A Leopoldina era a mais nova de dez irmãos. A mãe adoecera com tifo (febre tifóide) e acabara por morrer quando ela tinha apenas onze meses. As irmãs e irmãos, todos eles numa escadinha de dois em dois anos, dir-se-ia que não iriam sobreviver às maleitas e à fome e guerra que grassava naquela época, nas primeiras décadas do século XX.

De facto, a epidemia de tifo que provocou diarreias e desidratação, ceifou muitas vidas quer de crianças quer de adultos, sobretudo de mulheres a amamentar.
Os carpinteiros não davam mãos a medir para fazerem os caixões. O pior é que nem havia tábuas nem dinheiro para as ir comprar. Foi o sacerdote que acabou por sugerir levarem os corpos num só e mesmo caixão e colocarem os defuntos directamente na cova. Foi assim o enterro da mãe da Leopoldina, entre muito choro e muito desespero.
O ti Júlio, pai da Leopoldina, parecia que ficara louco de dor e desespero. Com os catraios lá se ia safando, com as cachopas é que era um caso mais complicado, embora as mais velhinhas já fossem umas autênticas mulherzinhas e donas de casa. Valiam-lhes as vizinhas, tias e amigas naquilo que podiam. Continuava entre todos o medo, ou seja, o terror de contágio. Ninguém sabia qual a «mezinha» a tomar. E, medicamento que houvesse, quem o poderia comprar? Aconselhavam a lavar bem as mãos, mas se até a água parecia trazer o «bitcho»!
Quando a Leopoldina adoeceu, mais ninguém queria aproximar-se daquela casa. Foi então que a ti Maurícia, viúva, mas sem filhos, acorreu e levou a pequenita consigo.
A ti Maurícia mantinha sempre o lume bem aceso com a panelinha cheia de água, encostada em redor das brasas. Acreditava que o calor do lume matava o tal «bitcho». E, em vez de água fria, fazia «chás» das suas ervas conhecidas. Mantinha a pequerrucha muito asseada com um banho na bacia de zinco logo após ter feito cocó. Sobre a enxerga do berço punha um dos seus lençóis de linho dobrado em quatro partes. Linho que ela semeara e cuidara até sair do tear. Branquinho como a neve que tantas vezes cobria a aldeia, que ela acreditava poder matar todos os bichos que traziam aquelas «maleitas» de tão terrível epidemia.
Bem, o que é certo é que a pequenina se salvou e mal aprendeu a falar passou a tratar a ti Maurícia por mãe. As outras irmãzinhas e irmãos, desejosos de iguais cuidados, também se iam aproximando mal podiam. Umas vezes carregavam um feixezinho de galhos ou um braçado de cavacos «ratchados», uma cestinha de ovos, umas poqueninas de batatas, uma mancheia de feijão… E a ti Maurícia devolvia-lhes tudo multiplicado por amor. Assim nasceu uma nova família.
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«Gentes e lugares do meu antanho», crónica de Georgina Ferro
(Cronista no Capeia Arraiana desde Novembro de 2020)
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