:: :: 2000 (1) :: :: O simbólico ano de 2000 chegara. Sines foi o ponto de partida para um ano intenso com regresso a Somiedo e aos Vales del Oso. E … mais um regresso ao Gerês!

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2000
(primeira parte)
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2000… e estamos nos Valles del Oso
08.04.2000 | O simbólico ano 2000 chegara. Novos tempos se avizinhavam. No Carnaval, o parque de campismo da Costa da Galé, próximo de Sines, recebeu-nos na caravana por cinco dias, de 4 a 8 de Março. Na escola, as turmas que tinham ido ao Gerês em Março de 99 estavam agora no 11.º ano. E não havia eu entretanto descoberto a minha terceira «terra natal»? Era obrigatório levar os alunos ao paraíso natural de Somiedo!
Assim, de 8 a 14 de Abril de 2000, com os meus alunos de Ciências e os alunos de Humanísticas do já habitual outro casal de professores destas «andanças» passámos uma semana no paraíso.
A todos os níveis, esta foi realmente uma semana especial ou não fossem Somiedo e os Valles del Oso do sudoeste asturiano um paraíso especial! Com base no Albergue de juventude que tinha descoberto em Teverga no verão de 99, o primeiro destino eram precisamente aqueles vales. Entrámos nas Astúrias na já nossa bem conhecida auto-estrada A66, a autopista del Huerna. Por Pola de Lena e pelo Puerto da Cobertoria a sensação de todos era verdadeiramente a de estarmos a entrar num paraíso perdido e chuvoso. Aliás estes dias foram muito marcados pela chuva e não só, como veremos. Passámos Santa Marina e Bárzana de Quirós, onde voltaríamos no dia seguinte, e com quase 800 quilómetros feitos desde Lisboa, chegámos ao Albergue San Martín, em San Martín de Teverga.
Ainda nesse mesmo primeiro dia, à noite, a direcção do Albergue faria uma apresentação das Astúrias e das actividades que íamos realizar nos dois dias seguintes. Não conhecendo eu parte do que íamos fazer, seria a própria guia do Albergue a acompanhar-nos. E assim, o primeiro dia no paraíso era logo destinado a uma «primeira aventura»: o circuito ciclista da «Senda del Oso», numa extensão de quase 30 quilómetros. As férias de 1999 tinham-me revelado aquele velho trilho mineiro, excelentemente transformado em trilho pedestre e ciclista. As bicicletas tinham igualmente sido contratadas com o Albergue. E pouco passava das nove da manhã era dada a partida! Os poucos não ciclistas do grupo partiam igualmente, a pé, para um troço mais curto. E assim, ao longo do desfiladeiro de Teverga, ou de Peñas Juntas, por vezes atravessando túneis escavados nas paredes rochosas que ladeiam o rio Trubia, lá fomos avançando na Senda, sem dificuldades, já que o percurso é suavemente descendente em toda a sua extensão. Próximo de Proaza, fizemos uma «visita» às já nessa altura «famosas ursas Paca e Tola», duas ursas que ficaram órfãs de uma mãe abatida selvaticamente por caçadores furtivos e que foram recolhidas pela Fundación Oso de Asturias. Passaram a viver num cercado ali construído para o efeito, junto à Senda e próximo da Casa del Oso, numa semi-liberdade onde podem ser alimentadas e vigiadas e servir de símbolos vivos da preservação da espécie na cordilheira cantábrica.
Passada Proaza e Villanueva, a Senda del Oso termina em Tuñón, junto a um urso de pedra que assinala a reconversão da linha mineira. Aí invertemos portanto o sentido, regressando a Villanueva, onde o autocarro nos recolheu, reunificando-se o grupo e onde almoçámos. Este almoço e o regresso a Teverga ficaram assinalados por um «episódio histórico»! Eu e um aluno tínhamos capas de chuva iguais. Ao almoço, tendo parado a chuva, obviamente tirámo-las. No regresso a Teverga o «pobre» dá por falta da carteira, onde além de todo o dinheiro tinha todos os documentos. «Eu caí da bicicleta naquele sítio», dizia ele; e lá fomos ver se víamos uma carteira caída no local indicado mas nada. Triste e inconformado regressámos. Eis senão quando eu meto a mão ao bolso da minha capa (ou da que supunha ser minha) e encontro uma carteira que não conhecia e que não era minha!!! Eis a história, portanto de quando um professor «roubou» a carteira a um aluno!
Ao final da tarde, seguia-se a visita ao Museu Etnográfico de Quirós, em Bárzana. E que Museu! Que bela preservação e, diria mesmo, que amor ali transparece pela cultura e pelas tradições daqueles vales perdidos no sudoeste do paraíso asturiano! Mas, em terras de Quirós, o dia 9 de Abril iria acabar com horas mágicas, vividas na «Taberna Folk» da pequena aldeia de Santa Marina de Quirós! Quando da preparação desta actividade, encontrei publicidade a esta «Taberna», que realizava pontualmente, para grupos, umas «noites folk». Ora, que melhor forma de conciliar a minha paixão pela música tradicional com uns momentos de divulgação, àqueles alunos, de uma outra vertente das vivências culturais e etnográficas das Astúrias? O que ali vivemos foi portanto uma verdadeira «espicha asturiana», ou seja uma festa que é, ao mesmo tempo, um jantar típico e um concerto ao sabor da sidra! O ritual da sidra e a «espicha» fazem parte, sem dúvida, do património cultural asturiano! Da componente musical encarregou-se o grupo Dubram, na altura com alguma relevância no panorama folk asturiano. Dele faziam parte, entre outros, Alberto Ablanedo e Dolfu R. Fernández. E tocaram, cantaram e encantaram todo o nosso grupo. Outras vivências, numa festa de alegria e juventude, uma outra forma de aprender e de viver a cultura. É claro que, tratando-se de alunos, a sidra foi devidamente «racionada»; e, pouco depois da meia noite, estávamos a regressar ao Albergue, em San Martín de Teverga.
No dia seguinte tínhamos a primeira caminhada. Logo o nome levantava uma aura de misticismo: Ruta de Las Xanas. As xanas são ninfas da mitologia asturiana, de rara beleza, que habitam as nascentes e as torrentes de água. De longos cabelos ruivos e olhos claros, penteiam-se com belos pentes de oiro … e, nuas, encantam os rapazes jovens das aldeias, a quem prometem tesouros e encantos! Mais uma vez, tratando-se de uma caminhada que eu não conhecia, a nossa guia Margarita, do Albergue de Teverga, acompanhou-nos no autocarro até Villanueva de Sto Adriano – repetindo, portanto, o curso do Trubia – e guiou-nos ao longo daquela espectacular ruta. Trata-se de uma caminhada curta – apenas cerca de quatro quilómetros – subindo ao longo de um espectacular desfiladeiro escavado pelo rio das Xanas. Entre densa vegetação, a parte final termina num extenso prado que prenuncia a capela de San Antonio e a aldeia de Pedroveya, já no concelho de Quirós, no caminho percorrido no século XIX por San Melchor. E, em Pedroveya, o Albergue de Teverga e a nossa guia Margarita tinham reservado para nós um típico almoço camponês, na Casa Generosa de que havíamos de ficar «clientes»!
Depois do almoço havia que regressar ao vale de Sto Adriano, descendo de novo os quatro quilómetros da ruta de las Xanas. Regressados também a Teverga, houve ainda lugar a uma visita guiada à Colegiata de San Pedro. Já no Albergue, na sequência de um dia chuvoso seguir-se-ia uma espécie de lotaria, com as botas de quase todos em roleta russa, na máquina de secar roupa! Era a despedida dos Valles del Oso.
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No paraíso de Somiedo… no fim de uma semana mágica!
Após dois dias nos Valles del Oso, o périplo asturiano de 2000 ia levar-nos às terras de Somiedo. Contrariamente aos anteriores, o dia 11 de Abril amanheceu soalheiro, e saímos de Teverga para sul, em direcção ao Puerto Ventana e à «fronteira leonesa». É que na ponte de La Riera, por onde no verão de 1999 passámos na caravana nessa altura não passavam ainda autocarros.
No Puerto Ventana, a 1600 metros de altitude o avanço só foi possível atrás do limpa-neves! As panorâmicas e a sensação de comunhão com a montanha e a neve eram indescritíveis e eram também o prenúncio dos dias que estavam para vir! Por momentos em terras leonesas, do Puerto Ventana passámos ao Puerto de Somiedo – esse já bem conhecido – para em seguida descermos o espectacular vale de Somiedo. A braña de La Peral, envolta num manto branco, dava-nos as boas vindas.
Em Pola de Somiedo visitámos o Centro de Interpretação do Parque Natural. Mas não, o nosso destino não era Pola de Somiedo, nem a aldeia mítica de Valle de Lago. Durante a preparação desta actividade com alunos, tive conhecimento da existência de outro Albergue, na aldeia de Saliencia, bem no coração das montanhas de Somiedo, a quase 1200 metros de altitude. Este Albergue tinha múltiplos atractivos: a completa ruralidade do meio em que estava envolvido, o facto de ter sido adaptado a partir da antiga escola da aldeia, permitir fazer múltiplas caminhadas a partir das proximidades e ter o respectivo gerente, Roberto Menéndez, como guia de montanha, com quem contratei a grande Ruta de Los Lagos.
O objectivo era fazer o circuito dos Lagos de Saliencia, um conjunto de lagos glaciários de altitude, acima do Lago del Valle aquele que tinha ficado «encantado» em 1997 mas que se tinha deixado conquistar no verão de 99. Desceríamos para o Lago del Valle a partir dos Picos Albos, aqueles que nesse verão tinham, nitidamente chamado por mim! Após a visita a Pola de Somiedo, foi portanto para Saliencia que nos dirigimos. A estradinha, a partir do vale do rio Somiedo, também era nova para mim e dava-nos a todos a sensação de estarmos, mais uma vez a entrar no paraíso do paraíso!
Saliencia é uma daquelas a que eu chamo uma aldeia mágica. Completa ruralidade, ruas estreitas, casas de pedra e telhados de colmo, uma capela minúscula (em frente ao Albergue!), gente simples, transparecendo tradições, amor pela terra, pelo ar que se respira, pela água pura do rio Saliencia, pelas montanhas que a rodeiam. É impossível não sermos tocados pela magia daquele lugar perdido! E, uma vez chegados, rapidamente o Roberto passaria a nosso amigo. A meteorologia, essa é que teimava em não ser muito amiga ou melhor, dadas as circunstâncias até estava a ser bastante. Na televisão e no jornal, em Saliencia soubemos das inundações que estavam a ocorrer um pouco por todo o lado nas Astúrias, inclusive em locais por onde já tínhamos passado, como em Tuñon, no fim da Senda del Oso.
Mas a meteorologia ia alterar completamente os planos delineados para esta «aventura». Situando-se acima dos 1700 metros de altitude, o previsto percurso dos lagos estava completamente coberto de neve. Mais do que isso a previsão era de queda de neve durante todo o dia! Pela segunda vez, Somiedo escondia-me os seus segredos! Mas o nosso guia Roberto, experiente conhecedor de toda a zona, rapidamente nos delineou um programa alternativo. E assim, numa manhã chuvosa do dia 12 de Abril, fomos conhecer o vale do alto Pigueña, a aldeia perdida de Villar de Vildas e a maior braña de Somiedo, La Pornacal.
A partir de Saliencia, em vez de subir… descemos ao vale de Somiedo, à mítica estrada de Belmonte de Miranda, até Aguasmestas, onde subimos o curso do Pigueña, ao longo de novo vale paradisíaco, um dos últimos redutos do urso pardo em Somiedo. Passadas as aldeias de Santullano e Cores, deixámos o autocarro um pouco antes de Villar de Vildas e seguimos a pé e à chuva! Villar de Vildas é outra «aldeia mágica», onde o tempo parecia ter parado até porque a aldeia não tinha tido ainda o desenvolvimento que veio a ter quatro anos depois, ao ganhar o Prémio Príncipe de Astúrias, como «Pueblo Ejemplar».
A partir de Villar de Vildas, a nossa ruta levava-nos ao longo do curso do alto Pigueña, até à braña de La Pornacal, a 1200 metros de altitude e onde começou a nevar! O nosso guia Roberto explicava-nos tudo, os bosques do lado de lá do rio onde ainda existem ursos, as plantas carnívoras que encontrávamos no caminho, a origem vaqueira das brañas somedanas, o significado dos brasões nas portas dos teitos, tudo. Que extraordinária lição, que extraordinário professor! Obrigado, Roberto Menéndez!
Dia 13, penúltimo dia, 8 da manhã. Abrimos as janelas e está a nevar em Saliencia! E são mais momentos mágicos, numa semana mágica! As encostas verdejantes desapareceram no nevoeiro, a aldeia parece fazer parte de um conto saído da mitologia, as águas do rio Saliencia correm turbulentas. Impedidos de fazer seja o que for, cada um dá liberdade à sua imaginação, introspecção, meditação. Uns deambulam pelas ruas estreitas da aldeia, outros contemplam o correr das águas, outros recolhem-se na capela frente ao Albergue. Depois do almoço, com uma ligeira aberta dos céus, proponho subirmos a encosta da margem direita do rio, pelo caminho que nos poderia levar ao Cordal de La Mesa, a cumeada que separa terras de Saliencia das terras de Teverga. A maioria do grupo vem comigo, alguns, poucos, preferem o descanso no Albergue. Subimos então aquela encosta íngreme ao encontro da neve. Na braña das Morteras de Saliencia, a 1450 metros de altitude todos extravazámos a nossa alegria de viver, de conviver, de brincar, de comungar com aquela Natureza virgem, branca e pura!
E na última noite desta semana mágica até houve magia mesmo! O nosso anfitrião Roberto brindou-nos com um número de ilusionismo em que transformou um sumo de frutos vermelhos em cerveja!
E chegava o dia do regresso. Dia 14 de Abril, um dia sem história, ou melhor, com as muitas histórias vividas, para contar e recordar!
«Astúrias, afinal de contas um verdadeiro paraíso bem perto de nós, onde o meio rural, a neve e a natural tranquilidade tiveram um plano de destaque.» (Bruno Belchior).
«Estes dias deram-me a oportunidade de conhecer novas pessoas, tradições e locais. E só por isso tornaram-se inesquecíveis. Gostei particularmente da forma como fomos recebidos.» (Carla Pinto)
«Foi uma experiência única. Gostei particularmente do espírito em que a vivemos.» (Ana Pinto)
«Foi excelente. Que outros alunos também venham a ter a oportunidade que todos nós tivemos nesta viagem.» (Tiago Sabino).
«Soberbo… no mínimo.» (Nelson Rosário)
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E … mais um regresso ao Gerês!
Regressado havia pouco mais de uma semana das terras mágicas de Somiedo, a 25 de Abril de 2000 parto para as terras mágicas do Gerês! Aos valles del oso e a Somiedo, tinha ido com os meus alunos do 11.º ano e com turmas de Humanísticas. Mas eu estava de novo a orientar um núcleo de estágio, cujas turmas de 10.º ano também precisavam de actividades de campo! Com apenas três professores – este «carola», a sua colega e companheira e uma das duas estagiárias – 40 alunos viveram portanto os habituais quatro dias no Parque Nacional da Peneda-Gerês.
No primeiro dia, o destino habitual: Pitões das Júnias. Tal como Miguel Torga…
«Gosto de rever certas paisagens, ainda mais do que reler certos livros. São belas como eles e nunca envelhecem. O tempo não degrada a linguagem que as exprime. Pelo contrário. Enriquece-a, até, num esforço de perfeição constante que, embora involuntário, parece intencional. (…) E eu olho, olho, e não me canso de admirar uma placidez assim permanentemente movimentada (…).»
(Miguel Torga, Gerês, 3 de Agosto de 1959, Diário VIII).
Mais uma visita a Tourém, portanto, à sua fonte das solteiras, ao forno do povo, ao «alcatrão» cada vez menos derretido das ruas. Depois Pitões, a velha «Casa do Preto», as senhoras Marias e a magia da serra. No dia seguinte de manhã lá fomos ao Mosteiro e à cascata, regressando a tempo de um saboroso almoço e de uma tarde a caminho do Gerês e da velha camarata do Vidoeiro, palco mais uma vez de brincadeiras e convívio.
E o programa do dia 27 também não foi diferente: o cenário de Vilarinho da Furna e do Rio Homem, a geira romana, a explicação dos marcos miliários, da orientação no campo, o viver os sons e os silêncios, o respirar daquela Natureza agreste.
Regresso às terras mágicas do Gerês, versão ano 2000
A Portela do Homem e as piscinas naturais ficaram gravadas em mais umas dezenas de olhos jovens, que a seguir desceram ao Vidoeiro, na carrinha do Parque Nacional, para subir à Pedra Bela, à Cascata do Arado, à aldeia de Ermida. Era a 11.ª vez que levava alunos ao Gerês!…
Quarto e último dia, 28 de Abril. Como em muitas das últimas visitas ao Gerês, o regresso incluiu o almoço e uma visita ao Parque Biológico de Gaia. E ao fim da tarde estávamos em Sacavém, com mais histórias para contar. Com esta visita ao Gerês, muitos destes alunos iniciaram aqui um ciclo que, nos anos seguintes, os levaria à Cordilheira Cantábrica e à Madeira mas antes ainda voltaria aos Açores com o grupo que tinha ido a Somiedo e aos valles del oso.
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«Por fragas e pragas…», crónica e fotos (copyright) de José Carlos Callixto
(Cronista/Opinador no Capeia Arraiana)
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