Ao remexer o baú das velharias tropecei nesta foto (de má qualidade) de Vítor Santos que me remeteu para os primórdios na Travessa da Queimada, no jornal «A Bola», quando as novas tecnologias ainda faziam parte da ficção científica. Nem sei se Tim Berners-Lee (pai da Internet), Larry Page e Sergey Brin (Google) e Mark Zuckerberg (Facebook) já teriam nascido. Assistir a todas as fases da feitura do jornal era fascinante. Cheguei a passar noites em branco «só» para ver o jornal na «rotativa» e, depois, sentir o cheiro da tinta e ler as notícias frescas com o café da manhã…

Mas voltemos à fotografia. Naquele tempo, as tecnologias eram rudimentares com telefones, telexes e telefotos. Quando os jornalistas se deslocavam ao estrangeiro, telefonavam e as suas crónicas e reportagens que eram registadas numas máquinas de gravar (como na rádio). Era necessário ouvi-los com atenção (havia sempre ruídos) para depois «desgravar», «bater» à máquina de escrever e o português sair escorreito.
Essas máquinas de gravar tinham pedal e auscultadores. Enquanto dávamos ao pedal e escrevíamos, por vezes surgia o «Chefe» Vítor Santos, preocupado com o andamento da «carruagem», ao ver aproximar-se a hora de fecho do jornal mas sempre com palavras de estímulo porque sabia que estávamos a dar o melhor…
A este propósito, não esqueci o meu antigo companheiro Fernando Alvarez. Nunca vi alguém tão rápido a desgravar e a «bater texto». Aquela máquina HCESAR aquecia… E a tarimba era tanta que a prosa saía limpa, quase sem precisar de revisão. Eu ajudava-o, quando necessário. E também gostava de dar ao pedal…
Uma noite (primeira quarta-feira europeia), a Redacção de «A Bola» ficou desfalcada. Os «pesos-pesados» do jornalismo estavam quase todos no estrangeiro (ou fora de Lisboa) em serviço. Ficou a «arraia miúda» (colaboradores) no apoio a Vítor Santos. Jogos à noite, muita prosa para receber em pouco tempo. O «Chefe» pediu-me para dar uma «ajudinha» ao Fernando Alvarez, na desgravação dos textos. Volvidos uns minutos, ao ver que a hora de fecho do jornal se aproximava, levantou-se e fez uma ronda pela Redacção: «Então, rapaziada! Isso não anda?»
Andou! Mas ainda hoje estou convencido de que se não fosse o Fernando Alvarez… o jornal não teria saído nessa quinta-feira! Outros tempos! Uma maneira diferente de fazer jornais que já não volta mais…

P.S. Resta-me dar conta do gesto de Vítor Santos (saudade). No dia seguinte, ao chegarmos ao jornal, uma nota afixada no placard rezava assim: «Aos colaboradores que na última quarta-feira europeia deram o seu melhor na feitura do jornal, o voto de louvor do Chefe de Redacção.»
Guardei essa «nota» de Vítor Santos, mas não a encontro. Deve andar por aí perdida na confusão dos papéis… Pequenos-grandes gestos de um jornalista de alto gabarito. E grande Senhor!
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«Estas coisas da alma», crónica de Manuel Sequeira
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