Estava tanto frio, naquele dia! Não era o frio da neve, era frio de geada e vento. O tanque tinha uma camada de «caramelo» sobre a água que a Alice não conseguiu quebrar de forma alguma, nem à pedrada. Foi ver do cano que despejava água para o tanque mas nem gota deitava. Com as mãos cheias de frieiras e doridas, Alice estava a entrar em desespero. Temia deixar as lágrimas escorrer de dor e frio não fossem elas congelarem também.

Foi assim que a encontrou o Bernardo, quando vinha da corte, de ordenhar e tratar das ovelhas e dos borregos recém-nascidos. Há muito que olhava para a Alice com uma ternura especial. A garota tão novinha e já tomava conta dos irmãos como se fosse uma mulherzinha .
Com o bastão que lhe apoiava o cansaço das pernas nas subidas, descidas e no ficar quedo enquanto as ovelhas raspavam as ervas, deu duas ou três fortes bordoadas e quebrou o «caramelo» que cobria o tanque.
Ela sorriu-lhe com verdadeira gratidão. E ele sentiu-se um verdadeiro herói. Já se esquecera que tinha de levar o ferrado do leite para a sua mãe preparar a coelhada para o queijo. Ali se quedou em alegre paleio.
A Alice esquecera o frio e a dor das frieiras. Foi um instante enquanto ensaboou a roupa. Depois esfregou-a e voltou a ensaboar para a estender a corar ao mesmo tempo que conversavam e riam, como se todo o desconforto tivesse desaparecido.
Trabalho feito, o Bernardo pegou na bilha do leite e no cajado e a Alice apanhou e dobrou a roupa para a bacia de esmalte que pôs à cabeça. Ambos, lado a lado, a caminho das suas casas, foram descendo em passos vagarosos como se tivessem todo o tempo do mundo só para eles.
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«Gentes e lugares do meu antanho», crónica de Georgina Ferro
(Cronista no Capeia Arraiana desde Novembro de 2020)
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