O dia era de uma opacidade enegrecida que viria a desfazer-se em água, logo pelo início da tarde. O café da aldeia, apinhado após o almoço, prometia manter-se lotado o resto do dia. Dir-se-ia que a chuva, limitando afazeres, dilatava o tempo. E, acossado pelo pé de água e pelo vento, entrou o Zé Oteiro no café da aldeia…

O dia era de uma opacidade enegrecida que viria a desfazer-se em água, logo pelo início da tarde. O café da aldeia, apinhado após o almoço, prometia manter-se lotado o resto do dia. Dir-se-ia que a chuva, limitando afazeres, dilatava o tempo.
De repente abriu-se a porta e, acossado pelo pé de água e pelo vento, entrou o Zé Oteiro. Sacudiu freneticamente a capa e questionou o temporal. Afinal já era primavera e não cessavam ventanias nem zamborradas:
– Será que o São Pedro se esqueceu de virar a página do calendário?!
Pediu uma bica e, como se obrigado a clarificar qualquer coisa, esclareceu:
– Sim, uma bica na minha vez, se faz favor. Vocês sabem lá?!
Principiou, então, o relato do que havia sucedido numa recente ida à cidade. Com um tempo basto em bátegas, nada se poderia fazer no campo, razão pela qual havia decidido tratar de outros assuntos.
Após curtos instantes, em que parecia organizar o pensamento, relatou que tinha entrado num café de balcão corrido, que havia mais de uma dúzia de criaturas de pé e à espera, que seriam por volta das duas da tarde e que, muito provavelmente, todos teriam pressa.
Suspendeu por instantes a exposição para respirar fundo e prosseguir reportando que a empregada se esfalfava para servir cada um na sua vez quando entrou um emproado de passada pesada tossindo arrogância.
De repente, decidiu macaquear o protagonista do caso e gesticulando a gritar tentou pessoalizá-lo:
– Ponha-me aqui um café. Despache-se lá, se faz favor, que eu tenho mais que fazer!
Continuou, o Zé Oteiro:
– A rapariga estremeceu, corou mas cedeu.
O servilismo da funcionária acabou por afetar o nosso relator que regressou à história para revelar que todos os clientes fingiram não ver nem ouvir o pedante e que continuaram pacificamente à espera. Mas ele não:
– Aí comigo não. Isso não!
Nervoso, incapaz de permanecer sentado, levantou-se da cadeira, mimicou e desatou a berrar como se o prevaricador estivesse à sua frente:
– Seu grandíssimo espertalhão! Se está com pressa, entenda-se lá você com a sua própria diarreia.
E continuou asseverando:
– O gajo, sem resposta, engasgou-se. Pôs umas moedas no balcão e saiu.
Posto isto, voltou a sentar-se e susteve, de novo, a palestra por segundos. Na verdade o caso tinha-o incomodado. Faltava, agora, o acerto com a funcionária. E não deixou de o fazer. Levantou-se para melhor poder explicar:
– No final voltei-me para a rapariga do balcão e disse-lhe que deveria ser mais afoita e fazer frente aos cagarolas. Eles só são fortes com a fraqueza dos outros e assim se viu a coragem deste rufia bazofeiro.
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«Terras do Jarmelo», crónica de Fernando Capelo
(Cronista no Capeia Arraiana desde Maio de 2011)
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