Havia quase três anos que eu tinha abalado da aldeia. Acabara a terceira classe e fora para Manteigas completar a escola primária. Dali seguira para o colégio. Era a primeira vez que vinha de férias.

Quase três anos sem mexer na terra, no meu sacho pequenino, na foice, no ancinho!… Tanto tempo sem o mimo dos tios, da avó, das vizinhas e vizinhos.
E quem teria ido fazer os «recados» à ti Zefa, à Senhora Maria dos Santos, à senhora Isabel Augusta…? Quem teria escolhido os cornachos do centeio? Quem lhes seguraria as meadas da lã para dobarem? Ou quem faria rodar o andarilho quando o fuso já estivesse cheio?
Pensava tanto naqueles serões, naqueles dias em que eu era a menina de toda a gente, ali naquele lugar, perto do Largo do Enxido (Ex-ido, por ficar fora duma das extremidades do povoado), mas que já se deixara ficar dentro da aldeia, ao ser ultrapassado por meia dúzia de casas. Ali, onde eu me sentia a neta de todos os vizinhos.
Eram, todos eles, da mocidade da minha avó Neves. Os filhos e netos tinham abalado pelos mais diversos motivos. E eu, também abalara. Mas vinha agora e tudo voltaria a ser como era dantes, pensava eu.
Nas férias iria fazer-lhes tudo o que precisassem! Havia de lhes escolher os cornachos, desfolhar e degranar o milho, dobar o linho e a lã, enfiar-lhes as agulhas, comprar o petróleo para os candeeiros; apanhar uns galhos para acenderem o lume… Assim ia eu matutando, à janela do comboio, até à estação do Barracão e depois à janela da velha camioneta da carreira.
Mal eu sabia que já não era preciso ir ao petróleo para os candeeiros, já substituídos por lâmpadas a pender do tecto; que não era necessário ir ao chafariz a encher os cântaros, que se pavoneavam na cantareira, mas com água da torneira da cozinha; as lareiras também não precisavam de lenha, porque o fogão substituía o lume aceso com as panelas em seu redor.
Quando a camioneta parou, lá estava a avó Neves de sorriso doce, ao lado da irmã inseparável, a sua Maria. E veio a tia Mariana, a tia Felisbela, o tio António, a tia Palmira, a tia Maria «Bicho», o ti João Reino, a senhora Maria dos Santos, a Menina Laurinda. Tantos abraços. Todos queríamos falar ao mesmo tempo, como se quiséssemos saber o que acontecera em cada mês, semana, dia ou em todos os momentos de ausência.
Só depois desatei a ver o que estava a mudar. Todos pareciam mais pequeninos, andavam mais devagarinho, tinham os cabelos mais brancos, ouviam mal e os sorrisos não tinham tanta alegria como dantes.
Senti dor tamanha que, se eu mandasse, ninguém mais me iria arrancar daquela terra.
Todos me acompanharam até ao portão do curral. Depois de mais uns abraços foram andando, cada qual para a sua própria casa, sem deixarem de recomendar a minha visita no dia seguinte.
– Claro que vou! – Repetia com convicção.
Antes de entrar em casa, pulei o muro do balcão para casa da ti Zefa.
– Aí mem, cachopa! Como estás grande! Aí mem que linda, que és!
E aquele abraço era um pedido a Deus, para eu voltar a ser pequenina e Ela voltar atrás no tempo.
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«Gentes e lugares do meu antanho», crónica de Georgina Ferro
(Cronista no Capeia Arraiana desde Novembro de 2020)
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