Às terças-feiras é tempo da poesia de Georgina Ferro. A poetisa raiana junta a sua sensibilidade artística ao amor e às memórias pelas gentes e terras raianas…

Era noite de receber a Sagrada Família. A florzinha do pavio já ela colhera. A mesinha redonda já tinha toalha de linho e renda, mas a almotolia é que por mais que a «escurrapichasse» nem gotejava. E naquele dia a ti Alexandra chorou amargurada…
Sempre que penso em fins-de-semana, lá vêm as saudades de Manteigas. Os passeios à Castanheira, ao Mondeguinho, às Caldas, ao Zezerinho, ao Poço do Inferno, à Fonte Santa… E hoje, lá vou eu ao Poço do Inferno. Era a Primavera já a acabar. O sol levantou-se cedo, muito dourado no céu azul bordado com manchinhas de algodão…
O Chico tinha feito dez anos e tinha obtido um «Bom com distinção» no exame da quarta classe. «Era uma pena se não pudesse continuar a estudar!», dizia o senhor professor Almeida. Mas, claro que nem para o seminário poderia ir. Onde iam os pais arranjar dinheiro para três lençóis, uma manta, uma colcha branca, três pares de meias, dois pares de sapatos, três cuecas, três camisolas interiores, três pares de calças…
As panelas, depois de bem areadas com a areia da ribeira, carqueja e sabão, pareciam de prata. A tia tinha aproveitado a ida à ribeira para trazer, também, um poucochinho de barro para barrar a chaminé, como fizera pela Páscoa. E que linda ficava agora a chaminé de cadeias presas no alto, sem carnes ao fumeiro e com as panelas brilhantes…
Éramos tão pequeninos, eu e o Jerónimo. Eu, sempre de pés descalços, porque me custavam a calçar e o Jerónimo porque nem sapatos tinha. O pai dele era carvoeiro, andava sempre pelos matos a arrancar torgas da urze branca e cepas de outros arbustos. Passava a semana fora de casa e, aos sábados, o Jerónimo subia a serra para depois descer com uma saca de carvão às costas maior do que o próprio corpo franzino e débil.