O ti Zé chegou da taverna já noite escura. Vinha… «Ai! Ai! Que aqui caio… ali me levanto».

Sempre que assim vinha, os dois catraios pequenos iam agarrar-se às saias da mãe. Não sei quem mais medo tinha, se a canalhinha ou a própria ti Prazeres. Ela bem dizia, para si mesma, que estava na hora de acabar com tão maus tratos. Mas que poderia ela fazer?! O seu homem levantava-se para ir à taverna matar o bicho, ficava por lá à espera que algum compincha lhe pagasse um copito de três, vinha a casa comer um caldo e não tardava a voltar ao seu posto de observação. Dizia-se por lá, à boca cheia, que ele era ainda pior que o guarda mau. Fingia-se bêbado, mais do que deveras estava. Assim podia sempre escutar e ver tudo o que se passava à volta: era o Manel que passara com o carrego às costas; o Vicente que tinha um isqueiro de cordel laranja, comprado na Espanha, sem ter tirado a licença; o ti Lei que tinha uma onça de tabaco espanhol; o catraio, filho do ti António que trouxera um odre de azeite para a ti Emília… um rol de ninharias que nem a Guarda prestava demasiada atenção, mas com que ele trazia a gente da aldeia em constante sobressalto.
Nessa noite, mal ele chegou a casa, não tardaram a ouvir-se os insultos e vergastadas costumeiras. A pobre mulher debruçava-se sobre os filhos para os proteger e chorava desesperada. Foi então que alguém chamou por ele, lá fora do curral. Era uma voz forte e autoritária. O ti Zé parecia ter ficado sóbrio de repente. Saiu porta fora e desceu as escaleiras sem cambalear. Juntou-se ao homem que o chamara e abalaram. Ambos, cosidos às paredes das ruelas e quelhas até se embrenharem pelos caminhos mais escusos dos arredores.
No dia seguinte, já a madrugada rompia e o ti Zé sem dar de caras lá em casa ou na taverna a matar o bicho! Começava o chocalhar das cabras e ovelhas, o tilintar das campainhas das vacas, o chiar dos eixos dos carros. Enfim, o despertar da vida da aldeia! Do ti Zé nada, nem voz nem presença. Já era sol firme quando o ti Bernardo o encontrou lá para as Fontainhas, a gemer sem sequer se poder levantar. O ti Bernardo conseguiu carregá-lo para o carro das vacas e trouxe-o a casa. Nunca ninguém soube quem o tinha posto naquele estado. O certo é que nunca mais houve denúncias dos pequenos delitos da gente da aldeia nem palavras de azedume com a ti Prazeres e os filhos pequenos.
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«Gentes e lugares do meu antanho», crónica de Georgina Ferro
(Cronista no Capeia Arraiana desde Novembro de 2020)
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