A vitória da CDU nas eleições alemãs de 23 de fevereiro já era esperada. Porém, esta vitória apenas foi conseguida com maioria relativa, e assim a CDU precisa de formar uma coligação com outros partidos para poder governar. No seu discurso de vitória o líder do partido vencedor Friedrich Merz garantiu que irá iniciar o mais rapidamente possível um diálogo com outros partidos com vista à formação do próximo governo. Porém, mais tarde, durante um debate com os principais líderes partidários da Alemanha, o futuro Chanceler fez questão de anunciar que o partido da extrema-direita – a «Alternativa para a Alemanha» (AFD) – não fará parte dessa coligação.

Efetivamente, tendo a União Democrata Cristã (a que corresponde a sigla alemã CDU) sido o partido mais votado nas eleições alemãs de 23 de Fevereiro, o seu líder Friedrich Merz reune à partida todas as prossibilidades de ser investido em breve nas funções de Chanceler, isto é, de ser o próximo Chefe do Governo da Alemanha. Todavia, para poder governar, Friedrich Merz necessita, como se disse, fazer uma coligação com outros partidos políticos. Prevê-se que a formação do novo Governo deverá demorar várias semanas. E tudo indica que esta coligação não irá incluir o partido da «Alternativa para a Alemanha» (AFD). Efetivamente, Merz recusa colaborar diretamente com este partido da extrema direita: «Eu quero fazer política para que um partido como a AfD já não seja preciso na Alemanha», disse o líder da CDU num congresso, em janeiro passado, em que acusou os partidos da esquerda alemã – SPD incluído – de terem criado um terreno fértil à ascensão da extrema-direita neste país
Alguns elementos biográficos
Depois de terminar a Faculdade de Direito em 1985, Friedrich Merz trabalhou como advogado antes de ingressar na política a tempo inteiro em 1989 quando foi eleito deputado para o Parlamento Europeu. Depois de cumprir um mandato nesta instituição europeia, Merz foi eleito para o Bundestag (Parlamento Federal da Alemanha), onde se destacou como o principal especialista em política financeira da CDU. Depois, em 2000, foi eleito presidente do Grupo Parlamentar da CDU no Bundestag, no mesmo ano em que Angela Merkel foi eleita presidente da União Democrata Cristã .
A partir de 2002, Friedrich Merz foi-se retirando gradualmente da política e, acabou mesmo por deixar as funções que exercia no Bundestag, tendo passado a concentrar-se a tempo inteiro na sua carreira jurídica. Merz tornou-se o conselheiro principal da Mayer Brown – um Gabinete de Advogados Internacional de Consultoria – das algumas das maiores empresas, fundos e instituições financeiras do Mundo, com especial incidência nas áreas relativas a fusões e aquisições de empresas, serviços bancários, serviços financeiros e compliance (i.e. das medidas destinadas a assegurar que as empresas respeitam as normas jurídicas, éticas e deontológicas que lhe são aplicáveis, bem como a preservar essas empresas de riscos financeiros, jurídicos e reputacionais em caso de não cumprimento dessas normas). Por outro lado, Merz fez parte dos Conselhos de Administração de diversas empresas.
Entretanto, em 2018, Friedrich Merz anunciou o seu retorno à política, tendo passado a líder da União Democrata Cristã (CDU) desde 31 de janeiro de 2022 e exercido as funções de líder da oposição no Parlamento Federal da Alemanha de 15 de fevereiro de 2022 até à data presente.

Perfil político do futuro Chanceler
Friedrich Mertz descreve-se a si próprio como socialmente conservador e economicamente liberal, mas é visto como um representante da ala mais conservadora do partido da CDU. Foi, aliás este posicionamento que o manteve fora dos executivos de Angela Merkel, considerada como uma personalidade mais moderada, e que o levou, como se referiu, a abandonar a política durante quase uma década. No seu livro «Mehr Kapitalismus wagen» Merz defende o liberalismo económico. Por outro lado, foi presidente da Associação Atlantik-Brücke que promove a cooperação germano-americana e o atlantismo, e é um firme apoiante da União Europeia e da NATO, descrevendo-se como «um europeu verdadeiramente convicto, um atlanticista convicto» e, além disso, «um alemão aberto ao Mundo».
Líderes europeus devem preparar-se para defender a Europa
Friedrich Merz defende uma «União Europeia mais estreita» e «um exército para a Europa». E é conhecido pela sua posição agressiva relativamente à Rússia e à China. Também não tem poupado críticas à atual Administração Trump, tendo comparado os «EUA de Donald Trump à Rússia de Putin». Merz defende que a Europa deve reforçar a sua Defesa e encontrar uma organização militar que substitua a NATO para obter a sua independência em relação aos Estados Unidos da América. Na Conferência de Segurança de Munique de fevereiro passado, depois de admitir que «Trump poderá virar as costas aos aliados europeus», Friedrich Merz alertou os líderes europeus que devem estar preparados para assegurar a defesa do continente europeu sem a ajuda dos Estados Unidos e defendeu que a Alemanha tem de assumir uma liderança mais destacada das questões de segurança na Europa.
Friedrich Merz declara apoio à Ucrânia
«Três anos de guerra de agressão russa contra a Ucrânia. Três anos de guerra na Europa. As terríveis imagens de destruição e crimes de guerra acompanham-nos há três anos. A Europa continua firmemente do lado da Ucrânia. Agora, mais do que nunca, temos de colocar a Ucrânia numa posição de força. Para uma paz justa, o país atacado deve fazer parte das negociações de paz», escreveu Frederich Merz na rede social X.
Efetivamente, se é certo que durante os últimos três anos da invasão russa, o governo do SPD foi um dos principais apoiantes da Ucrânia na Europa, Friedrich Merz é ainda mais determinado no apoio a este país do que o ainda Chanceler Olaf Scholz o foi no passado. Merz defende o envio de mais equipamento militar para Kiev, incluindo mísseis de longa distância Taurus, que, recorde-se, Scholz se recusou no passado entregar a Volodymyr Zelensky. Por outro lado, Friedrich Merz também apoia a rápida adesão da Ucrânia à NATO.
As relações do futuro governo alemão com a administração Trump
Apesar de não estar alinhado com o atual presidente dos EUA, tanto apoiantes como críticos de Friedrich Merz reconhecem que ele é um político bem preparado para lidar com a Administração Trump. De facto, mesmo «alguns críticos internos admitem a contragosto que o seu atlanticismo, excelente controlo do inglês e capacidades negociais aperfeiçoadas em salas de reuniões onde esteve durante o hiato político o tornam num bom candidato para a Era Trump», escreve a Reuters. Ou seja, Merz tem uma veia de homem de negócios que poderá facilitar o diálogo com Donald Trump, cujos negócios são, como se sabe neste momento, a preocupação central da política dos EUA na arena internacional. E este fator poderá vir a traduzir-se numa clara mudança da relação tensa que Donald Trump manteve durante o seu primeiro mandato presidencial com a antiga chanceler cristã democrata da Alemanha, Angela Merkel.
Em abono desta tese, convém notar que Donald Trump foi o primeiro líder mundial a dar os parabéns a Friedrich Merz pela vitória eleitoral, embora não o nomeasse, nem ao seu partido. O Presidente norte-americano apressou-se a escrever na Truth Social que a vitória dos conservadores era «um grande dia para a Alemanha». Mas isto passou-se antes de Merz ter defendido «a independência da Europa face aos EUA». De facto, Se Tump tivesse esperado um pouco mais e tivesse escutado estas e outras coisas que o líder da CDU disse durante um debate com os restantes candidatos às eleições legislativas alemãs organizado pela emissora Deutsche Welle, talvez o teor da mensagem de Donald Trump na sua rede social tivesse sido diferente.
Merz assume-se como «um europeu convicto»
Nessa ocasião, Friedrich Merz não podia ter sido mais claro: «A minha prioridade absoluta será fortalecer a Europa o mais rapidamente possível, para que, progressivamente, possamos mesmo alcançar a independência dos EUA», referiu o próximo chanceler alemão. Por outro lado, quando tomou conhecimento da vitória eleitoral do seu partido, Merz fez questão de declarar: «Nunca pensei que teria de dizer algo assim num programa de televisão. Mas depois das declarações de Donald Trump na semana passada, é claro que esta Administração dos EUA é largamente indiferente ao destino da Europa.»
Criticando os comentários de Elon Musk em que declarou publicamente o seu apoio a Alice Weidel – presidente do partido de extrema-direita da AFD – Friedrich Merz equiparou estes comentários a uma tentativa de interferência eleitoral da Rússia na Alemanha: «Não tenho quaisquer ilusões sobre o que está a acontecer na América. Basta olhar para as recentes intervenções de Elon Musk na campanha eleitoral alemã. As intervenções de Washington não foram menos dramáticas e drásticas e, em última análise, não foram menos ultrajantes do que as intervenções que vimos de Moscovo. Estamos sob uma pressão tão grande de ambos os lados que a minha prioridade absoluta agora é criar unidade na Europa», sublinhou.
No entanto, Friedrich Merz admitiu haver ainda alguma «esperança residual» de que o Congresso dos EUA e a Casa Branca não excluam completamente a Ucrânia de quaisquer negociações de paz, embora não seja otimista a este respeito: «Não tenho a certeza de qual será a posição do governo americano sobre esta guerra nas próximas semanas e meses. A minha impressão, nos últimos dias, é que a Rússia e a América estão a unir-se à revelia da Ucrânia e, portanto, também à revelia da Europa», lamentou.
Efetivamente, a 3 de Março, o próximo Chanceler da Alemanha alertou que, após o desvio do Presidente Donald Trump nas últimas semanas face à política internacional praticada pelos EUA durante todo o período do pós-Segunda Grande Guerra Mundial, a Europa deve preparar-se para «fazer muito mais» pela sua própria segurança nos próximos anos. «Há uma enorme pressão sobre o lado europeu para agir», afirmou o líder da CDU numa conferência de imprensa em Berlim, sublinhando que «existe uma grande urgência em demonstrar que os 27 são capazes de atuar de forma autónoma em política externa e de defesa».
Efetivamente, apesar de se considerar um atlantista convicto, Friedrich Merz não está, contudo, nada otimista quanto ao futuro da NATO e admitiu mesmo que se caminha para o fim da Aliança Atlântica. «Estou muito curioso para ver como nos vamos preparar para a cimeira da NATO no final do próximo mês de Junho onde iremos decidir “se vamos continuar a falar da NATO na sua forma atual ou se vamos ter de criar uma capacidade de defesa europeia independente.»
Merz defende medidas urgentes para a economia alemã
Para além das questões relativas à Defesa da Europa e à Imigração – um tema a que tem consagrado a sua maior atenção – Friedrich Merz defende a necessidade de um estímulo urgente da economia alemã que se encontra particularmente fragilizada desde que começou a guerra na Ucrânia. Para atingir este objetivo, o próximo Chanceler da Alemanha quer cortar burocracias, baixar os impostos para as empresas e criar condições que favoreçam a iniciativa privada. Uma das áreas que merece mais a sua atenção são as Empresas Tecnológicas. Friedrich Merz quer tornar a economia da Alemanha mais atrativa e, para tanto, prometeu adotar as medidas políticas que se mostrem adequadas para lidar com a Transição Digital e a Inteligência Artificial.
Por outro lado, o líder da CDU tem demonstrado claras reservas sobre o reforço do investimento em energias renováveis, designadamente na eólica. Merz reconhece que as alterações climáticas são um problema real do futuro, mas considera que a conjuntura atual obriga a que a economia passe a ter prioridade sobre o ambiente. No início deste ano, fez mesmo questão de criticar as políticas seguidas pelo governo do ainda Chanceler Olaf Scholz por serem «quase exclusivamente orientadas para a proteção climática» – e prometeu alterar esta orientação política.

A formação do próximo governo da Alemanha
Nas eleições federais alemãs de 23 de fevereiro, a União Democrata Cristã (CDU) ficou com 28,52% dos votos e com 208 mandatos no Bundestag; a Alternativa para a Alemanha (AfD), com 20,8% e 152 lugares; o Partido Social-Democrata (SPD) com 16,41% e 120 lugares; o Partido dos Verdes com 11,61% e 85 mandatos; a esquerda radical Die Linke conseguiu 8,77% e 64 mandatos; e os liberais do FDP não chegaram aos 5% necessários para entrar no Bundestag, o mesmo sucedendo ao partido populista de extrema esquerda, Aliança Sara Wagenknecht (SWB).
Face a estes resultados eleitorais, tendo em conta a recusa expressa por Friedrich Merz de fazer uma aliança entre a CDU e o partido da extrema direita a AFD, duas alternativas se apresentam ao líder da CDU para poder formar governo:
1) uma coligação abrangente com o partido social-democrata SPD e o partido dos Verdes, que lhe daria uma maioria absoluta no Bundestag; ou,
2) uma aliança da CDU com um destes dois últimos partidos, mas que não lhe garantirá uma margem suficiente para aprovar confortavelmente no Bundestag todas as medidas que o próximo governo se propõe apresentar.
«Irei formar um governo que represente toda a população e vou esforçar-me por formar um governo que resolva os problemas deste país», declarou Friedrich Merz. «Como é que esse governo pode ser formado, não sabemos. Não é segredo que gostaríamos de ter um parceiro e não dois, mas o povo decidiu e temos de o aceitar», acrescentou, admitindo que as negociações para a formação do novo governo «não serão fáceis», mas que espera ter um o Executivo pronto para trabalhar até à Páscoa.
Com a provável coligação entre CDU e SPD e eventualmente com os «Verdes» no horizonte próximo – que permitirá à AfD posicionar-se como principal força de oposição e evitar a concretização de um cenário de colapso dos partidos do centro político alemão – a presente situação político-partidária da Alemanha vai exigir do próximo governo uma gestão política que responda às preocupações do eleitorado, principalmente no que respeita às questões relativas à imigração à economia, e à segurança e defesa.
Concluindo, passo a citar um extracto do artigo de Katja Hoyer publicou em Setembro do ano passado no insuspeito jornal britânico «Guardian»:
«Perguntem aos alemães quais são as suas grandes preocupações. A imigração está no topo da lista, seguida pelos preços da energia, pela guerra na Europa e pela economia. A palavra que eu ouvi constantemente na Alemanha nos meses mais recentes foi “angústia”. Devido aos crimes violentos, em particular os que têm sido praticados por um número crescente de imigrantes, muitos alemães sentem que existe no país um problema de insegurança e que, por outro lado, existe uma insegurança profunda face à situação económica e política, que é mais notória no Leste da Alemanha, mas que atravessa todo o país. Trata-se de questões difíceis e embaraçosas que importa discutir (…). E discuti-las é exatamente o que se deve fazer em vez de se deixar o monopólio da discussão à AFD.»
E Katja Hoyer conclui: «Se os partidos centristas não iniciarem um debate construtivo sobre estas questões sensíveis, ninguém o fará.»
De facto, o próximo governo liderado por Friedrich Merz poderá ser uma das últimas oportunidades para encarar estes problemas de frente e para impedir, consequentemente, um desfecho anti-democrático que aos olhos de muitos alemães poderá representar, a curto ou médio prazo, uma séria ameaça para o seu país.
Bruxelas, 4 de Março
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«Portugal e o Futuro», opinião de Aurélio Crespo
(Cronista/Opinador no Capeia Arraiana desde Julho de 2020)
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