Aos primeiros sinais de temporal, vinha ao peitoril da janela. Encostava-lhe o queixo de criança e deixava-me ficar, num estar vestido de sonho, gerindo a expectativa de poder ver o vento.

A tasca da Joséfinha estava a transforma-se, pouco a pouco, num supermercado. Sempre comerciou vinho e cerveja mas intentava, agora, alguma modernidade vendendo latas de sardinha, garrafas de azeite, bacalhau ao quilo, arroz ao cartucho, massa ao pacote para além de pilhas, pentes, giletes, pincéis de barbear, sabões, sabonetes e outros tantos produtos normalmente inseridos num mercado mais lato.
São atípicos os tempos de hoje. A certeza degenera em indecisão. A honestidade tornou-se tão incomum que já poucos acreditam nela. Os íntegros são tidos por ingénuos. A decência confunde-se com hipocrisia. A dignidade é menosprezada. Os sentimentos vis passam por genuínos. A incredulidade, de tão óbvia, extrema-se.
Chegado o final de tarde subi a escada e um friozinho irreverente fez-me trocar a varanda pelo interior. A lareira, exposta, ostentava um velho cepo de carvalho que se avermelhava numa luta dura contra o fogo. Um pequeno cansaço vinha-me de todo o dia. Era uma fadiga mais de ócio que de afazeres.
Numa tarde quente de um verão antigo sucediam-se as correrias no largo do cruzeiro quando a garotada entrou, em debandada tonta, na taberna da Josefa. Ninguém sabia bem o que procurava mas todos encontraram, atrás do balcão, uma rifa que pendia do teto.