A Rádio Altitude completa hoje, 29 de Julho, 62 anos de emissões. Ou talvez mais. Ou talvez menos. É como a própria cidade: de origem ambígua; romanticamente confusa.
Dizia-se que D. Sancho teria concedido as cartas de foro a 26 de Novembro de 1199. Mas os pergaminhos, sendo anteriores – em quatro séculos – ao calendário de Gregório VIII, não se faziam valer pela contagem dos dias que desde aquele papado rege os povos cristãos. E eis que, revistos os cálculos, acontece a efeméride a 27 (e não a 26). Assim se mudou duas vezes, num curto espaço de tempo, a data do feriado municipal: de 3 de Maio, solenidade da Santa Cruz, para a data putativa do foral; e desta para a corrigida, no dia seguinte. O nascimento da Rádio Altitude também regista imprecisões. Durante décadas assumiu-se que ocorrera, oficialmente, a 29 de Julho de 1949. Assim o determinava a tradição e o testemunhava a placa alusiva que acompanha um velho disco de vinil de 78 rotações, editado pela londrina “The Parlophone” e exposto, agora, no «Átrio da Memória» da Casa da Rádio – a casa de sempre. O tango de Francisco Canaro é um adeus sentido às planícies de terra amarela da Argentina. A melodia sentida faz lembrar o nosso fado, o que tem alguma lógica: é provável que ambos os géneros encontrem raízes na tradição celta, supondo-se que os escravos africanos as tenham transportado para lá do Atlântico, de onde o tango retornou na primeira metade do século XX como novidade dançável e sensual. «Adiós, Pampa Mia» é de 1945 e também trina o começo de uma aventura que percorrerá o sonho e a esperança. É, apesar de tudo, menos fatalista do que o fado cantado. Talvez esse tenha sido o motivo, na mente dos pioneiros: a opção pela confiança no lugar do desalento; da ousadia em vez do desengano. Foi este poema de “Pirincho” Canaro, com arranjo de Mariano Mores, que rodou pela primeira vez, oficialmente, na Rádio da Guarda. A 29 de Julho de 1949. Assim está gravado no bronze. Porém, estudos respeitáveis de Hélder Sequeira, anterior director, mestre em História e Museologia (com tese dedicada, precisamente, à história da Rádio Altitude, que constitui o único documento credível do género) e agora empenhado Provedor do Ouvinte (uma figura inédita na rádio em Portugal, instituída sem obrigação legal, no pressuposto assumido de que cometemos muitos erros mas tentamos não cair no pior de todos, que é nunca reconhecê-los nem corrigi-los), concluíram que as emissões regulares desta Rádio começaram um ano antes, e que mesmo em 1946 já a Rádio existia e transmitia, datando de 21 de Outubro de 1947 o primeiro regulamento interno, assinado pelo então director do Sanatório, Ladislau Patrício. A Rádio Altitude é, pois, uma sexagenária e muito respeitável Senhora, com espírito jovem e arejado – tentando sempre surpreender com novas causas, novas abordagens e novos intervenientes. A mais exaltante característica do recente mas intenso percurso da actual Equipa tem sido, precisamente, a constante reinvenção. E os sinais de aceitação, retorno e credibilidade – que surgem continuamente e consolidam a Rádio Altitude como órgão de comunicação social de referência e um dos poucos oásis no deserto da informação que se produz no interior do país – robustecem a nossa responsabilidade e desafiam incessantemente a nossa imaginação. Tenho o privilégio de dirigir, desde Janeiro de 2004, um notável grupo de trabalho: António Jorge Ribeiro, criativo desenhador sonoro e multifacetado coordenador de emissão; Francisco Carvalho, veterano jornalista que imprime à informação uma marca de experiência e credibilidade; Carla Pinheiro, jornalista frenética e interessada; Carlos Gomes, jornalista metódico e documentado; Teresa Gonçalves, repórter e animadora empenhada e sensível; Sandra Pinto, animadora ocasional que traz um toque de frescura e sofisticação; Joaquim Martins, repórter de garra e de guerra que se fez na nova Rádio; Luís Alberto, a iniciar o caminho; João Neves, o homem da rádio num eterno reencontro com ela; Goreti Susano, fiel depositária de balanços e aflições. Este é meu primordial grupo de amigos, que se destaca pelo profissionalismo e pela vontade de alcançar os objectivos que em conjunto nos propomos. Uma pequena mas enorme Equipa, que desenvolve um extraordinário trabalho. Porque, sendo numericamente escassa, tem uma capacidade de desempenho que ultrapassa, em comparação proporcional, outros projectos com muito maior dimensão e amplitude de recursos. Acrescente-se o inestimável contributo de mais de cinquenta cronistas, comentadores e autores ou colaboradores de programas temáticos, que se foram juntando a este projecto nos últimos cinco anos. Alguns também com um lugar merecido na história da rádio em Portugal, como o «Escape Livre», em emissão desde 1973. Poder contar com a participação de tantos cidadãos – de diferentes sensibilidades profissionais, etárias, sociais, cívicas e políticas – é uma distinção para a rádio; cruzar quotidianamente tão plurais pontos de vista acerca das nossas coisas e das nossas causas é um legado para a cidade e para a região. Esta é também, fundamentalmente, a aposta de uma pessoa: José Luís Carrilho de Almeida, sócio de referência e gerente da empresa proprietária da Rádio. Que nos concede, a montante, a confiança exigente e a solidariedade atenta de empresário que assume um compromisso social e afectivo para com a cidade de onde é originário, numa área de actividade que, se fosse vista como mero negócio, não teria, na maior parte dos anos, viabilidade. Não espera proveitos – nem pode… – no sentido pecuniário do termo (antes soma perdas). O que não quer dizer que não exija uma exploração tendente ao equilíbrio. Ou que seja indiferente aos indicadores de gestão que sabe dependerem, prioritariamente, do nosso trabalho: qualidade, profissionalismo, seriedade, credibilidade, influência. É a contrapartida que nos exige, pela confiança que em nós deposita. Confiança assente em premissas simples: autonomia, independência e responsabilidade. Também é verdade que vivemos aqui um desusado ambiente de auto-estima – umas vezes a raiar a hipérbole e outras (tantas, tantas…) a provocar inveja e, por isso, a fazer-nos aturar, não raras vezes, afrontas e desrespeitos. Mas não importa: soubemos erguer uma herança desacreditada e essa é a resposta que temos, e teremos sempre, para dar. Só não desejamos fazer ainda uma rádio perfeita – apenas cumprimos uma aventura na qual sabemos que a etapa actual tem que ser melhor do que a anterior e obrigatoriamente pior do que a seguinte. Tem sido assim, temporada após temporada. Porque também não queremos conformar-nos com a rádio realizável. Nem com a cidade possível. Insisto: não queremos conformar-nos. E não nos conformaremos. Esta é a melhor garantia que posso dar, neste dia de Aniversário. E que antecipa novas e exaltantes aventuras a que queremos lançar-nos. Afinal de contas, a vida não é a feijões. Pelo menos para alguns dos que escolheram cá viver e trabalhar. Entre os quais está esta pequena mas enorme Equipa da Rádio Altitude – a mais antiga estação de radiodifusão local em Portugal, um património que deve ser motivo de orgulho para toda a Região, e não apenas para a Guarda. Hoje faço questão de recordar aqui os princípios que o actual grupo de trabalho abraça. Um grupo que integra algumas das (raras?) pessoas que não querem desistir do Interior. Nos bons e nos maus momentos, como é próprio dos afectos verdadeiros e vividos com intensidade. Um grupo que me honro de dirigir há quase sete anos: uma longevidade inédita de engrandecimento e afirmação, numa história que também já foi feita de convulsões e de sobressaltos. É por isso que, no final de cada jornada, quando vamos à nossa vida restante e ao reencontro dos nossos (outros?) afectos, deixamos sempre o lugar onde trabalhamos com um sussurro: «Fica bonita, Rádio!». Porque a Rádio Altitud
e é uma paixão. Obrigado a todos, por tudo. E Parabéns!
Rui Isidro
(Director da Rádio Altitude)
O Capeia Arraiana associa-se à data desejando muitos parabéns e felicidades a todos os trabalhadores e colaboradores da Altitude FM – Uma Rádio com História. Parabéns!
jcl e plb