«As mais lindas palavras de amor são ditas no silêncio de um olhar»…

Há uns tempos que não nos cruzávamos… mas sei que o amigo Fernando está lá sempre, no seu posto de vigia; no Chiado, em frente ao café «ABrasileira». Disseram-me que anda triste (deprimido). Quase não fala, diz que a sua pátria já não é bem a língua portuguesa (o inglês ainda vá-que-não-vá; aprendeu-o na África do Sul). Apeteceu-me confortá-lo, conversar um pouco na língua de Camões; tirar uma fotografia e esclarecer dúvidas. Sem grande sucesso – ele continua tão fingidor que chega a fingir que é dor a dor que deveras sente.
Tinha a ideia de que o Fernando António Nogueira Pessoa (1888-1935) era um homem tão ocupado que não lhe sobrava tempo para namorar; que era um desassossegado e fazia imensas coisas ao mesmo tempo; que os «irmãos» (Alberto, Ricardo, Álvaro, Bernardo…) eram o centro das suas preocupações. Bem sei que havia os intervalos, as escapadelas ao Martinho da Arcada para conversar com os amigos mais chegados (Almada e Mário); acertar os pormenores da revista «Orpheu» e beber uns «bagaços» – tantos que morreu de cirrose hepática (30-11-1935), com apenas 47 anos. O seu fígado não aguentou; mas a sua poesia resistiu. Valha-nos isso!
Voltemos ao princípio: sempre pensei que o amigo Fernando, muito dado à poesia e à filosofia, descurou o amor carnal, o tal «fogo que arde sem se ver». Mas se calhar não foi bem assim… Há sempre excepções e uma delas dava pelo nome de Ofélia («Amo como quem ama o amor. Não conheço nenhuma outra razão para amar senão amar. Que queres que te diga, além de que te amo, se o que quero dizer-te é que te amo»).
Dizem os entendidos que foi a sua única namorada – aquela moçoila mais nova que ele. Escreveu-lhe cartas de amor e dava a impressão de que estava apaixonado; mas renegou tudo («todas as cartas de amor são ridículas»). Em que ficamos?
Lidar com o Fernando não é fácil; mesmo na nossa língua-mãe. Ele baralha-nos. É mesmo um fingidor. Até já foi acusado de «misoginia» (Ofélia teria sido um amor passageiro; ou nem isso); mas se calhar não foi bem assim… Então e aquela mulher casada e misteriosa que lhe roubou o coração? Disso ninguém fala! Apenas o seu «irmão» Álvaro – um «engenheiro» moderno e futurista, mas um pouco pessimista – cometeu uma inconfidência ao revelar o segredo que estava bem escondido no fundo da arca:
«A rapariga inglesa, tão loura
tão jovem, tão boa
Que queria casar comigo…
Que pena eu não ter casado
com ela…
Teria sido feliz
Mas como é que eu sei se teria
sido feliz?
Como é que eu sei qualquer coisa
a respeito do que teria sido?
Do que teria sido
que é o que nunca fui?»
P.S. Bem tento aproximar-me do Fernando. Pareceu-me que anda um pouco baralhado; com os olhos-em-bico e sem paciência-de-chinês para interpretar o que se passa à sua volta. Já sabia que era uma Pessoa complexa. Um génio? «As mais lindas palavras de amor são ditas no silêncio de um olhar».
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«Estas coisas da alma», crónica de Manuel Sequeira
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