Numa reunião efetuada a 11 de Março na cidade saudita de Jeddah entre altos representantes dos Estados Unidos da América e da Ucrânia as duas partes concordaram em implementar um cessar-fogo de 30 dias na guerra, em finalizar o acordo da exploração das terras-raras pelos EUA e ainda que os ucranianos vão voltar a receber assistência militar e informações confidenciais por parte dos norte-americanos. Agora resta saber o que pensa a Federação Russa de tudo isto…

O desfecho desta reunião em Jeddah, na Arábia Saudita, parece ter sido positivo para a Ucrânia. Os ucranianos conseguiram, pelo menos, recuperar alguma confiança perdida de Washington. Recorde-se que, após a célebre discussão na Sala Oval a 28 de fevereiro, o presidente americano Donald Trump tinha lamentado que Volodymyr Zelensky, não estava verdadeiramente interessado na «paz». Porém, na conferência de imprensa no fim da referida reunião de Jeddah, a postura americana já foi bem diferente, conforme assinalou o Conselheiro de Segurança Nacional dos EUA, Mike Waltz, ao declarar que «a delegação ucraniana deixou bem claro que partilha a visão do Presidente Trump» e que «a Ucrânia partilha a determinação do presidente dos EUA de parar a guerra e de parar a matança».
Por outro lado, conforme declarou o Secretário de Estado dos Estados Unidos, Marco Rubio, após a reunião acima citada, «a bola está agora do lado da Rússia». Marco Rubio adiantou que os EUA vão agora «fazer uma oferta a Moscovo», que, recorde-se, tinha há dias rejeitado a proposta de cessar-fogo parcial apresentado por França e pelo Reino Unido: «Vamos dizer-lhes o que está em cima da mesa. A Ucrânia está pronta para parar os disparos e começar a falar e agora cabe-lhes a eles dizer que sim ou que não», clarificou o chefe da diplomacia norte-americana, que espera que o Kremlin diga «sim».
Mas, o que é bem mais importante, também o presidente norte-americano reiterou esta ideia. Em declarações aos jornalistas na Casa Branca, Donald Trump disse esperar um «cessar-fogo nos próximos dias», referindo que haverá uma «grande reunião com a Rússia nos próximos dias». Efetivamente, o Chefe de Estado dos EUA fez questão de colocar pressão subliminar no lado russo afirmando que são «precisos dois para dançar o tango».
Dito isto, quais foram os principais pontos do acordo de Jeddah entre a Ucrânia e os EUA?
Cessar-fogo de 30 dias a acordar com a Rússia
O comunicado conjunto entre Kiev e Washington começou por dizer que foi o lado norte-americano que propôs um «grande primeiro passo»: «Um cessar-fogo de 30 dias, prorrogável, que pare os ataques de mísseis, drones e as bombas, não só no Mar Negro, como também em toda a linha da frente.»
Esta proposta foi, assim, mais ambiciosa do que a que tuna sido apresentada pelos franceses e pelos britânicos, que contemplava apenas um cessar-fogo marítimo e aéreo.
No referido comunicado afirmou-se que a Ucrânia se compromete a «aceitar esta proposta de cessar-fogo», destacando que é um «passo positivo». «Agora cabe aos Estados Unidos convencer a Rússia a fazer o mesmo. Se a Rússia aceitar, o cessar-fogo terá lugar imediatamente», lê-se no comunicado.
Por seu turno, o Conselheiro da Presidência ucraniana, Andriy Yermak, assinalou no «X» que «a coisa mais importante é proteger os interesses da Ucrânia». «Uma paz justa é a chave para nós. E queremos uma paz duradoura.»
Também o Secretário de Estado norte-americano, Marco Rubio, fez questão de declarar que, após se alcançar um acordo de cessar-fogo entre a Ucrânia e a Rússia «vão começar negociações imediatas para terminar com a guerra». Segundo Marco Rubio, a finalidade é acabar com o conflito de «forma duradoura, sustentável e que atenda aos interesses da Ucrânia, da sua segurança e da sua capacidade para prosperar como nação».
A Rússia não deu uma resposta imediata a esta proposta de cessar-fogo. O Ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Sergey Lavrov, apenas se mostrou aberto a encetar contactos com representantes norte-americanos nos próximos dias. Em contrapartida, no comunicado conjunto assinado pelos ucranianos e pelos norte-americanos, incluiu-se a indicação expressa de que os «Estados Unidos vão comunicar à Rússia que a reciprocidade russa é a chave para alcançar a paz».
Por outro lado, o ministro dos Negócios Estrangeiros da Ucrânia, Andrii Sybiha, escreveu nas redes sociais que o acordo de princípio de cessar-fogo alcançado em Jeddah pelos representantes dos EUA e da Ucrânia «obriga a Rússia a agir». Recusando que se tratará de um «conflito congelado» o chefe da diplomacia da Ucrânia sinalizou que este é um «passo que mostra quem está realmente interessado na paz» e que irá «testar se Moscovo é ou não capaz de ser flexível» numa futura mesa de negociações.
As possíveis garantias de segurança à Ucrânia no pós-guerra
«Uma paz justa e duradoura.» Esta é a mensagem que a diplomacia da Ucrânia tem defendido como os fatores mais importantes para terminar a guerra. No entanto, para lá chegar a Ucrânia necessitará de obter garantias de segurança, que tudo indica será a Europa a assegurá-las, embora com o apoio tácito norte-americano.
Na reunião de Jeddah, segundo adiantou Volodymyr Zelensky, existem «alguns pontos-chave» que podem aportar mais clareza às negociações de um eventual futuro acordo de paz.
Sem abordar possíveis cedências territoriais – o tema mais quente de umas futuras negociações –, Zelensky preferiu focar-se nos pontos de encontro com os norte-americanos na referida reunião de Jeddah, nomeadamente as «medidas para fomentar a confiança diplomática» entre as partes do conflito.
Um desses pontos consiste na «libertação de todos os prisioneiros de guerra e detidos – quer militares, quer civis». O outro passa pelo «retorno das crianças ucranianas que foram levadas à força para a Rússia».
Independentemente do que vá acontecer no futuro, por agora os Estados Unidos comprometeram-se igualmente a retomar a ajuda militar à Ucrânia, voltando também a providenciar aos ucranianos «informações confidenciais» (em inglês, «intelligence»).
Durante as negociações atrás citadas, as delegações abordaram estes dois assuntos, revela o comunicado. Aliás, conforme declarou Volodymyr Zelensky, os norte-americanos «entendem os argumentos» da Ucrânia e estão a «considerar as propostas de Kiev». E o presidente da Ucrânia deixou mesmo um agradecimento ao presidente dos EUA: «Estou grato ao Presidente Trump pela conversa construtiva entre as nossas equipas.»
Como quer que seja, não são ainda conhecidas que tipo de cedências é que a Ucrânia poderá ter de fazer à Rússia. Contudo, os EUA deixaram claro que Kiev terá de ceder em certos pontos, embora nesta reunião de Jeddah não tenham sido tornados públicos de que pontos se trata. No comunicado conjunto, lê-se apenas que «as duas delegações concordaram em nomear as equipas negociais e iniciar imediatamente as negociações rumo a uma paz duradoura que providencie a segurança da Ucrânia a longo prazo».

O acordo da exploração das terras-raras na Ucrânia
Convém recordar que o acordo da exploração das chamadas «terras-raras» entre os EUA e a Ucrânia esteve para ser assinado a 28 de fevereiro, mas a discussão ocorrida na Sala Oval acabou, como se sabe, por derrapar e por alterar os planos iniciais.
Recorde-se igualmente que, segundo Donald Trump, esse acordo serviria à Ucrânia também como uma espécie de garantia de segurança fornecida pelos EUA. Efetivamente, de acordo com a narrativa norte-americana, o dito acordo – que prevê a exploração norte-americana de terras-raras e de outros recursos naturais em território ucraniano – inibiria os russos de invadirem novamente a Ucrânia, dado que neste caso estariam a interferir diretamente nos negócios norte-americanos neste país.
O certo é que, apesar do percalço ocorrido durante a dita reunião de 28 de fevereiro na Sala Oval, nenhuma das partes tinha atirado a toalha ao chão. Por um lado, Donald Trump pretende rentabilizar o apoio financeiro norte-americano prestado à Ucrânia nos últimos três anos. Por outro, Volodymyr Zelensky sabe que este acordo da exploração das «terras-raras» é uma importante plataforma de entendimento com a administração dos EUA que é necessário não queimar.
Segundo o comunicado conjunto de 11 de Março atrás citado, as perspetivas para este «acordo sobre as terras raras» ser assinado parecem ser elevadas. «Os Presidentes dos dois países concordaram em concluir o mais cedo possível um acordo abrangente para desenvolver os recursos minerais críticos da Ucrânia, de modo a expandir a economia da Ucrânia e garantir a prosperidade e segurança da Ucrânia a longo prazo», lê-se no documento.
O presidente ucraniano poderá assinar este acordo da exploração das terras-raras na sua futura ida à Casa Branca, conforme declarou Donald Trump a 11 de Março, tendo adiantado inclusive que vai convidar brevemente o presidente Zelensky para o efeito.
A reação dos líderes europeus
No aludido comunicado conjunto, a Ucrânia quis deixar bem explícito que a sua delegação presente na reunião de Jeddah «reiterou que os parceiros europeus devem estar envolvidos no processo de paz». Por seu turno, os EUA não se opuseram a que este parágrafo constasse do texto final do comunicado, mas sem adiantarem que papel pode desempenhar a Europa em eventuais negociações de paz.
Como quer que seja, os líderes europeus reagiram com satisfação ao resultado das negociações de Jeddah. A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, e o presidente do Conselho Europeu, António Costa, saudaram as conversas entre os EUA e a Ucrânia, incluindo a proposta para um cessar-fogo e o levantamento da suspensão da ajuda norte-americana à Ucrânia: «É um desenvolvimento positivo que pode ser um passo para uma paz abrangente, justa e duradoura para a Ucrânia. A bola está do lado da Rússia», declararam os dois líderes da União Europeia.
De igual modo, o Presidente francês Emmanuel Macron saudou o «progresso realizado nas discussões entre os EUA e a Ucrânia, em particular a ideia de um cessar-fogo de 30 dias». Os parceiros europeus continuam «comprometidos» para ajudar Kiev, garantiu Macron, e para providenciar «garantias de segurança robustas» à Ucrânia.
Também o primeiro-ministro do Reino Unido, Keir Starmer, celebrou o acordo alcançado pelos EUA e a Ucrânia que classificou como um «avanço extraordinário». «É um momento importante para a paz na Ucrânia», considerou o líder britânico. «Precisamos de redobrar os nossos esforços e ter uma paz duradoura o mais rapidamente possível», insistiu, corroborando a mensagem atrás referida dos líderes da União Europeia: «A bola está agora do lado russo.»

Reação de Putin à proposta de cessar-fogo de 30 dias
A 13 de Março, o presidente da Rússia, Vladimir Putin, anunciou que «é favorável ao cessar-fogo de 30 dias na Ucrânia» proposto pelos norte-americanos, mas ressalvou que existe uma «nuance»: a Rússia tem «muitas questões sérias» a colocar sobre o assunto. «Essas questões», sublinhou o presidente russo, «serão agora discutidas com os norte-americanos».
Vladimir Putin questiona por exemplo: «Por que motivo a Ucrânia precisa desses 30 dias de cessar-fogo? Para mobilização ou para ter armas?» e «Quem vai controlar o cessar-fogo, a frente é de dois mil quilómetros?»
Por outro lado, lembrando a sua recente visita a Kursk, Vladimir Putin salienta igualmente, que a Rússia «tem iniciativa (i.e. avanços) em quase todas as frentes» e que, portanto, faz «depender o cessar-fogo de algumas vantagens para a Rússia».
«Uma dessas vantagens», sugeriu o presidente russo, poderá consistir em «resolver» a incursão ucraniana em Kursk. Mas há outras exigências, a meu ver bem mais decisiva, que Putin fez questão de deixar claras: a não adesão da Ucrânia à NATO, a não aceitação de tropas europeias para a manutenção do eventual cessar-fogo e a anexação à Rússia dos territórios ucranianos atualmente ocupados pelas tropas russas. Ou seja, Putin coloca-se numa posição de força para negociar as condições que lhe são favoráveis com vista a um eventual futuro acordo de paz.
Por coincidência, também o presidente bielorrusso, Alexander Lukashenko, principal aliado de Moscovo nesta região do leste europeu, afirmou esta quinta-feira que a administração norte-americana de Donald Trump «não tem qualquer plano para a Ucrânia» e que «será difícil que o Kremlin aceite um cessar-fogo».
«Posso dizer com toda a certeza», sublinhou Lukashenko, que «os americanos não têm qualquer plano para o conflito na Ucrânia. Absolutamente nenhum. O que estão a fazer é testar as águas», comentou o presidente bielorrusso durante uma visita a Moscovo antes de se encontrar à porta fechada com Vladimir Putin.
Alexander Lukashenko aconselhou mesmo a Rússia a «não se deixar enganar por Donald Trump», que descreveu como «um homem dos media que pode fazer uma declaração de manhã e outra à noite».
O presidente norte-americano reagiu também às declarações de Vladimir Putin. Para Donald Trump, as declarações de Putin sobre a trégua de 30 dias «são promissoras, mas não são completas».
«Gostava de ver o lado russo a aceitar o cessar-fogo. Espero que eles façam a coisa certa», afirmou Donald Trump que disse estar disponível para se encontrar com o homólogo russo.
Ao lado do secretário-geral da NATO, Mark Rutte, o presidente norte-americano recordou «os milhares de jovens» que morreram neste conflito. «Queremos que isto acabe», declarou Donald Trump na Sala Oval, indicando que a guerra representa um «custo tremendo» não só para os Estados Unidos, como para vários países. E que «se Putin não aceitar este cessar-fogo temporário será um grande desapontamento para o Mundo».
Em suma
Como diz o povo… «a procissão ainda agora vai no adro».
Há razões para ter as máximas reservas sobre as verdadeiras intenções de Vladimir Putin quanto à possibilidade de um cessar-fogo temporário e, por consequência, quanto à possibilidade de um futuro acordo de paz.
Efetivamente, este é um momento de teste ao Kremlin sobre a grande questão de saber se a Rússia finalmente aceita, ou não, a Ucrânia como um país livre e independente.
Mas para lá desta verdadeira questão existencial da Rússia, Vladimir Putin parece, no fundo, acreditar que Donald Trump, impulsionado pelo desejo de chegar a um acordo com a Rússia o mais depressa possível e livrando-se de quaisquer imperativos morais, acabe por pressionar Volodomyr Zelensky a abandonar as suas linhas vermelhas em relação às condições impostas por Vladimir Putin para o fim das hostilidades na Ucrânia.
Nestas condições, tudo leva a crer que as negociações de um eventual cessar-fogo se poderão arrastar por algum tempo, a menos que Donald Trump, pelas razões atrás aduzidas, acabe entretanto por perder a paciência e por obrigar a parte mais fraca desta guerra – a Ucrânia – a ceder em toda a linha às exigências de Moscovo.
Bruxelas, 13 de Março
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«Portugal e o Futuro», opinião de Aurélio Crespo
(Cronista/Opinador no Capeia Arraiana desde Julho de 2020)
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