A chegada da luz eléctrica ao Casteleiro (a qualquer aldeia, aliás) foi uma revolução enorme na vida de toda a gente. Os anos 50 trouxeram esse avanço e isso nenhum de nós desse tempo jamais poderá esquecer. Há dez anos decidi fixar na escrita esses dias. E hoje é altura para rememorar. Venha daí comigo: da escuridão das noites, às candeias a azeite ou a petróleo até à energia eléctrica. Bem-vindo…

Uma aldeia na escuridão. Interior das casas mal iluminado, ruas às escuras. Luz na base da queima de azeite, de petróleo e até de «carboreto» (pouco). Mas, em todo o caso, depois da luz solar se ir no horizonte, uma aldeia às escuras, como todas as outras… Mas se isso era assim e se visto daqui, dos dias de hoje, parece tão tétrico e medonho… por que razão é que, naquela altura, nada nos intimidava, e a situação nem nos parecia nada complicada: era natural, era assim mesmo. Era assim no Casteleiro e era assim no País todo. Até que lá por alturas de meados dos anos 50 (1955, se não estou em erro), é inaugurada a luz. Luz, simplesmente: corrente eléctrica – pois então. Saiba mais umas coisas sobre a luz antes dessa luz.
Anos 50 do século passado…
Creio que foi em 1955: a luz eléctrica chegava ao Casteleiro em grande estilo. Meteu Governador Civil e tudo. Um grande momento, portanto. E antes? Como se iluminavam as casas? Havia luz nas ruas à noite?
Congelação ou refrigeração de alimentos, nem pensar.
Saiba já agora que as nossas terras foram das últimas a ser beneficiadas com esta invenção de 150 anos antes. De facto, a iluminação do País concluiu-se em 1961. Isso, apesar de uma das maiores produções de electricidade se fazer na nossa região, a cargo da Hidroeléctrica do Zêzere.
A luz e suas fontes
Como se iluminavam as casas no Casteleiro: esse é o tema de hoje. Mas, de caminho, aproveito para o fazer pensar nas várias fontes de energia.
Porém, tenho de começar por um apontamento linguístico. Nota prévia sobre a fala popular da minha terra: esta semana recordei duas palavras que já não me passavam «pela frente» há séculos e quero partilhar isso aqui consigo:
– «lindrisca» e… «linguerta».
Nunca ouviu? Então registe. E qual o seu significado?
Estou a perguntar-lhe: o que significam estes dois termos?
Fica o desafio. Depois, durante a semana, coloco em comentário a este artigo o significado dos dois vocábulos. É uma forma de o desafiar à interactividade – base das páginas de «facebook» dos nossos mais jovens…
Agora, o nosso tema de hoje: a luz. A questão é: como é que, depois de o sol se pôr, as ruas e as casas eram iluminadas antes de haver luz eléctrica no Casteleiro?

Primeiras iluminações
A propósito do uso de electricidade na vida diária, há tempos lia-se no jornal «Público»:
«Sabia que o telégrafo eléctrico foi introduzido em Portugal em 1855 e que, quatro anos depois, era usado para se comunicar de Lisboa com todas as capitais de distrito? Ou que o primeiro aparecimento conhecido de iluminação pública eléctrica em Portugal foi em Lisboa, no Chiado, a 30 de Outubro de 1878? Seis candeeiros Jablochkoff davam luz ao Chiado».
Foi D. Carlos que os mandou comprar em Londres e instalou-os primeiro numa esplanada de Cascais… Ao que se sabe, a iluminação pública de Lisboa começou a sério em 1891.
Mas já no final do século XVIII tinha havido iluminação em algumas ruas de Lisboa: eram candeeiros a azeite e a coisa terá durado 10 anos – acabou por falta de dinheiro da Casa Real. Já nesse tempo era assim…
Foi por aí, por Cascais e Lisboa, que tudo começou, então. E, em meados do século XIX, Lisboa passa a ser iluminada. Na zona central, com candeeiros a gás e na periferia com candeeiros a petróleo.
Mas isso era em Lisboa. E na minha terra?

Variedade de combustíveis
Verifico que, embora mais variado, o número de fontes de energia para iluminar espaços é muito diversificado e heterogéneo no País e no resto do mundo com acesso a esse requinte.
Gás, azeite, óleos, petróleo, etc., antes da electricidade, cada terra socorria-se do que tinha. E eram usadas «máquinas» adequadas a cada combustível e a cada situação de uso. Por exemplo, tenho essa ideia desde miúdo, nas Minas da Panasqueira, seria mais provável que se usassem candeeiros que funcionavam bem no interior da terra e com base em hidrocarbonetos, enquanto no Casteleiro, a base inicial era o azeite e pouco mais. Depois é que vem o petróleo.
Encontrei a propósito informação sobre o uso de «óleos animais (e.g. azeite de peixe) e vegetais (e.g. azeite de oliveira, de purgueira), o querosene, o acetileno, e» – brincadeira do autor – «o muito neglicenciado ‘candeeiro de paróquia’ (i.e. o luar)».
Outro candeeiro com outra fonte de «energia»: o pitromax (petromax, claro) – já muito depois era abastecido com um combustível azul derivado do petróleo e tinha uma camisa incandescente. No Casteleiro, lembro-me de que havia alguns petromaxes. Davam uma luz muito forte.

O azeite
Mas, muito antes, nas casas da minha terra, o rei da iluminação era o azeite.
Azeite como fonte de luz? Sim, claro. Quem atravessou aquelas décadas de 30 e 40 e anteriores, bem se lembra. A torcida era o segredo. A candeia era a fonte da luzinha nas cozinhas. Nada mau, considerando que a alternativa era bastar-se com a luzinha saída dos paus e cavacos em chama no lume de ramos de pinho e lenha de carvalho, primavera ou castanheiro. Nalguns casos, também lenha das cepas das vides. Em casa havia várias fontes de luz antes de a electricidade ter chegado à aldeia.
Havia terras onde se usavam candeeiros mais simples em casa para iluminar: um simples copo com uma rodela de cortiça a boiar no azeite. A torcida que se incendiava passava pelo meio da cortiça. Não me lembro se no Casteleiro assim foi e não apurei se dantes assim pode ter sido. Mas é provável que sim: o Povo desenrasca-se por todo o lado. Assim houvesse azeite e a coisa resolvia-se…
Na igreja, eram usadas as lamparinas. Alimentadas a azeite. Umas candeias achatadas e com torcida, também.
Momentos especiais
Quanto à iluminação das ruas e praças, havia momentos em que a escuridão cedia lugar a grandes fogaréus na aldeia. De fato, em algumas noites por ano, a iluminação de certos pontos da aldeia obtinha-se de modo especial.
É o caso da noite de São João, com as fogueiras do São João a arder nos vários largos da aldeia. Nessas noites, a Praça, o Terreiro da Fonte, o Largo do Chafariz das Duas Bicas e, sobretudo, o Terreiro de São Francisco eram verdadeiros focos de luz e de alegria.
Na noite de Natal (de 24 para 25) e em algumas outras noites seguintes, claro, era o madeiro, na Praça. Esse então era um lume gigantesco (ainda maior do que o madeiro de hoje). E era a alegria pura e dura, sem parança: os miúdos com os maços, os adultos a tentarem queimar os maços da garotada… Mas, para o que hoje interessa, era uma praça muito bem iluminada e até aquecida nessas noites lingas.
Mas sei de aldeias onde o regedor ou a Igreja punham uns lampiões no largo principal e acendiam essas luzes todas as tardes ao cair da noite. Estavam acesas enquanto durava o azeite, que era o combustível utilizado nesses lampiões públicos…
Outros apontamentos
Finalizo com meia dúzia de linhas com informações diversas…
1 – O querosene, que nalguns países era muito usado nas casas, é um derivado do petróleo muito utilizado no início do século XX.
2 – Creio que era também o carboneto de hidrogénio que se usava para iluminar. Saiba também que carbeto, carbureto ou carboneto é o mesmo.
3 – No final do século XIX, Lisboa já dispunha de sete mil candeeiros a gás – que era obtido a partir da queima de carvão.
4 – Ainda sobre a utilização de electricidade, saiba que «no último quartel do século XIX deu-se o surto da produção e distribuição industrial de electricidade, que se destinava à iluminação de ruas, vias públicas, fábricas, hotéis, teatros. A tracção eléctrica nos transportes urbanos, tal como os usos na transmissão e geração de força motriz nas fábricas, apareceu na década de 1890».
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Até para a semana, à mesma hora, no mesmo local!
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«A Minha Aldeia», crónica de José Carlos Mendes
(Cronista/Opinador no Capeia Arraiana desde Janeiro de 2011)
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