Maria Isabel Rebordão Gonzaga | Iniciei a nossa conversa com Maria Isabel Rebordão Gonzaga, a proprietária do Café Rebordão, situado junto à Capela de Nossa Senhora da Conceição, rodeados por pinturas psicadélicas em tela, da autoria de Eduardo Rebordão Francês, um homem da rama do castanheiro…


O Café Rebordão é uma das mais antigas casas comerciais da cidade do Fundão. Uma das portas abertas por onde passavam e passam todos os dias diversas pessoas, principalmente nas segundas-feiras, dia do mercado semanal e feiras anuais no Fundão. Noutros tempos, a Quinta Rebordão era também o espaço de guarda dos animais a vender e a comprar por aqueles feirantes. Quinta que se estendia até à da Boavista. Hoje é o Loteamento Rebordão.
Estou, pois, na presença de Maria Isabel Rebordão Gonzaga, familiar da diva do fado, Amália Rodrigues.
O seu avô, Manuel Gonçalves Rebordão, «era uma pessoa visionária, muito à frente do seu tempo, muito empreendedor, dinâmico, inteligente, de causas sociais e religiosas, uma referência inqualificável».
Teve um papel importante na vida do Fundão, «no espaço onde nos encontramos, de que era dono, que inicialmente era uma mercearia, taberna e depósito de sal. O sal era muito importante para as populações da época e, além dos residentes do Fundão e das aldeias mais próximas, vinham clientes da zona do Pinhal, Castelejo, Lavacolhos, Silvares, Barroca, Janeiro de Cima, Minas da Panasqueira, São Jorge da Beira… e do concelho da Pampilhosa da Serra». Eram tempos difíceis em que não havia dinheiro, pelo que se trocavam saquinhos de sal por cereais (milho, centeio, cevada, castanhas). A este propósito, recordo que na minha aldeia, Bismula, no concelho do Sabugal, também se trocavam produtos agrícolas, batatas, centeio… por laranjas, sardinhas, chicharros…
Naquele espaço comercial, a parte da taberna era o espaço de encontros e convivências dos feirantes, saboreando umas iscas, umas postas de bacalhau, uns petiscos, companheiros de um bom pão caseiro, feito em forno de lenha, e de uns copos de tintos, que eram a alma do negócio.
O avô era possuidor do «Alvará de Obras Públicas» mas não lhe correu bem em termos financeiros o alcatroamento da estrada Fundão-Souto da Casa. E ainda estava contratado para a recolha do lixo na cidade.
Quanto à construção civil, cansou-se de subir e descer as escadas da Câmara Municipal. Como era vertical, os problemas não eram resolvidos…
Cansado de tanta indiferença municipal, em 1972, sem darem andamento às suas iniciativas, pois «não vendia a alma ao diabo», desgostoso, mudou-se para a cidade de Almada, onde se dedicou à construção civil, construindo andares, paradoxo dos paradoxos, comprados por fundanenses e por pessoas dos concelhos do Sabugal e Penamacor… que naquela época migravam em grande número para a margem sul do Tejo. «Lá ficou para sempre…»
«O meu avô perdeu no Fundão muito dinheiro, perdeu as heranças dos filhos e netos, mas não perdeu a honra e dignidade. Esta sua postura é para mim motivo de orgulho.»
No campo social, com preocupações pelos mais carenciados, criou a Sopa dos Pobres, que funcionava na actual Loja Social, na Rua Adolfo Portela, perto da enigmática Escola Primária das Tílias, onde diversas famílias tinham direito a uma refeição diária.
Como Vice-Provedor da Santa Casa da Misericórdia do Fundão, promoveu diversos cortejos de oferendas, cujos donativos revertiam para a construção do Hospital.
Fundou a empresa rodoviária «Transportes do Rebordão», com sede no Fundão, fazendo serviços para todo o País. Infelizmente, já não existe.
A avó, Maria José Vaz Rebordão, além das actividades profissionais na mercearia/taberna, ainda vendia peixe na Praça Velha, espaço onde se encontra a estátua do fundador do «Jornal do Fundão», António Paulouro.
Os familiares de Amália Rodrigues moravam na mesma rua dos seus avós, que viviam com muitas dificuldades. O seu avô ainda os ajudou mas as formas de encarar a vida eram muito diferentes, antagónicas. No entanto, o seu progenitor tinha a ideia de que para além da ajuda a um pobre, era mais importante dar cumprimento a um velho adágio chinês, «se vires um pobre a pedir, não lhe dês o peixe, ensina-o a pescar».
Maria Isabel Rebordão Gonzaga, familiar de Amália Rodrigues, cresceu ouvindo a sua mãe, Maria da Ascensão Vaz Rebordão, e as suas tias, a cantar as melodias e as cantigas que a sua sobrinha Amália Rodrigues cantava.
Debrucei-me sobre a vida de Maria Isabel e anotei que fez o percurso primário na Escola de Nossa Senhora da Conceição e o Secundário na Escola Comercial e Industrial do Fundão. Foi para Lisboa a fim de frequentar o Curso de Solicitadores, na Câmara dos Solicitadores de Lisboa. Não os completou pela precária saúde dos seus pais e necessidade de dar continuidade aos negócios de uma casa histórica. Assim, regressou às suas origens, dando seguimento à vida comercial há anos.
De acordo com os novos comportamentos dos clientes e exigências comerciais, fez uma profunda remodelação das instalações, centralizando-se em vendas de bebidas e pastelaria.
Quanto à relação familiar com Amália Rodrigues, refere que foi sempre mal compreendida, esquecida, principalmente por uma certa elite da cidade e do poder local. «Neste tipo de comportamento não podemos incluir o povo do Fundão.»
No Fundão, os poderes autárquicos e outras forças sociais não souberam aproveitar os tempos áureos musicais de uma das suas filhas, porque há quem defenda que aqui nasceu. Os seus irmãos nasceram, e a Amália Rodrigues foi baptizada na Igreja Matriz do Fundão.
Eventualmente visitava a sua prima Maria José Rebordão Duarte Gonçalves, na Rua da Cale, que muito acarinhava. Também o seu irmão Filipe Rodrigues, «o boxeur», e a sua irmã Celeste Rodrigues, «que para mim tinha uma voz não inferior à da Amália», visitaram algumas vezes os seus familiares no Fundão, a mãe e os avós.
É sempre um prazer confortante conversar, trocar impressões com pessoas que, com simpatia, nos atendem. Resta-me agradecer e desejar os maiores êxitos pessoais e comerciais ao Café Rebordão, um dos mais antigos do Fundão a manter-se na mesma família. Tem as portas abertas a poente do Fundão, no Largo de Nossa Senhora da Conceição, junto à sua Capela.

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«Aldeia de Joanes», crónica de António Alves Fernandes
(Cronista no Capeia Arraiana desde Março de 2012)
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