sobre Almeida, cuja praça foi tomada após a infeliz explosão do paiol, e dali seguiu pela estrada da Beira, travando um primeiro combate no Buçaco, em 27 de Setembro, onde as forças anglo-lusas levaram a melhor sobre um exército francês que caiu no erro de tentar forçar linhas bem posicionadas. Massena perdeu ali um pouco do seu brio, mas prosseguiu com a invasão levando os ingleses e os portugueses da sua frente. Só as célebres Linhas de Torres Vedras, autêntica barreira defensiva inexpugnável, fez parar o movimento de Massena, que se quedou à espera de reforços para forçar a tomada de Lisboa.
Até Março de 1811, o exército francês subsistiu como pôde, com as tropas depauperadas e desmotivadas. Sem meios para atacar Lisboa, desiludido e desconfiado dos seus lugar-tenentes, Massena decidiu retirar. Planeou cada movimento com o maior rigor, conseguindo evitar grandes perdas, mau grado a perseguição tenaz que o exército ango-luso lhe deu. Sem força para avançar, soube controlar a retirada, demonstrando neste particular os seus dotes de estratega. Mesmo assim, quis evitar abandonar Portugal, planeando deixar os feridos e o material pesado em Almeida e avançando sobre o Sabugal e Penamacor, tomando o caminho do Sul, onde se reuniria ao Marechal Soult, que operava no sul de Espanha, para relançar a invasão pelo Alentejo. Contudo a insubordinação de Ney não lhe deixou margem para executar esse projecto, tanto mais que Wellington o interceptou no Sabugal, onde lhe deu combate, obrigando-o a recuar para Espanha.
Massena perdeu na batalha do Sabugal um obus, não se cansando de dizer que essa foi a única peça de artilharia que lhe foi retirada pelo inimigo em Portugal, assim provando que retirara sempre em boa ordem, nunca se considerando literalmente derrotado.
Já em Salamanca decide voltar a Portugal para abastecer a praça de Almeida, e trava com grande vigor a batalha de Fuentes de Oñoro, onde não conseguiu romper as linhas aliadas, assim se gorando a derradeira tentativa de reentrar em Portugal. Face ao fracasso, Massena caiu no desfavor de Napoleão, que lhe retirou o comando do Exército de Portugal, substituindo-o por Marmont. Para o humilhar o major general do exército francês envia-lhe de Paris uma missiva com as ordens expressas do imperador: «É desejo de Sua Majestade que se apresente em Paris imediatamente. O Imperador ordena expressamente que só traga consigo o seu filho e outro dos seus ajudantes-de-campo.»
Muitos franceses consideram Massena como o responsável pelo fracasso da invasão, fosse por ausência de uma estratégia ousada, por não ter conseguido submeter os seus comandantes de corpo ou por não ter dado combate vigoroso aos ingleses entrincheirados nas Linhas de Torres.
Mas são também muitos os militares franceses do seu tempo e os historiadores que vêm em defesa de Massena. Houve desde logo o mérito de lord Wellington que ao retirar para se fortificar junto a Lisboa, lhe deixou um território deserto e sem recursos, onde não pôde subsistir. Depois há a questão da dimensão do exército que Napoleão lhe entregou, porque ao invés dos 70 mil homens prometidos, Massena nunca teve mais de 45 mil. Fulcral foi também a constante insubordinação do Marechal Ney, que comandava o 6º corpo, que se recusou por diversas vezes a cumprir as ordens literais de Massena, colocando em causa as manobras do exército invasor.
André Massena, que morreria tuberculoso em 4 de Abril de 1817, esteve nas nossas terras raianas no momento em que preparava a execução da invasão e também aquando da retirada. No movimento retrógrado instalou o quartel-general em Alfaiates, de onde intentou a manobra de evolução para o sul. Porém o avanço dos aliados para o Sabugal, pela margem esquerda do Côa, gorou-lhe esses planos. No dia da Batalha do Sabugal, a 3 de Abril de 1811, foi de Alfaiates que enviou a ordem de retirada a Reynier, que comandava o corpo que foi atacado pelo exército anglo-luso. Foi ainda em Alfaiates que concentrou os seus corpos de exército e fez de seguida a manobra de recuo para Espanha.
Paulo Leitão Batista