Às voltas com as leituras, tropecei num livro esquecido: «Jornalistas – Pais e Filhos». Não me lembro onde o adquiri mas está a ser uma agradável surpresa. Vários jornalistas escreveram sobre os seus pais; também jornalistas. Uma iniciativa da Casa da Imprensa e da Fronteira do Caos Editores (2011). Textos de Artur Portela Filho, Bárbara Alves da Costa, Carlos Florido, Isabel Costa Silva, João Gobern, João Paulo Guerra, José Carlos Fialho, José Manuel Freitas, Magda Viana, Mário Rui de Castro, Paulo Luiz de Castro e Pedro Luiz de Castro, Miguel Correia, Miriam Alves e Oriana Alves, Nuno Moura Brás, Rui Miguel Tovar, Sérgio Veiga, Silva Pires, Sofia Rato e Vítor Serpa.

«Os jornalistas são homens e mulheres que trabalham com palavras e ideias. Nos jornais, nas rádios, nas televisões e também, mais recentemente, nos meios electrónicos – eles fazem da palavra o seu campo de batalha. Todos conhecemos obras de jornalistas, livros técnicos, romances, reportagens…
Muitos prolongam o seu trabalho, e a sua arte, para além do espaço convencional onde, diariamente, lutam com as palavras. Pretendem, em todos os casos, partilhar aquilo que a profissão e a vida lhes permitiram amealhar – a sua sabedoria. Em alguns casos, o percurso da aprendizagem nasceu no meio dos jornais e dos livros que os seus próprios pais carregavam das redacções para casa, e de casa para as redacções.
Mas dessa relação não se fala, até porque todos aprenderam, muito cedo, que o jornalista não é notícia. Foi nesse enquadramento que nasceu o desafio da Casa da Imprensa: colocar jornalistas a escrever sobre os seus pais, que também são, ou foram, jornalistas. Que dimensão ética tem na vida de um conjunto de homens e mulheres o facto de os seus pais desempenharem, ou terem desempenhado, a mesma profissão? Que ensinamentos acarretou esse aparente pormenor?» (texto da contracapa do livro «Jornalistas – pais e filhos».)
O jornal desportivo «A BOLA» está bem representada no livro. Bárbara Alves da Costa escreve sobre o pai (João Alves da Costa) e o avô (Aurélio Márcio); Miguel Correia sobre o pai Severiano Correia; Sérgio Veiga sobre o pai Carlos Miranda que foi director do jornal durante muitos anos; e Vítor Serpa igualmente sobre o pai Homero Serpa. Iniciei a leitura por estes nomes que me são mais familiares. Tantas estórias deliciosas que não conhecia… Mas também tenho curiosidade de ler os restantes textos: Artur Portela, Fernando Alves, Amadeu José de Freitas, Joaquim de Castro, Rui Tovar…
Bárbara Alves da Costa sobre o pai João Alves da Costa
«Tinha uns dois anos. Pais em pré-divórcio. O meu pai investigava dia e noite, há seis meses, material para o livro “Droga e Prostituição em Lisboa”. No caos que eram as investigações – do meu pai, claro –, demasiado ambiciosas e modernas para um país no pós-25 de Abril.
Num texto-choque, cru, de denúncia de uma turva sociedade que abandona jovens como pedaços de lixo, com corpos à venda nos passeios. O resultado foi uma ameaça de rapto. A mim. A denúncia, no livro, do nome de uma jovem, estudante colegial que se transformava numa prostituta à noite, foi um erro que lhe saiu caro. Ainda hoje o meu pai lembra esse episódio com a humildade que o caracteriza: “Foi o único erro que cometi na minha carreira!” Corria o ano de 1976. E eu, tão nova, já metida em sarilhos. Sarilhos que me deixaram sem ver o meu pai durante meses. Ele via-me, mas ao longe e dentro do carro, sem nunca se aproximar.» (Bárbara Alves da Costa, filha de João Alves da Costa).
Miguel Correia sobre o pai Severiano Correia
«A minha ligação ao jornal A BOLA existe praticamente desde o meu nascimento. Basta referir, por exemplo, que a primeira vez que apareceu uma fotografia minha nas páginas dessa brilhante publicação desportiva foi no dia 21 de Julho de 1967, ou seja, a quatro dias de eu comemorar o quarto aniversário. Estava com os meus pais no aeroporto de Lisboa. O meu pai, Severiano Correia, que embarcaria pouco depois para Salónica (Grécia), a fim de viver a sua primeira experiência no futebol helénico ao serviço do Aris, segurava-me ao colo. Estaria muito longe de imaginar que muitos anos mais tarde seria companheiro de redacção do jornalista Cruz dos Santos, que fora destacado para esse serviço.» (Miguel Correia, filho de Severiano Correia.)
Sérgio Veiga sobre o pai Carlos Miranda
(…) «Por alguns anos, o jornalismo de Carlos Miranda significou apenas um grande vazio nas tardes de domingo (A BOLA sempre foi publicada à segunda-feira), mas também a correria interesseira ao elevador a cada regresso do enviado-especial para ver se havia prenda… À medida que ia crescendo, comecei a visitá-lo na redacção – e qual é o miúdo que não adora ir ao trabalho do pai?! –, a conhecer os “monstros sagrados” d’A BOLA desses tempos e até a acompanhá-lo nalgumas reportagens.» (Sérgio Veiga, filho de Carlos Miranda.)
Vítor Serpa (o eterno director de A BOLA) sobre o seu pai Homero Serpa
(…) «A digressão do Belenenses começaria pelo Canadá e continuaria nos Estados Unidos, com presença num demorado torneio de Verão, em Nova Iorque. O meu pai partiu de manhã cedo e eu fui, com a minha mãe, despedir-me dele ao aeroporto. Estive na varanda, que havia na Portela, para ver o avião da Canadian Pacific levantar e só regressámos depois de ele ter desaparecido na lonjura dos céus.
Nessa altura, eu morava na Travessa da Memória, fronteira entre a Ajuda e Belém, e a viagem de regresso do aeroporto, em autocarro, era demorada. Tão demorada que a minha mãe, quando chegou a casa, telefonou para o aeroporto para saber se o voo estava a correr bem. Viajar de avião era ainda coisa rara e os aeroportos tinham serviços de apoio aos familiares mais angustiados. “O avião já chegou a Santa Maria”, foi o que a minha mãe ouviu, com manifesto alívio. Era ainda, e só, uma escala, mas a primeira parte tinha corrido bem.
Guardo boa parte dos postais que o meu pai enviou durante esse tempo de viagem; acompanhei a sua descrição dos arranha-céus, do Central Park, dos esquilos que andavam em liberdade. E quando o meu pai chegou, enfim, dessa longa digressão belenense que, para meu desconsolo, levaria o Yaúca para o Benfica, fiquei deslumbrado com a Bell and Howell, a máquina de filmar super 8 que trouxe dos Estados Unidos.» (Vítor Serpa, filho de Homero Serpa.)
:: :: :: :: ::
p.s. São «pinceladas breves», com a devida vénia. No caso d’«A BOLA», havia mais situações deste género (pais e filhos a escrever no jornal). Lembro apenas Leonor Pinhão (filha de Carlos Pinhão) e Rui Santos (sobrinho-filho do mítico chefe de redacção Vítor Santos). Mas não constam do livro.
:: ::
«Estas coisas da alma», crónica de Manuel Sequeira
:: ::
O meu amigo Manuel Sequeira
Conheci o Manuel Sequeira na Travessa da Queimada o legendário edifício da redação do jornal desportivo «A BOLA» no já longínquo ano de 1992. Ele na importante (à altura) secção de revisão e eu na secção de paginação e pré-impressão. Aprendi muito com ele sobre gramática e português até porque me recordo do seu rigor e perfeição na revisão dos textos jornalísticos e da paginação final antes de seguir para a «Mirandela» em Alcântara. Para os mais novos acrescento que a grande rotativa que ainda hoje existe num dos edifícios do LX Factory foi responsável durante décadas pela impressão, todas as madrugadas, do jornal «A BOLA».
Em 1999 tive o desígnio de criar «abola.pt», o site de «A BOLA» que sofreu muitas dores de nascimento numa redacção onde só importava o jornal em papel. Nas minhas funções de responsável de webdesigner e dos conteúdos de «A Bola.pt» contei com a valiosa colaboração do Manuel Sequeira que aceitou transitar «do papel para o online» como então se dizia. E nunca me arrependi. Por isso, e também por isso, é com muito orgulho que dou início hoje à rúbrica «Estas coisas da alma» do Manuel Sequeira. Bem-vindo e bem-hajas por acreditares e pela disponibilidade (mais uma vez)!
:: ::
José Carlos Lages
Leave a Reply