Ekrem İmamoğlu é um político filiado ao Partido Republicano do Povo (CHP) fundado por Kemal Atatürk que se tornou uma ameaça à hegemonia política do presidente da Turquia, Recep Erdogan, que já dura há mais de duas décadas. Ekrem İmamoğlu foi eleito em Março de 2019 para o cargo de presidente da Câmara de Istambul, foi reeleito em 2024 e desempenhou este cargo importante político até 19 de Março, data em que foi preso pela polícia do regime de Erdogan por razões ainda mal esclarecidas.

A vida de İmamoğlu antes da política
Antes de entrar para a política, Ekrem İmamoğlu teve outras experiências profissionais. Nascido em 1970 no norte da Turquia, em Trabzon, na costa do Mar Negro, o principal opositor ao regime de Erdogan teve uma infância feliz, que o próprio descreveu à Reuters «rodeada de natureza, de mar e de pedras da calçada».
Chegado ao ensino superior, Ekrem İmamoğlu teve a oportunidade de estudar na região turca do Norte de Chipre sendo que, nessa altura, a ilha de Chipre já estava dividida em duas zonas – uma zona grega (a República de Chipre, que faz parte integrante da União Europeia) e uma zona turca – a chamada «República Turca do Chipre do Norte», que proclamou a independência nos anos 80 com o apoio de Ancara e na sequência de uma invasão turca. Hoje em dia, a «República Turca do Chipre do Norte» apenas é reconhecida pela Turquia.
A família mudou-se em seguida para Istambul onde Ekrem İmamoğlu decidiu ir viver com os pais, tendo completado Estudos de Gestão nessa cidade, onde se licenciou e tirou um Mestrado em Gestão de Empresas. Quando terminou os estudos em 1994, entrou para o ramo da construção e trabalhou na empresa familiar Imamoglu Insaat, ao mesmo tempo que geria um restaurante em Istambul. Em 2002, teve uma nova experiência ao integrar a Sociedade Anónima Desportiva (SAD) da equipa de futebol da sua terra natal – o Trabzonspor – um dos clubes mais populares na Turquia.
A carreira política de İmamoğlu
Embora tivesse crescido num meio bastante politizado (o seu pai, Hasan İmamoğlu, foi um dos fundadores do Partido da Pátria, que ideologicamente se identificava com o centro-direita) a política ativa só entrou verdadeiramente na vida de Ekrem İmamoğlu em 2008, quando já tinha 37 anos. Apesar do meio conservador de que provinha, Ekrem İmamoğlu decidiu ingressar no Partido Republicano do Povo (CHP), de centro-esquerda, identificando-se, assim, como um social-democrata.
Seis anos depois de entrar no CHP, Ekrem İmamoğlu teve o seu primeiro desafio político: candidatar-se para liderar a localidade de Beylikduzu pertencente à area metropolitana de Istambul. Venceu essas eleições em 2014 e ficou conhecido pela forma próxima e tolerante como governava. O seu estilo não passou despercebido a Kemal Kılıçdaroğlu, líder do Partido Republicano do Povo e candidato presidencial em 2023 que o escolheu para se candidatar em 2019 à Presidência da Câmara de Istambul, apesar de ser praticamente um desconhecido.
Ekrem İmamoğlu venceu as eleições municipais de Istambul por duas vezes em 2019 e foi reeleito em 2024. E, até à sua detenção em 19 e Março, exerceu o cargo de Presidente da Câmara de Istambul que entre 1994 e 1998 tinha sido igualmente ocupado por Recep Erdogan antes de ter sido eleito Presidente da Turquia. Entretanto, seguindo as pisadas de Erdogan, İmamoğlu pretende também candidatar-se à Presidência da República turca em 2028.
Efetivamente, Ekrem İmamoğlu, atualmente com 53 anos é geralmente considerado como o político que tem mais hipóteses para terminar com a hegemonia do Partido da Justiça e Desenvolvimento (AKP, sigla em turco) liderado por Recep Erdoğan.
E a verdade é que, apesar da sua detenção atrás citada, Ekrem İmamoğlu foi eleito no passado fim de semana nas «primárias» levadas a cabo pelo Partido Republicano do Povo (CHP) como seu candidato às eleições presidenciais de 2028.
Logo que recebeu este voto de confiança, o autarca de Istambul prometeu não desistir, apesar de se encontrar preso: «O meu pulso é forte e não o vão conseguir torcer. Não vou recuar nem um milímetro. Vou ganhar esta guerra», declarou numa mensagem transmitida em 23 de Março pelos seus advogados de defesa.
Com efeito, Ekrem İmamoğlu está a enfrentar um regime autoritário que não tolera qualquer tipo de contestação ou dissidência e que, apesar de se dizer democrático, na prática não respeita as liberdades políticas formalmente proclamadas na Constituição da Turquia. No entanto, İmamoğlu tem contado com um apoio esmagador de muitos milhares de pessoas que têm saído diariamente às ruas de Istambul, de Ancara, de Esmirna e de outras grandes cidades da Turquia para protestar contra a sua detenção que consideram arbitrária, sujeitando-se às medidas repressivas das polícias do regime de Erdogan que, até ao momento, já prenderam mais de 1400 manifestantes, entre os quais alguns jornalistas.
Dito isto, quais terão sido afinal as verdadeiras razões que levaram à prisão de İmamoğlu?
Quando, em Março de 2019, concorreu às eleições municipais para a Câmara de Istambul, Ekrem İmamoğlu era, como já se disse, um homem político pouco conhecido para a maioria dos turcos. E por isso a sua vitória tangencial (por 13.000 votos) nessas eleições foi uma surpresa não só por ter um perfil pouco mediático, como também porque Istambul – a maior cidade da Turquia e que é uma metrópole com 15 milhões de habitantes – era, nessa data, um forte bastião do partido de Erdogan – o AKP.
Por isso, claramente irritado com este mau resultado eleitoral do seu partido, o presidente Recep Erdogan forçou a repetição das eleições, esperando reverter a situação num segundo ato eleitoral em Junho de 2019. Porém, essa reversão não aconteceu. Pelo contrário, Ekrem İmamoğlu melhorou a sua vitória nas urnas com uma diferença substancial em relação ao candidato do AKP por mais de 800 mil votos. Depois disso, o partido de Recep Erdogan não voltou a recuperar. E, nas eleições municipais de Istambul em 2024, Ekrem İmamoğlu foi reeleito Presidente da Câmara com um milhão de votos a mais do que o nome indicado pelo AKP.
Ora, estas três vitórias consecutivas na maior cidade da Turquia levaram a que Ekrem İmamoğlu ganhasse um notável capital político, transformando-se no principal opositor ao regime de Erdogan, cativando muitos eleitores de centro e alargando a base eleitoral do seu partido – o CHP.

O estilo «calmo e eloquente» de Ekrem İmamoğlu
Para isso, contribuiu, num ambiente fortemente polarizado, também a sua estratégia política contrária à «linguagem da raiva» usada pelo regime autoritário de Erdogan. Em vez de exaltar e de usar a estratégia de «nós contra eles», Ekrem İmamoğlu preferiu a moderação política. O eleitorado passou, deste modo, a ver o Presidente da Câmara de Istambul como um homem político «calmo e eloquente» e «capaz de dar esperança a uma população deprimida pelo discurso agressivo» dos políticos do regime, como a seu tempo escreveu o jornal Le Monde.
Para além deste discurso apaziguador, outra virtude de Ekrem İmamoğlu consistiu em ter sabido cativar vários grupos religiosos e sociais da Turquia. Com o seu estilo unificador e pacificador, conseguiu cativar grupos étnicos como os curdos ou os alauítas, importantes minorias cujo sentido de voto teve no passado e continuará a ter no futuro um impacto importante nos resultados eleitorais do país. Simultaneamente, a sua passagem pelo mundo dos negócios e da construção concedeu-lhe credibilidade e contactos importantes.
Pelas razões que precedem, İmamoğlu passou a ser considerado o «candidato perfeito» para derrotar Recep Erdogan em próximas eleições presidenciais .
Em declarações recentemente prestadas à Associated Press, Berk Esen, cientista político na Universidade Sabanci de Istambul, assinalou que «Ekrem İmamoğlu vem de um meio conservador, tem um background sunita, uma esposa carismática e uma rede densa de contactos e que estes fatores foram fundamentais para as suas vitórias nas eleições municipais em Istambul. E podem igualmente alavancar a sua candidatura presidencial em 2028».
Pelas razões que precedem, o regime de Recep Erdogan tudo tem feito no sentido de impedir uma derrota nas próximas eleições presidenciais idêntica àquela que ocorreu nas três últimas eleições municipais de Istambul. Ainda que não seja claro se Erdogan irá recandidatar-se à Presidência da República (uma vez que já atingiu o total dos mandatos previstos para o efeito pela Constituição) o partido de Erdogan (AKP) pretende a todo o custo manter-se como a força dominante do sistema político que tem vigorado nas duas últimas duas décadas na Turquia.
Efetivamente, antes da detenção atrás referida, Recep Erdogan já tinha enviado «um aviso» a Ekrem İmamoğlu, de modo a dissuadi-lo de avançar para a Presidência da Turquia. Fê-lo, instrumentalizando uma Universidade de Istambul que a 18 de Março decidiu anular os diplomas que comprovavam a sua licenciatura em Gestão baseando-se para o efeito numa alegada «falsificação de documentos oficiais». Ora, a comprovar-se esta alegada irregularidade, isto seria suficiente para impossibilitar a candidatura de Ekrem İmamoğlu à Presidência da República, uma vez que, de acordo com a Constituição turca, quem concorre ao cargo de Presidente da República deve possuir um diploma do ensino superior.
Mas, como se isto não bastasse, 24 horas depois desse «aviso», o Presidente da Câmara de Istambul foi, como se disse, detido pela polícia com base em «alegadas suspeições de terrorismo, de corrupção e de cumplicidade com os interesses da chamada questão curda na Turquia».
E assim, com esta ação-relâmpago, Recep Erdogan resolveu pura e simplesmente «cortar o mal pela raiz» e inviabilizar a candidatura deste seu principal opositor às presidenciais de 2028. «Erdoğan tinha a esperança de que poderia desacelerar, se não dificultar, as chances de candidatura de İmamoğlu». E, quando o CHP anunciou a realização de eleições primárias no partido, tornou-se claro que İmamoğlu poderia ser o seu candidato às próximas eleições presidenciais. «Por isso Erdoğan agiu rapidamente», concluiu o já citado cientista político Berk Esen.
O perfil ideológico de İmamoğlu
O partido CHP a que pertence Ekrem İmamoğlu sempre se assumiu como um partido secular, tendo como base os ideais de Kemal Atatürk, o herói da construção da Turquia como nação moderna. Mas nem por isso İmamoğlu tem deixado de procurar visar o eleitorado turco mais conservador que normalmente vota no partido de Erdogan – o AKP. Assim, não se estranhará que a perceção pública de İmamoğlu seja, de um modo geral, bastante positiva entre o eleitorado.
«Ekrem İmamoğlu é um social-democrata pró-europeu. Mas, como provem de uma família de centro-direita, também está familiarizado com o que pensam os eleitores de direita e qual é o seu mundo cultural», escreveu o professor na Kent University de Istambul, Banu Örmeci, num artigo na revista académica «Politika Akademisi».
Enquanto autarca de Istambul, as principais bandeiras de Ekrem İmamoğlu foram a luta contra a corrupção e a melhoria das condições de vida da população de Istambul, e em geral da própria Turquia que enfrenta neste momento uma grave crise económica.
Porém, como assinala Banu Örmeci, há várias questões de política interna às quais este opositor ao regime de Erdogan não deu até hoje uma resposta concreta. «Ele responde a todas as questões de uma forma gentil e civilizada. Mas as suas visões quanto a alguns problemas mais prementes da Turquia, como a questão curda ou o problema do Chipre, ainda são desconhecidas», nota o professor universitário atrás citado.
Sendo, como vários analistas afirmam, o «candidato perfeito» para concorrer às eleições presidenciais de 2028 e para derrotar Recep Erdoğan, a verdade é que Ekrem İmamoğlu também não definiu claramente o seu posicionamento em vários assuntos, no que diz respeito à política externa da Turquia. Houve, ainda assim, uma questão importante em que tomou posição e que provocou fortes reações por parte dos seus opositores políticos: a guerra na Faixa de Gaza. De facto, numa entrevista à CNN Internacional, no início de 2024, Ekrem İmamoğlu declarou que o «Hamas cometeu claramente um ataque em Israel». «Estamos profundamente tristes por isso e qualquer estrutura organizada que perpetre ataques terroristas e mate pessoas em massa é considerado para nós uma organização terrorista. Infelizmente, a mesma coisa está a acontecer a palestinianos inocentes. Eu apelo para que a oposição brutal dos palestinianos cesse imediatamente».
Estas declarações motivaram acerbas críticas, principalmente vindas do partido de Recep Erdoğan que tem apoiado o Hamas e é bastante próximo do grupo islâmico da «Irmandade Muçulmana». Não é de estranhar, portanto, que o regime de Erdogan o tenha acusado, embora sem razão aparente, de «ignorar o sofrimento dos palestinianos».
Como quer que seja, segundo alguns analistas, as referidas declarações de Ekren İmamoğlu terão sido um ensaio para se posicionar enquanto futuro candidato presidencial.
Dito isto, Ekren İmamoğlu, que pelas razões acima descritas continua a ser percepcionado por muitos milhões de eleitores como o melhor candidato para uma alternância política na Turquia, vai ter, nas condições extremamente precárias em que agora se encontra por força da sua detenção, um caminho extremamente difícil para chegar eventualmente à Presidência da Turquia em 2028.
Efetivamente, Recep Erdogan nunca esqueceu a humilhação que sofreu nas eleições municipais de 2019 e de 2024 em Istambul acima descritas. Por isso, o autoritário Presidente da Turquia a quem, em voz baixa, muitos turcos têm por hábito chamar «Sultão»… não hesitará em tomar todas as medidas – legítimas ou ilegítimas – que se mostrem indispensáveis para evitar sofrer uma derrota nas eleições presidenciais de 2028, ou seja, para evitar o fim do seu autocrático poder pessoal.
Na realidade, após a eleição de Erdogan como Presidente da República em 2014, a vida política na Turquia tem-se transformado gradualmente naquilo a que alguém já chamou com apurado sentido de humor uma «democradura», i.e. uma «democracia com ar de ditadura», ou seja, transformou-se num regime autoritário imposto ao povo turco à custa de alegadas tentativas de «golpes de Estado» prontamente reprimidos pelo governo de Erdogan, bem como à custa da progressiva destruição dos «checks and balances» que caracterizam a chamada separação dos poderes – executivo, legislativo e judicial – de qualquer democracia digna desse nome.
Até quando? Eis uma questão a que só os cidadãos da Turquia poderão responder.
Bruxelas, 26 de Março
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«Portugal e o Futuro», opinião de Aurélio Crespo
(Cronista/Opinador no Capeia Arraiana desde Julho de 2020)
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