Às terças-feiras é tempo da poesia de Georgina Ferro. A poetisa raiana junta a sua sensibilidade artística ao amor e às memórias pelas gentes e terras raianas…

Desde que se lembrava de ser gente que calcorreava os caminhos e veredas do contrabando raiano. Ainda andava na escola quando começara por levar uns cartuchitos de café que lhe trocavam por dois ou três pares de chancas, que a mãe ia «mercar» a quem precisasse em troca de pão, de azeite, duns ovos ou, no melhor das hipóteses, por uns escudos ou pesetas. Contava-me ele, que levava umas cabritas pelos carreiros afora e em frente aos guardas falava em português, mas se encontrava os carabineiros fingia ser espanhol.
A tia foi lavar a roupa à ribeira. Eu fiquei a «morar» com a minha boneca de papelão. Esta não mexe os braços nem as pernas. A tia o ano passado, pelo Natal, não conseguiu dar pesetas suficientes ao Menino Jesus. Então, ela arranjou uma fitinha xadrês e fez-me um laço para o cabelo. E Ele deu-me uma laranja, um rebuçado colorido com um balão cor-de-rosa e esta boneca que não é tão bonita mas eu gosto muito dela.
O Toino ficou com os avós quando os pais foram «a salto» para França. Nunca teriam chegado ao destino! Dizia-se por lá que os pais tinham desaparecido nos Pirinéus. Outros diziam que tinham sido «apanhados» pela guarda espanhola e feitos prisioneiros! Verdade ou não, os avós do Toino nunca tiraram o luto e o menino cresceu do que os avós lhe conseguiam dar.
Na aldeia, eu não levava bata para a escola. Quem é que tinha dinheiro para ir, todos os dias, com uma roupa tão esfregadinha?!!! Até porque, roupa branca no Inverno era sinal de mau gosto ou de pouco dinheiro, dizia-se por lá. E o frio do planalto era bem acutilante!
Já tinha passado para a terceira classe. Tinha obrigação de saber escrever com caneta de aparo sem deixar cair borrões. E lá isso, verdade verdadinha, era das únicas coisas em que a Senhora D. Normélia sempre me elogiava: «Tem uma letra tão linda, que parece já crescida!»