Durante a conversa telefónica que teve em 18 de Março com Donald Trump sobre as negociações do cessar-fogo temporário na Ucrânia, Vladimir Putin apenas terá concordado, sob certas condições prévias, em parar os ataques da Rússia às infraestruturas energéticas ucranianas durante um período de 30 dias. Assim, a promessa de Donald Trump de acabar rapidamente com a guerra na Ucrânia parece estar muito longe de poder concretizar-se a curto prazo.

Para além de a Rússia se comprometer a não atacar as infraestruturas energéticas da Ucrânia, ficou ainda a possibilidade de um entendimento entre os EUA e a Rússia para avançarem também para um eventual cessar-fogo no Mar Negro, tendo acordado dar início a negociações técnicas para o efeito. A este respeito, o comunicado emitido pelo Kremlin após a referida chamada telefónica de 18 de Março, limitou-se no entanto a afirmar que «o Presidente russo respondeu construtivamente à ideia de Donald Trump de implementar uma iniciativa relativa à segurança da navegação no Mar Negro».
Por seu turno, depois dessa conversa telefónica, Donald Trump deu, como seria de esperar, uma versão mais otimista desta conversa na plataforma «Truth Social»: «Concordámos com um cessar-fogo imediato no setor energético e nas infraestruturas, com o entendimento de que trabalharemos rapidamente para alcançar um cessar-fogo completo e, em última instância, para terminar esta guerra horrível entre a Rússia e a Ucrânia.»
Ou seja, nesta conversa de terça-feira entre os presidentes russo e americano, apenas se assistiu a um passo muito tímido rumo a um eventual (mas a meu ver improvável) cessar-fogo na Ucrânia.
Efetivamente, Vladimir Putin não parece disposto a fazer concessões à Ucrânia, pretende alcançar os objetivos estratégicos que tinha delineado ao invadir este país em fevereiro de 2022 e quer agora contar com Donald Trump para os poder concretizar. De facto, no aludido comunicado do Kremlin, o presidente da Rússia deixou bem claro que é necessário «eliminar as causas desta crise» e assegurar os «interesses legítimos russos no campo da segurança».
Recorde-se que, em 13 de Março, Vladimir Putin já tinha alertado numa conferência de imprensa ao lado do presidente bielorrusso Alexander Lukashenko, que, embora estivesse em princípio aberto a examinar «a proposta de trégua norte-americana de 30 dias», havia, ainda assim, um conjunto de «questões sérias» que teriam de ser devidamente negociadas com os norte-americanos.
Ora, nesta conversa de terça-feira com Donald Trump, o presidente russo veio demonstrar que estas «questões sérias» continuam a estar sobre a mesa das negociações e que não se trata apenas de meras «reservas» às propostas de Washington do cessar-fogo temporário.
De facto, no comunicado do Kremlin acima referido, Vladimir Putin explicou designadamente que o lado russo «levantou uma série de pontos significativos em relação ao controlo efetivo sobre um possível cessar-fogo em toda a linha de contacto», argumentando que, num tal cenário, «não seria possível monitorizar mais de 2.400 quilómetros de linha da frente», e sinalizando, por outro lado, que existem «sérios riscos associados à inabilidade de negociar com o regime de Kiev».
Das entrelinhas do dito comunicado do Kremlin, depreende-se também que Vladimir Putin terá apresentado uma contraproposta a Donald Trump para chegar a um eventual cessar-fogo sob condições aceitáveis para a Rússia. Para tanto, o presidente russo enfatizou que a principal condição «para prevenir uma escalada do conflito e trabalhar para a sua resolução por meios políticos e diplomáticos» passa pela «cessação completa da ajuda militar estrangeira e o fim do fornecimento (pelo Ocidente) de informações confidenciais – intelligence – a Kiev».
Além disso, Vladimir Putin terá insistido na necessidade de parar a mobilização forçada na Ucrânia e o rearmamento das Forças Armadas da Ucrânia, bem como na oposição da Rússia à integração da Ucrânia na NATO e à participação de tropas europeias numa eventual futura missão de manutenção da paz, depois de um eventual cessar-fogo total na Ucrânia.
Colocando estas e outras exigências demasiado altas ao presidente dos EUA, Vladimir Putin quis, desta forma, justificar a sua recusa à proposta de cessar-fogo que lhe foi apresentada por Donald Trump. Ou seja, o «Senhor do Kremlin» quer que os EUA continuem a negociar, mas apenas nos termos que mais convêm aos interesses da Rússia.
Em concreto, o líder russo apenas deu luz verde, por conseguinte, a um cessar-fogo do setor energético, tanto na Ucrânia como na Rússia. A este propósito, o deputado ucraniano Oleksiy Goncharenko, citado pela Sky News, comentou que Vladimir Putin «escolheu o ponto mais conveniente, que é a infraestrutura energética»: «O inverno já acabou e a Rússia precisa de vender petróleo» e, acrescento eu, precisa também de abastecer convenientemente do ponto de vista energético as suas tropas que atualmente ocupam quatro províncias da Ucrânia. Por outro lado, o presidente russo pretende também utilizar esta medida de cessar-fogo para travar os sucessivos ataques dos ucranianos às refinarias de petróleo da Rússia.
No entender de Oleksiy Goncharenko e de outros analistas, Vladimir Putin quer acima de tudo arrastar as negociações e «comprar tempo após este telefonema». Esquivando-se durante pelo menos 30 dias à pressão norte-americana, «Vladimir Putin poderá agora não só progredir com a ofensiva no Donbass, como dispor do tempo necessário para expulsar as tropas ucranianas da região russa de Kursk».
De facto, a curto prazo, o objetivo imediato da Rússia passa por expulsar completamente as tropas ucranianas de Kursk. Após terem controlado a cidade de Sudzha, os militares russos ambicionam terminar a ocupação ucraniana desta província russa. Entretanto, neste interim Vladimir Putin pretende fragilizar ainda mais a Ucrânia em eventuais negociações de paz, tirando-lhe de uma vez por todas este trunfo negocial de Kursk.
Por outro lado, o líder da Rússia nunca escondeu os seus objetivos territoriais na Ucrânia, tendo anexado de jure, para além da Crimeia, as províncias ucranianas de Donetsk, Kherson, Lugansk e Zaporíjia que passaram a figurar na Constituição da Federação Russa como territórios russos. Ora, ceder estas regiões à Ucrânia ou chegar mesmo a um eventual compromisso – como a celebração de um referendo organizado por uma entidade independente nas províncias atrás citadas – são verdadeiras linhas vermelhas para Vladimir Putin. Por conseguinte, o presidente russo não vai desistir destes objetivos e tudo fará para persuadir Donald Trump a não ouvir os argumentos da Ucrânia e dos países europeus.
Em recentes declarações ao «Político», Matthew Shoemaker, ex-dirigente da CIA e especialista em segurança nacional, sublinhou que este arrastar das negociações é uma «tática soviética clássica da era da Guerra Fria». Durante o conflito entre os dois blocos, os «líderes norte-americanos resistiram frequentemente a se deixar atrair para processos de negociação prolongados, reconhecendo que estes serviam como mecanismos de paralisação para os soviéticos explorarem uma posição vantajosa».
Ora, «Trump corre o risco de cair nessa armadilha histórica, uma vez que os atrasos nas negociações por parte de Vladimir Putin podem permitir que a Rússia fortaleça sua posição militar e política, ao mesmo tempo que corroem a credibilidade e a unidade dos Estados Unidos com os seus velhos aliados do Ocidente», assinalou Matthew Shoemaker.

Outros pontos da conversa telefónica de 18 de Março
Mas para lá das questões de natureza militar e geopolítica atrás referidas, o aludido comunicado emitido pelo Kremlin informou que os presidentes da Rússia e dos EUA chegaram também a acordo para uma troca de prisioneiros, que aliás já ocorreu nesta quarta-feira. Este acordo não tem, diga-se, nada de novo. Iniciativas do género, mediadas sobretudo pelos Emirados Árabes Unidos, já aconteceram várias vezes nos últimos três anos da guerra na Ucrânia. Trata-se, portanto, de uma habilidade utilizada por Putin para agradar ao presidente norte-americano e para tentar mostrar que Moscovo adota uma «postura flexível» durante as negociações.
Outro ponto em que os dois líderes russo e americano concordaram em 18 de Março consistiu em «melhorar as relações bilaterais» entre os dois países.
A Casa Branca disse mesmo que isso permitirá celebrar «acordos económicos gigantes» e alcançar uma «estabilidade geopolítica quando a paz for alcançada».
Em contrapartida, o comunicado do Kremlin, embora menos enfático quanto às expectativas do futuro, disse que o reatar das relações entre os EUA e a Rússia pode levar ao «desenvolvimento de cooperação mutuamente benéfica na economia e no setor energético a longo prazo», acrescentando que Moscovo e Washington têm uma «responsabilidade especial» para «garantir a segurança e a estabilidade do mundo».
Enfim, o mesmo comunicado anunciou que os norte-americanos e os russos «vão continuar os esforços para um acordo ucraniano» e que vão criar «grupos de trabalho» para o efeito. «As negociações vão começar imediatamente no Médio Oriente», informou a Casa Branca, numa muito provável referência à Arábia Saudita, país que já acolheu negociações entre os norte-americanos, russos e ucranianos.
A reação do presidente ucraniano Volodymir Zelensky
Em reação a todos estes desenvolvimentos, e apesar de não ter tido qualquer influência na aludida conversa telefónica de 18 de Março, o presidente da Ucrânia saudou o «resultado positivo» de um eventual cessar-fogo energético temporário. No entanto, Volodymyr Zelensky mostrou reservas sobre se a Rússia o vai cumprir, acrescentando que precisará de falar oportunamente com Donald Trump «para perceber os detalhes». Ainda assim, o líder ucraniano demonstrou alguma frustração por Donald Trump estar a negociar diretamente com Vladimir Putin sobre o futuro da Ucrânia sem a participação da própria Ucrânia: «Há duas partes nesta guerra, a Rússia e a Ucrânia, por isso, penso que as negociações sem a Ucrânia não resultam em nada», afirmou.
Usando uma metáfora, Volodymyr Zelensky disse ainda que a Ucrânia «não é uma salada, nem um sumo» para figurar no «menu» de Vladimir Putin, apesar do «apetite russo» pelos territórios ucranianos. «É errado negociar algo sobre nós sem nós, porque não vai ter o resultado desejado para ninguém», insistiu o presidente da Ucrânia, que esteve esta terça-feira numa visita oficial à Finlândia, onde foi calorosamente acolhido pelo presidente finlandês Alexander Stubb. Durante esta visita, Volodymir Zelensky afirmou igualmente que a Rússia está a fazer tudo para «excluir a Ucrânia do processo negocial», e apesar de ter moderado as críticas em relação ao papel dos EUA neste processo, fez questão de ressalvar que as novas «relações bilaterais entre Moscovo e Washington acabarão por ter um impacto determinante na evolução das negociações em curso».
Que pensar da evolução futura das negociações do cessar-fogo?
Não custa a acreditar que Donald Trump diz a verdade quando afirma que quer a paz na Ucrânia. Mas, como sempre, a questão que se costuma colocar quando se quer resolver um problema é saber como resolvê-lo. A verdade é que Trump pretende chegar à paz rapidamente, custe o que custar, e «doa a quem doer». Quer libertar-se deste fardo da guerra na Ucrânia, satisfazer uma proclamação eleitoral, e, lá bem no âmago da sua vaidade pessoal, Trump sonhará provavelmente com a atribuição de um prémio Nobel da Paz que lhe permita olhar-se ao espelho com um sorriso narcisista de incontida autosatisfação e orgulho.
O problema é que, até agora, Donald Trump está a fracassar completamente nas negociações de paz com «o seu amigo» do Kremlin.
Provavelmente, o presidente dos EUA talvez não tenha ainda uma consciência perfeita do que significa negociar com um experimentado «responsável do KGB». Talvez não tenha ainda realizado que negociar com Putin não é o mesmo que fazer negócios imobiliários em Nova Iorque, na Florida ou na Califórnia. Basta recordar o que foram as duas décadas e meia do Senhor do Kremlin – que no seu país é tratado de «Vladimir, o Grande» – para se chegar à conclusão de que ele não gosta de fazer cedências de territórios conquistados pela força e muito menos de acordos de paz. Donald Trump não parece ter ainda percebido que os «agentes do KGB» não foram treinados para fazer acordos ou concessões, mas sim para enganar, dissimular, para arrastar as negociações, usando de permanente ambiguidade, astúcia e perfídia.
Ora, o presidente dos EUA deveria saber que este modus operandi dos «agentes do KGB» não é compatível com o processo de paz rápido que ele tanto ambiciona. Donald Trump gosta de passar o tempo a «declarar vitória» perante os seus apaniguados. Não gosta de detalhes, nem de especialistas, e acha que, mesmo neste processo de negociação com a Rússia, tudo se resume afinal a «uma boa conversa» com Putin. Aliás, não consegue disfarçar a sua simpatia por líderes autoritários e por acordos rápidos. Em suma, Donald Trump está cheio de pressa. Mas Vladimir Putin tem, como soe dizer-se, todo o tempo do mundo.
Dito isto, ainda não houve até agora entre os EUA e a Rússia uma negociação digna desse nome com vista a um verdadeiro cessar-fogo na Ucrânia.
Até agora, Vladimir Putin não cedeu coisa alguma. Limitou-se a repetir as exigências territoriais que tem feito desde que invadiu a Crimeia em 2014. Agora, quer anexar definitivamente uma parte significativa do território ucraniano (Donetsk, Kherson, Lugansk e Zaporíjia), quer uma Ucrânia neutral e desarmada, e quer instalar em Kiev um regime que lhe seja favorável. Por outras palavras, «Vladimir, o Grande» pretende transformar a Ucrânia numa segunda Bielorrússia. Não aceita uma Ucrânia soberana e independente, porque acha que a Ucrânia faz parte integrante da Rússia. Foi por isso que Putin começou a guerra. E é por isso que, no futuro, continuará essa guerra. Mais. É também por isso que não aceita ter como seu interlocutor Volodymir Zelensky à mesa das negociações de um eventual cessar-fogo na Ucrânia.
Por sua vez, também Donald Trump reduz a guerra da Ucrânia a um mero conflito territorial e a uma espécie de «caça ao tesouro» das terras raras e de outros recursos naturais deste país. Contudo, a guerra da Ucrânia reveste-se um significado bem mais alto e existencial para os ucranianos. É uma guerra sobre a soberania e a independência de um povo que quer ser senhor do seu destino. Daí que exista uma incompatibilidade radical entre os objectivos de conquista do «Senhor do Kremlin» e a vontade de independência dos patriotas da Ucrânia.
Ora, se Trump continuar a negociar o fim da guerra na perspetiva atrás descrita, não irá seguramente conseguir concluir um processo de paz na Ucrânia, nem sequer um cessar fogo.
De facto, há todas as razões para acreditar que Vladimir Putin não está a negociar «de boa fé» com Donald Trump. A prova disto é que, mesmo após a conversa telefónica de 18 de Março com o presidente americano tem continuado a bombardear sem dó nem piedade, dia após dia, tudo o que mexe na Ucrânia, incluindo as populações civis e as instalações energéticas ucranianas.
Haverá uma réstea de esperança quanto aos resultados das negociações dos «grupos de trabalho» que vão começar na próxima semana, em Riade, com vista ao eventual cessar-fogo de 30 dias na Ucrânia?
Esperamos para ver.
Bruxelas, 20 de Março
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«Portugal e o Futuro», opinião de Aurélio Crespo
(Cronista/Opinador no Capeia Arraiana desde Julho de 2020)
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