Às terças-feiras é tempo da poesia de Georgina Ferro. A poetisa raiana junta a sua sensibilidade artística às memórias e ao amor pelas gentes e terras raianas…

A minha infância e primeiros anos de adolescência foram muito marcados pela abalada, quase sempre pela calada da noite, de milhares de sabugalenses que, «a salto», como se dizia na altura, emigravam clandestinamente sobretudo para França.
Felisbela era filha única do ti Jacinto. Casara com o seu vizinho Zé, também ele filho único e que, para além de serem «quintos», nasceram precisamente no mesmo mês, no mesmo dia e só com algumas horas de diferença.
A Pepa pusera o xale pardo de lã, gasto e já meio esburacado, sobre a saca de sarapilheira do contrabando. O Diamantino esperava por ela entre umas moitas de carqueja que ladeavam o carreiro junto do moinho do nosso Toino, lá para o Prado Castelhano. Era o último acarreto antes do Natal, ia ela pensando pelo caminho.
Os emigrantes portugueses podem vir passar a férias a Portugal. As fronteiras vão ficar fechadas até 15 de Junho mas depois já será possível circular entre Portugal e a Espanha.
Eduardo Cabrita, ministro da Administração Interna, em Vilar Formoso (22.05.2020)
Talvez se pudesse contar parte da história da vida das famílias emigradas, aqui no povo, a partir de uma casa. Primeiro, reconstruíram as pequenas habitações que deixaram ou adquiriram, no início dos anos setenta. Mais tarde, já nos anos oitenta, quase todos fizeram casas novas, de raiz, grandes e com todo o conforto.
Nos anos de sessenta e cinco e sessenta e seis, em cada semana ou mês, eram mais umas carteiras vazias na escola e mais umas casas fechadas no povo. A toda a hora se ouvia: «Abalaram para a França. Já abalaram. Foram todos!» Havia um sentimento de perda, de vazio, como se ninguém estivesse inteiro e a todos faltasse qualquer coisa. E faltava.
«A minha ida para França» é uma história de vida contada na primeira pessoa por António Cerdeira Seixas. Nascido em 1924, natural de Vilar Maior, casado, pai de três filhas, pintor de profissão recorda o «salto» para Paris no ano de 1962.
«As história de uma nação» da France Télévisions incluiu um documentário sobre os portugueses que nos anos 60 do século XX emigraram «a salto» para a França e, em especial, para Paris… para Champigny. Aqui fica o vídeo de lançamento do programa.
Nada foi tão decisivo, para a vida das pessoas daqui, como a emigração dos anos cinquenta e sessenta para França. No início, com a emigração fechada, quase todos saíram a salto. Mais tarde, com uma abertura na emigração, foi possível emigrar legalmente, com cartas de chamada, o que beneficiou a reunião das famílias e a ida de outros emigrantes.
Sentindo-se como que encurralados entre o isolamento e a miséria, apesar de muito trabalho, raramente conseguiam angariar o seu sustento e da família. Para vencer esta verdadeira luta pela sobrevivência, de norte a sul, o país assistiu a grande debandada de portugueses procurando na emigração a resposta às muitas privações do dia a dia e poder sonhar por uma vida melhor.
Aquela casa permaneceu fechada, por mais de quarenta anos. Quando é de novo aberta, já não pelo dono, esse há muito que morrera em França, e lá fora enterrado; já não pelos filhos que nunca mais regressaram à terra, mas por uma neta, casada com um francês, que um dia aqui chega à procura não se sabe bem do quê.
Trago-lhe reflexos de mentalidades novas e de novos hábitos: a emigração no seu melhor, quando, parada a faina e a labuta incessante lá para os arredores de Paris, os emigrantes chegavam à terra e o ambiente se modificava a vários títulos… Tal como hoje: só que agora já ninguém estranha.
Haverá alguém no Casteleiro que não tenha na família um ou vários familiares que foram ou são emigrantes? Penso que não. E todos sabemos porquê: na minha aldeia vivia-se tão mal, tão mal… que qualquer sacrifício para atravessar a fronteira e o resto lá longe… tudo era melhor do que continuar assim a família – ou seja, os sacrifícios eram feitos em nome de um futuro melhor. E assim aconteceu. Valeu a pena.
Os nossos conterrâneos que emigraram nos anos 60 e 70 para a França sabem muito bem as razões que os obrigaram a essa aventura. O que muitos ignoram é que 40 anos antes disso, uma pequena vaga de emigração atingiu também as nossas aldeias. Mas sobretudo para a Argentina e menos para o Brasil e a Venezuela. Hoje trago uma história desses tempos de há cem anos…