O Zé Oteiro foi de sempre pessoa de carisma na sua terra. Ao descair para velho encaixa-se, à sua maneira, na vertigem de um tempo que o espanta mas não o assusta.

– Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades – insinua ele, aludindo Camões, mesmo que não dê por isso! Lança, depois, um olhar no espaço como se procurasse a fundamentação do dito e, em jeito de monólogo, acrescenta:
– De pouco me valeram os estudos da juventude. Por aqui me fiquei amarrado a uma grande paixão, o campo! Na verdade nunca o pude dispensar. E acredito que, outros, por mais dinheiro, não conseguiram aquilo a que eu chamo qualidade de vida.
Oteiro é a forma popular para designar uma pequena elevação cuja base beija a margem direita da ribeira. O exíguo monte oferece-se à vista expondo uma estrada estreita, que sobe a encosta, como ares de quem pretende manter funções de acesso ao antigo povoado.
Presume-se que o outeiro, em causa, quis emprestar o cognome ao Zé. Mas, em boa verdade, a nossa personagem, nunca se domiciliou na altura, antes se sediou na base.
Este homem, de vida simples, não se isenta de atenção ao que o rodeia. É assinante de um jornal regional e, surpreendentemente, possui expressivos conhecimentos, não apenas restritos ao seu mundo mas também de carácter mais geral.
– Faz-me falta a notícia caseira. As outras tenho-as eu na televisão embora a maioria delas me cheguem infestadas de propaganda.
E continuou:
– Estão aí as autárquicas, como sabe. Agora já eles vão aparecer. Quer que lhe conte uma que se passou há quatro anos?
E, sem mais, passou ao episódio:
– Estava eu aqui pelo meu quintal a mexericar quando chegam meia dúzia de penteados. Era altura de eleições e prometeram-me, logo à chegada, alcatrão para a minha rua. Depois partiram e, até ontem, nunca mais os vi. Regressaram agora, cheios de pose. Um deles chega-se a mim e mesmo antes de qualquer cumprimento adiantou…
«Ó Ti Oteiro, desta vez, conto consigo.»
– Olha lá o papagaio, disse eu para comigo! Pois é agora que levas para tabaco. E vai daí, deitei-lhe à cara uma boca que define bem o que me vai cá por dentro…
– Claro, meu caro amigo. Lá contar, pode você contar. Mas nós os dois temos um pequeno problema. É que as suas contas não costumam bater certo com as minhas!
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«Terras do Jarmelo», crónica de Fernando Capelo
(Cronista no Capeia Arraiana desde Maio de 2011)
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