Naquele ano, a chuva e invernia prolongaram-se até meados de Junho. Já escasseava o feno para as vacas. Findava o milho para as galinhas. As batatas estavam atrasadas e temia-se que apodrecessem na terra tão ensopada. Quando as árvores de fruto floriram, tinha geado e já se previa que a fruta não vingasse…

As trovoadas de Maio faíscaram sobre castanheiros e carvalhos, causando prejuízos inesperados. Por mais que se implorasse ajuda a Santa Bárbara e se queimassem ramos benzidos, a tempestade não terminava.

Nunca os serões teriam sido tão alegres e passados em grupos tão numerosos, como naqueles meses – calculo eu! Em vez da luz mortiça da candeia e do lume meio apagado à lareira da cozinha, as famílias parceiras de trabalhos e amizade, juntavam-se na «loja dos animais» e, sobre faixas de palha, sacas de sarapilheira e mantas de trapo, arranjava-se assento. Depois, bastava um candeeiro de mão com a torcida bem levantada. Todos os outros se acendiam só para o caminho e, apenas, se a lua não brilhasse. Era o trabalho que aquecia, sem se gastar lenha.

Na loja, o linho era ripado, espadelado e macerado pelos homens; enquanto as mulheres fiavam e tricotavam ao som de alegres cantigas cantadas em uníssono. A certa altura, contavam-se anedotas, quase sempre de «barba longa» a não ser quando alguém mais criativo, inventava algo de novo! As adivinhas, essas sim, tinham sempre qualquer coisa de diferente, nem que fosse nova solução para ninguém acertar, ou então, era eu que nunca me lembrava da resposta!

E quando havia cachopas namoradeiras e rapazotes a arrastar a asa, lá vinham as cantigas ao desafio e fortes e cristalinas gargalhadas. Era uma imensa alegria a mascarar a pobreza (quase miséria), o frio, e a incerteza da fome para os dias seguintes.

Só não percebia a atrapalhação de quando aparecia a guarda ou a malta da ronda passava por perto a gritar os «agugus» estridentes. Era demasiado pequerruxa para saber que os adultos também tinham medo!…

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«Gentes e lugares do meu antanho», crónica de Georgina Ferro
(Cronista no Capeia Arraiana desde Novembro de 2020)
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