A crónica desta semana apresenta três ocorrências relacionadas com grafia deturpada que leva a interpretações diferentes: a situação insólita de um envelope viajante; a troca de uma letra numa palavra francesa; e o título gravemente alterado num jornal oficial.

O envelope dos CTT
Nos anos setenta do século passado veio parar às minhas mãos um curioso envelope expedido pelo Banco Português do Atlântico para o seu correspondente em Mação. Estávamos numa fase inicial da informática em que os computadores não dispunham de «cedilha» nem de «til». Resultado: a localidade do destinatário era «Macao». E assim aconteceu, com carimbos da estação central de correios em Lisboa, via Hong Kong, de «Macao» (território português do Oriente) – ida e volta – onde fora aposta a indicação de «desconhecido neste território». Retornando à procedência, a estação central dos CTT de Lisboa colocara a indicação de: «devolver ao remetente». Este limitou-se a acrescentar o «til» e a «cedilha», rasurando manualmente as indicações apostas em Macau e Lisboa. Novos carimbos datados dos CTT de Lisboa e Mação – ida e volta – e, por fim, o motivo da entrega não concretizada: «Devolver ao remetente por falecimento do destinatário.»
Pequeno guia de bolso
O Secretariado Nacional de Informação do antigo regime português publicou um guia de bolso, naqueles tempos em que o «Abril em Portugal» era apregoado para atrair turistas, designadamente franceses. Era ainda o tempo em que as tipografias dispunham dos caracteres alfabéticos distribuídos por pequenas caixas de mostradores. Quando o pequeno guia turístico veio impresso, todos os exemplares vinham com o seguinte título de capa: «Petit guide de boche»
Os tipos «b» e «p» eram iguais. O tipógrafo nem se terá apercebido do erro de inversão ao juntar os caracteres para formar a palavra.
Plano de Fomento
Competente e sempre delicadíssimo, um dos meus companheiros de serviço na revisão de um jornal diário, surgiu certa vez desanimado, pouco dado ao diálogo. Algo se passava. E assim se foi mantendo no decorrer dos dias, sem que eu ou alguém tivesse a coragem de o questionar, com receio de interferir na sua vida privada. Ele exercia a sua actividade profissional em dois postos de trabalho diferentes, cumprindo horários distintos. O outro jornal era o órgão oficial do regime, no tempo da «primavera marcelista». Com sucessivas ausências, acabou por abandonar o nosso serviço, sem qualquer justificação.
Meses depois, por via de um colega de trabalho que conhecíamos, viemos a saber o que acontecera. No jornal oficial ele fora despedido com justa causa por não ter detectado um «erro grave». A toda a largura das páginas centrais dessa publicação, um título em parangonas anunciava o «IV Plano de Fomento para 1973-1978». Na página do lado esquerdo constava «IV Plano de Fome» e na do lado direito podia ler-se «NTO para 1973-1978». Numa leitura final o nosso amigo tinha removido a excrescência «NTO», achando-a despropositada por não fazer sentido.
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«Língua Estufada», opinião de José Leitão Baptista
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