Quando eu era pequenina os dias de Março eram grandes, muito longos! E ainda não era tempo de sementeira nem de colheitas! Que faria se fossem! Mesmo assim, não eram como agora que mal começam já acabaram. Não, os dias tinham vinte e quatro horas bem esticadinhas, a contar com as noites, claro está.

As pessoas levantavam-se ao lusco-fusco e tentavam não acender a candeia ou o candeeiro fazendo primeiro o que não precisava de muita luz. É que, quer o azeite ou o petróleo, não eram para o bolso da maior parte das pessoas. Então, o lume era a primeira forma de acender e aquecer o dia. Arrimava-se-lhe a panela de ferro com água, a cafeteira para fazer o café e a trempe para poisar o pucarinho do leite.
Depois ia-se ao chafariz encher os cântaros e caldeiros, apanhavam-se mais uns cavacos e galhos do curral, abria-se a capoeira, dava-se a primeira vianda ao marrano, um braçado de feno à vaca para ser ordenhada antes de ir para o lameiro.
Quando se subiam as escaleiras já o dia clareava. Já a cafeteira fumegava à espera do pó do café de cevada, as brasas meio apagadas sob a cinza pediam mais um reforço de lenha.
Punha-se a mesa pequena junto à lareira, enchiam-se as malgas do café com leite e tomava-se o pequeno almoço num abrir e fechar de olhos. O caldeiro que pendia das cadeias já estava à espera das cascas de batatas, de uns nabos, beterrabas, beldroegas, abrótea, talos de couve. Portanto, era preciso ir correr à horta buscar, também, o que pôr na panela para o nosso almoço. Era hora, mais que tardia, de ir levar a vaca ao lameiro que se poderia por lá deixar se não saltasse o portado ou, caso contrário, ficava apeada. Também fazia falta ir com a roupa à ribeira, pô-la a corar e, entrementes, correr a casa a acabar de fazer o almoço que acabaria de apurar ao lume mortiço enquanto se vinha dar mais uma esfrega à roupa que se deixava estendida pelos galhos e arbustos.
E, mais uma vez, punha-se a mesa, comíamos, tirava-se a mesa, lavava-se a loiça, deitavam-se as sobras ao gatinho e às galinhas que corriam como se fosse a melhor guloseima do dia.
Já era preciso ir buscar a vaca, apanhar a roupa, ir ao chafariz encher os cântaros, dar novamente vianda ao marrano, ordenhar a vaca, pôr o leite ao lume a coalhar, fazer o caldo escoado para o jantar, fazer o queijo, desgranar duas ou três espigas de milho para ir dando às galinhas, fiar o linho, coser as meias rotas ou tricotar umas novas, descer as bainhas dos vestidos a ficar curtos, fazer um avental novo.
Não tardariam a toar as Trindades para rezarmos as Avé-Marias.
Acabavam-se os preparativos do jantar.
Depois do jantar a noite começava a cair. O candeeiro iluminava levemente, com a torcida pouco levantada para poupar um «poquenino» o petróleo. Mas os serões eram longos, porque havia tanto por fazer: escolher os «cornachos» ao centeio, dobar as meadas da lã, ou das tiras cortadas de farrapos e roupa já gasta, fazer malha, fiar os últimos velos de linho… e o sono fazia cabecear enquanto se rezava o terço e a ladainha.
Digam lá se aqueles dias não eram bem mais longos do que os de hoje!…
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«Gentes e lugares do meu antanho», crónica de Georgina Ferro
(Cronista no Capeia Arraiana desde Novembro de 2020)
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