Marine Le Pen, líder do partido «Rassemblement National» foi condenada a 31 de Março por um Tribunal de Paris não apenas a uma pena de prisão de dois anos e a uma pena de multa, mas foi também declarada inelegível à presidência da República de França durante um período de cinco anos. Impedida de concorrer às presidenciais, Marine Le Pen vê assim o seu sonho político comprometido. O «Rassemblement National» prepara-se agora para apostar em Jordan Bardella e na radicalização política. E já há quem fale na «Trumpificação» da próxima campanha presidencial em França.

A sentença
A sentença do Tribunal de Paris que, a 13 de Março, condenou Marine Le Pen – bem como outros 18 membros do seu partido, o «Rassemblement National» (RN), e também vários membros de outros partidos políticos franceses – pelo desvio dos fundos públicos do Parlamento Europeu para financiar ilegalmente os seus partidos –, deixou a líder do RN óbviamente em choque. Ainda a juíza não tinha acabado de ler toda a sentença, quando, visivelmente perturbada, Marine Le Pen resolveu abandonar a sala de audiências do Tribunal e se dirigiu, acto contínuo, para a sede do RN, onde se reuniu com os seus apoiantes mais próximos para decidir os próximos passos. Mais tarde, deslocou-se a um canal de televisão na noite do mesmo dia, para dar uma entrevista na qual se declarou vitima de uma cabala política, acusando o Tribunal de Paris de ter destruido a sua carreira e bloqueado a sua candidatura à Presidência da República em 2027.
Vista à luz do seu próprio interesse político, esta postura de Marine Le Pen não surpreende. Mas, a supracitada sentença do Tribunal de Paris é, a todos títulos, histórica no que diz respeito à vida política do RN. Pela primeira vez desde 1981, não haverá nenhum Le Pen nos boletins de voto para a Presidência. Primeiro foi Jean-Marie Le Pen, fundador da «Frente Nacional», que morreu este ano; depois, Marine Le Pen pegou no testemunho do pai e continuou esse movimento político de extrema-direita, apostando, contudo, na estratégia de «desdiabolização» desse movimento que em 2018 mudou de nome para «Rassemblement National» com o objetivo de o aproximar do centro político e que, consequentemente, o fez subir gradualmente nas sondagens e ganhar as últimas eleições legislativas em França. Desde 2012, Marine Le Pen foi sempre candidata à Presidência francesa e, a cada eleição, melhorou o resultado eleitoral do RN. E a verdade é que as últimas sondagens mostravam-na como a melhor colocada para a corrida presidencial de 2027.
Porém, a sentença judicial atrás citada – que tem efeito imediato – vai, como tudo o indica, deixar Marine Le Pen fora da corrida ao Eliseu.

Jordan Bardella – a alternativa óbvia
Dito isto, no quartel-general do «Rassemblement National», olha-se já para o futuro. Marine Le Pen recorreu, entretanto, desta sentença do Tribunal de Paris, mas é improvável que consiga reverter a proibição judicial de se candidatar à Presidência, a tempo de inscrever o seu nome nos boletins de voto das eleições presidenciais de 2027. Aliás, convém acrescentar que, nos termos da lei francesa, o recurso não tem efeito suspensivo, facto que não facilita a pretensão da recorrente. O RN precisa, por isso, de escolher uma alternativa.
A alternativa parece óbvia. Jordan Bardella, protegido de Marine Le Pen, atual presidente do RN e vencedor das últimas eleições em Julho de 2024, assume-se, aos 29 anos de idade, como o seu herdeiro natural. Efetivamente, em Outubro passado, Marine admitiu numa entrevista ao jornal «Le Point» estar a preparar a sua sucessão ao afirmar que: «A primeira responsabilidade de um líder é preparar para que, caso ele ou ela desapareça, a estrutura consiga sobreviver à sua morte, seja ela qual for.»
Marine Le Pen também foi deixando claro que deveria ser Bardella a ocupar esse lugar: «Damo-nos muito bem, confio nele e concordamos em tudo», tinha dito seis dias antes da fatídica sentença. Mas, nessa altura, o seu plano era colocar Jordan Bardella na corrida ao Eliseu mais tarde, depois de ela própria já se ter tornado Presidente da República: «Em 2032, o Jordan terá 36 anos», notou a líder do RN na mesma entrevista, sublinhando como Bardella estava apto para lhe suceder.
Depois de uma candidatura a primeiro-ministro nas citadas legislativas de 2024 – que não teve sucesso devido à união dos macronistas e de toda a esquerda –, Jordan Bardella continua a ser popular. Publicou recentemente o livro «Ce que Je Cherche» («Aquilo que Eu Procuro») e tem feito uma campanha de marketing bem sucedida em torno desta publicação.
As sondagens recentemente feitas aos simpatizantes do seu partido são-lhe favoráveis: Uma sondagem do final do ano passado mostrava que 59% dos simpatizantes da RN preferiam este político de 29 anos para concorrer ao Eliseu e que apenas 37% colocavam Marine Le Pen à frente. E perante a questão «Jordan Bardella seria um bom candidato presidencial?», um estudo notou que 95% dos eleitores do RN disseram que sim.
As duas correntes do «Rassemblement National»
Mas, apesar desta simpatia entre as bases do RN face a este putativo candidato à Presidência da República, parte da cúpula do partido não parece aceitar tão facilmente a solução Bardella. «Se Marine Le Pen for impedida de concorrer, vai haver uma guerra civil dentro do partido», declarou um barão do RN ao jornal «Le Point» há alguns meses. «Há um número de responsáveis do partido que não vão aceitar as decisões de Bardella, nem seguir cegamente um tipo de 29 anos.»
Para acalmar os opositores a Bardella, o peso de Marine Le Pen pode, contudo, fazer a diferença. Afinal, o partido continua a ser controlado por ela e Jordan Bardella foi sendo promovido dentro do RN com o seu apoio político. Ainda assim, tal não significa que não continue a haver duas correntes dentro deste partido de extrema-direita: há, por um lado, quem apoie incondicionalmente a «estratégia de desdiabolização» do partido promovida por Marine de Le Pen – os chamados «não-aceleracionistas»; mas, por outro lado, há os que consideram que o RN deve ser mais anti-sistema e assumir uma postura mais radical.
A aposta na radicalização
A sentença judicial proferida contra Marine Le Pen pode, no entanto, contribuir doravante para decretar o fim do «não-aceleracionismo» no RN ,ou seja, a aposta na radicalização. Efetivamente, na reunião que ocorreu a 31 de Março na sede do RN, ficou claro que, a partir de agora, a estratégia será acusar a Justiça de politização. Jordan Bardella deu o tiro de partida, ao escrever em 31 de Março na plataforma X o seguinte: «Hoje não é apenas o dia em que Marine Le Pen é condenada injustamente: é o dia da execução da democracia francesa», e lançando a hashtag (palavra-chave) utilizada nas redes sociais «Je Soutiens Marine» (Eu apoio Marine). Horas depois, lançou uma petição de apoio a Marine Le Pen e pediu uma “mobilização popular e pacífica”. Esta estratégia do presidente do RN encontrou eco em vários membros do partido, entre os quais o ex-Republicano Éric Ciotti, que, após ser conhecido a aludida sentença do Tribunal de Paris, deixou no ar a pergunta “A França ainda é uma democracia?”
Entretanto, enquanto o recurso interposto por Marine Le Pen não for decidido pelo Tribunal Superior, o que poderá esperar-se da atuação política do “Rassemblement National”no curto e médio prazo?
“Este julgamento irá dar-nos a previsão do tempo para 2027”, comentava-se na “entourage” de Marine Le Pen antes de ser conhecida a sentença de 13 de Março.
Como quer que seja, para já a previsão é de tempestade. Mas os ventos fortes que agora sopram podem acabar por tornar-se, a curto prazo, favoráveis ao RN.
O diretor-adjunto do jornal Libération, diário alinhado à esquerda, notava na véspera da sentença que, mesmo que Marine Le Pen fosse impedida de se candidatar a eleições, «a História da extrema-direita não acaba amanhã». «Outros irão continuar a levar a tocha», escreveu Paul Quinio, numa referência a Jordan Bardella.
Mas, se o «Rassemblement National» parece estar pronto para lidar com o embate que está aí ao virar da esquina , menos claro é antecipar se Marine Le Pen irá ter ainda algum futuro político depois desta sentença do Tribunal de Paris, que, até prova em contrário, parece ter bloqueado o objetivo político da Presidência para a qual Le Pen estava a trabalhar há vários anos. Alguns dos seus apoiantes mais próximos acreditam que a líder da extrema-direita francesa não irá baixar os braços: «Ela é uma Le Pen. Quando a atacam, riposta», comentou um membro do seu partido ao jornal «Le Figaro».
De facto, já há algumas semanas antes da sentença que a própria Marine Le Pen tinha levantado o véu sobre a forma como o RN poderá passar ao contra-ataque: «Mesmo que amanhã haja uma decisão do tribunal que impeça a minha candidatura isso não impede o RN de apresentar uma moção de censura e até de provocar novas eleições legislativas.» A ver vamos se isso vai acontecer.

As insustentáveis contradições da classe política francesa
Voltemos contudo à sentença do Tribunal de Paris e à correspondente reação de Marine Le Pen e do seu partido.
No passado, o RN e a própria Marine Le Pen fizeram questão de defender, de forma reiterada, a lei francesa que estabelece taxativamente que «os acusados de desvios de fundos públicos devem ser proibidos de voltar a concorrer a cargos públicos». «Inelegibilidade toda a vida» foi mesmo o slogan utilizado pela líder do «Rassemblement National» para defender esta medida legal.
Porém, após a sentença do Tribunal de Paris a posição defendida por Le Pen passou a ser radicalmente oposta – vitimização pessoal e politização da Justiça – como bem salientou Lux Rouban, diretor du CNRS e investigador em Sciences Po -Paris: «Marine Le Pen vai ceder à tentação, como já fez no passado, de se apresentar como uma vítima de uma cabala política através de um instrumento judicial. Na sua forma de se expressar veremos o argumento Trumpista de que os juízes estão a tentar governar.»
Dito isto, importa compreender quais são as verdadeiras razões que se escondem por detrás desta indiscutível contradição do discurso político de Marine Le Pen e do seu partido, fenómeno que, infelizmente é extensível aos representantes de outras áreas partidárias da classe política francesa.
A meu ver, a principal razão subjacente a esta contradição do discurso político em França tem a ver com o comportamento da classe política face ao cumprimento das leis por ela aprovadas, tanto no Parlamento como no Governo.
Efetivamente, será caso para dizer que, sempre que as sentenças dos Tribunais não conflituam com os interesses pessoais ou políticos do partido a que pertencem, os representantes da classe política francesa respeitam essas decisões judiciais. Pelo contrário, quando isso não acontece, os representantes da classe política acusam os Tribunais de cabala política ou até de estarem a tentar governar o país.
Foi precisamente por causa desta incongruência da classe política francesa e pelo receio dos diferentes partidos de, um dia quem sabe, verem estilhaçados os seus «tellhados de vidro», ou por temerem manifestações violentas de protesto nas ruas, que um certo número de atores políticos, provenientes designadamente de áreas partidárias distintas do «Rassemblement National», sairam a terreiro para se pronunciarem contra a sentença atrás citada do Tribunal de Paris.
A propósito de «telhados de vidro», importa referir que este ataque à Justiça veio, por exemplo, do partido da extrema-esquerda «France Insoumise» e foi veiculado pela voz do seu presidente Jean-Luc Mélanchon que, mal tomou conhecimento da sentença judicial de 31 de Março, se mostrou, quem diria, solidário com a adversária da extrema-direita Marine Le Pen, acusando ferozmente a Justiça de politização. «Et pour cause»… como dizem os franceses, não terá sido por razões meramente ideológicas que Jean-Luc Mélanchon agiu desta forma, porquanto também se veio a saber pelos media que alguns membros do seu partido tinha incorrido, tal como o RN, na mesma prática criminosa pela qual o Tribunal de Paris acaba de sancionar Marine Le Pen, ou seja, no desvio ilegal dos fundos públicos do Parlamento Europeu para financiar os quadros políticos do partido «France Insoumise».
Por outro lado, também alguns partidos do centro político de França se mostraram reticentes quanto à atuação do Tribunal neste caso judicial. Quando as acusações contra Le Pen foram inicialmente conhecidas, Gérald Darmanin, figura destacada do macronismo, afirmou que «o combate à senhora Le Pen se faz nas urnas» e não nos tribunais: «Não tenhamos medo da democracia e evitemos aumentar o fosso entre as “elites” e a grande maioria dos nossos concidadãos», escreveu Darmanin no X nessa altura, ainda em novembro de 2024. Desde então, Gérald Darmanin, atual ministro da Justiça, tem, até agora, permanecido em silêncio.
Aliás, esta pode bem ser também a opinião prevalecente dentro do atual governo de coligação francês. De facto, uma fonte próxima do atual primeiro-ministro afirmou recentemente ao jornal «Le Figaro» que François Bayrou teme as «repercussões políticas» de uma condenação deste tipo, quando disse: «Se Marine Le Pen não puder concorrer, há um risco de protesto popular.»
Por outras palavras, estes partidos do centro político francês temem que a popularidade do RN poderá disparar e que a reação de descontentamento popular com o chamado «sistema» poderá vir a cristalizar-se entre grande parte do eleitorado francês.
«Esta decisão do Tribunal pode reforçar as suspeitas de politização da Justiça, como vimos nos casos de Silvio Berlusconi na Itália ou de Donald Trump nos Estados Unidos», resumiu ao Le Point o cientista político Jean-Yves Dormagen, acrescentando: «Uma dinâmica destas deve ser levada a sério, porque pode acelerar uma certa deslegitimação do Estado de Direito.»
Nestes termos, não será para admirar que já haja quem tenha começado a falar de uma espécie de «Trumpificação» da próxima campanha eleitoral para a Presidência da República em França.
Em conclusão
Para lá das insustentáveis contradições do discurso político da classe política francesa, dos «telhados de vidro» e dos receios sobre eventuais manifestações de protesto nas ruas patenteados por diferentes partidos políticos franceses, importa colocar a verdadeira questão de fundo subjacente a esta polémica gaulesa:
1 – Para que servem as leis em França?
Para que servem as leis deste país, quando o comportamento da classe política francesa subordina aos seus interesses pessoais ou políticos o cumprimento das leis que os representantes da própria classe política aprovaram no Parlamento ou no Governo? Será que as leis francesas foram feitas para cumprir ou, pelo contrário, para acatar apenas quando isso convém aos partidos políticos em causa?
2 – Qual é o verdadeiro papel dos Tribunais?
Não será perigoso para a democracia francesa defender a falsa tese de que os Tribunais «estão a fazer política» quando é certo que os Tribunais se limitam a decidir sobre os casos concretos de incumprimento das leis que a própria classe política tinha aprovado?
Respondo de forma afirmativa. E concluo dizendo que os partidos políticos franceses e os seus dirigentes – de direita, de centro e de esquerda – devem refletir seriamente sobre as responsabilidades políticas que lhes cabem quando fecham deliberadamente os olhos a um dos valores primordiais do sistema democrático que é o Estado de Direito e esquecem o sagrado princípio constitucional da separação de poderes dos três órgãos de soberania, que é timbre de qualquer democracia – o Executivo, o Legislativo e o Judicial.
Por outras palavras. Não há democracia digna desse nome quando os representantes da sua da classe política se furtam deliberadamente ao rigoroso cumprimento das leis do seu país.
Bruxelas, 3 de Abril
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«Portugal e o Futuro», opinião de Aurélio Crespo
(Cronista/Opinador no Capeia Arraiana desde Julho de 2020)
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