Ferreira de Castro é dos mais consagrados escritores portugueses, com uma obra literária notável, de sentido verdadeiramente universal. Soube como ninguém abordar os grandes dramas da humanidade, colocados em forma de romance e pintados com palavras vivas e sinceras.

Redescobrir Ferreira de Castro é um verdadeiro desafio para os jovens de hoje. As suas obras são universais e estão traduzidas em diversas línguas, num sinal evidente da sua importância.
Nasceu a 24 de Maio de 1898, em Ossela, concelho de Oliveira de Azeméis, filho de camponeses pobres. Órfão de pai aos oito anos, sobrevive com dificuldades e, apenas com doze anos, vai para o Brasil em busca de melhor sorte, entregue a si mesmo. Já no outro lado do Atlântico, a criança é atirada para as margens do rio Madeira, em plena selva da Amazónia, tendo como destino o trabalho árduo do seringal, na extracção da borracha.
Ali passou quatro anos de sofrimento, trabalhando como um escravo, até conseguir ir para Belém, capital do Pará, onde subsiste aceitando trabalhos ocasionais. Procura estudar por sua mesma iniciativa, frequentando a biblioteca da cidade. Ao gosto de ler juntou o da escrita e começou a colaborar na imprensa local, onde se tornou notado.
Em 1928 escreveu o livro «Emigrantes», onde se realça a dureza da aventura de quem parte para longe em busca de melhor vida. Já em 1930 escreveu «A Selva», um livro notável que foi êxito imediato. O livro fala da vida dura no seringal, baseada na sua própria experiência.
É formidável o realismo na descrição da Amazónia e de quem a explora e ali é explorado. A selva comove o leitor, porque a força da natureza reduz ao mínimo o valor da vida humana. O seringueiro, o seu patrão e os capatazes, duros e desumanos, não passam de vermes, face ao gigantismo da selva e aos perigos que a mesma guarda.
A aventura do jovem português Alberto, enviado pelo tio para o seringal, é afinal a narrativa da vida miserável dos homens da sua condição que se embrenham nos perigos da floresta para sobreviver, dando riqueza aos que os exploram sem piedade.
A viagem pelo rio Madeira em direcção ao seringal é desde logo reveladora da miséria destes homens abandonados. Amontoados no porão do navio, são tratados como gado, até na frugal alimentação a que têm direito.
«Surgia no convés um caldeirão fumegante, que dois criados traziam pelas alças, ao lado de um terceiro equilibrando sobre os braços, de encontro ao peito, alta rima de pratos, todos de folha, velhos e amolgados.
Os cearenses moveram-se, formaram roda junto do negro panelão e, com rosto alegre e ditos jocosos, iam recebendo o seu almoço, aquelas duas gadanhas de carne com feijão preto que o copeiro distribuía a cada um.»
Do barco, o «Justo Chermont», os homens desceram no cais de destino e foram depois encaminhados pelas intricadas passagens da floresta, cada qual em direcção a uma clareira onde residiriam e trabalhariam na recolha da borracha.
E a prosa limpa e maravilhosa de Ferreira de Castro mostra com limpidez, o sofrimento e a obstinação desta gente desditosa que foi atirada para o âmago da floresta bárbara e avassaladora.
Passava-se mal no interior da selva. O patrão da borracha fornecia, contra pagamento, ou assentando no livro de fiados, alguma farinha de mandioca, arroz, feijão e café, e, mais raramente, carne seca que ali chegava vinda das estâncias do sul. Porém para sobreviver o seringueiro tinha de pescar e caçar, para além da sua tarefa diária, a que não podia faltar.
Alberto matava a fome negra comendo do que lhe oferecia o seu companheiro Firmino, um mulato cearense, exímio pescador e caçador: «sentaram-se os dois na alpendrada (…). Na tigela crescia a farinha de água e por cima estendia-se, muito acarvoada, uma lasca de pirarucu, que lembrava a Alberto o bacalhau da terra nativa. A cada fêvera que metia na boca, Firmino juntava rubra malagueta».
«Sabores Literários», crónica de Paulo Leitão Batista

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