CARLOS MIRANDA (1932-2002) | Ingressou no jornal «A BOLA» no ano de 1961, tendo-se destacado na cobertura da Volta a Portugal em Bicicleta, do «Tour» (França), da «Vuelta» (Espanha) e dos Jogos Olímpicos. Assumiu a direcção do jornal em 1975, mantendo-se no cargo até 1992.

Mais de quatro décadas a calcorrear a Travessa da Queimada deixou marcas, no corpo e na alma. Se «o passado é sempre um resto», pesa na memória. Já aqui recordei Vítor Santos e Carlos Pinhão. Hoje relembro outra grande figura do jornalismo português com quem também tive o privilégio de conviver: Carlos Miranda.
Ingressou em «A BOLA» no ano de 1961, tendo-se destacado na cobertura da Volta a Portugal em Bicicleta, do «Tour» (França), da «Vuelta» (Espanha) e dos Jogos Olímpicos. Assumiu a direcção do jornal «A BOLA» em 1975, tendo-se mantido no cargo até 1992.
Um grande repórter, entrevistador e cronista. Não me lembro de o ter visto escrever crónicas sobre futebol (não era a sua praia) mas não dispensava a leitura das suas reportagens sobre ciclismo. Escrevia bem e conseguia transmitir-nos emoção, as alegrias e tristezas de um desporto rude que passou a ter honras de primeira página.
Nunca esqueci as suas reportagens na Volta à França, os seus diálogos com Joaquim Agostinho. Numa descida do «Tour», o ciclista português caiu e ficou maltratado. Tudo indicava que iria desistir, mas não: heróico, continuou em prova. E Carlos Miranda transmitiu-nos, como só ele sabia, mais que os feitos desportivos de Agostinho, o seu lado humano. Havia cumplicidade (admiração) entre eles que se transmitia aos leitores, depois de ler aquela prosa escorreita e sentida.
Carlos Miranda escrevia bem e com uma facilidade impressionante. Nunca vi alguém debitar prosa de forma tão rápida na velhinha HCESAR (ou AZERT, já não me lembro). Ao final da noite, após o fecho do jornal, dava gosto ficar uns minutos a ouvir aquela gente cavaquear.
Numa tarde (2002), cheguei à Travessa da Queimada («A BOLA on-line») e fui surpreendido com a sua morte. Era necessário dar a notícia, rapidamente, e colocá-la no ar (o jornal em papel só saía no dia seguinte). Coube-me redigi-la e não foi difícil; conhecia bem a sua escrita; o seu percurso jornalístico. A seguir, fui ao arquivo, escolhi umas crónicas de que eu gostava e publiquei-as no site de «A BOLA». Uma delas tinha um título curioso: «O livro que não escrevi.»
Carlos Miranda nunca quis escrever livros, apesar de muito solicitado. E as histórias que ele teria para contar… Agostinho seria, estou convicto, um dos «personagens centrais».
A rematar: um dia, Carlos Miranda entrevistou António Lobo Antunes. O escritor gostou do jornalista e da sua escrita, ficaram amigos e recordou-o anos mais tarde, numa outra entrevista a Vítor Serpa, que lhe sucedeu como director de «A BOLA». Deixo um breve excerto:
«A BOLA sempre teve grandes jornalistas e uma grande preocupação cultural. O Miranda era um desses grandes jornalistas. É uma pena que as suas crónicas da Volta a França nunca tenham sido publicadas em livro. Aquelas crónicas com o Agostinho são admiráveis e olhe que este é um termo que eu uso muito poucas vezes…»
(…)
«O Carlos Miranda fez-me várias entrevistas. Gostava muito dele; ele pedia e eu não conseguia dizer-lhe que não. Felizmente tive oportunidade de lhe dizer que tinha uma espantosa qualidade literária. Ficava a olhar para mim, surpreendido. Era um homem que eu muito admirava.»
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«Estas coisas da alma», crónica de Manuel Sequeira
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