Na minha vida profissional, contactei muitas vezes com doentes mentais, ou, como se diz em linguagem um pouco mais nua e crua, com loucos e, devo dizer, que tinha uma grande ternura para com eles. Era necessário ouvi-los e nem sequer se podia contradizê-los. A sua linguagem tinha passado a fronteira. As palavras não queriam dizer nada ou exprimiam um desejo irrealizável…

Tenho, aliás, alguns escritos em que os doentes mentais são os principais personagens.
Anoto apenas alguns. Um dia, telefonam-me do asilo psiquiátrico da cidade de Mons comunicando-me que se encontrava ali um nacional que vinha de Portugal para ver o seu primo o Rei da Bélgica. Um outro, que vinha à Bélgica todos os anos pela Primavera, e o Estado português tinha de o recambiar para uma instituição psiquiátrica em Portugal. Ao conduzi-lo ao aeroporto, insistia que viesse comigo porque era ele que pilotaria o avião. E no meu automóvel imitava os gestos de um aviador. Também um alentejano que fui visitar numa casa de repouso, após tê-lo cumprimentado, disse-me: «Espere um pouco que vem aí o Fontes Rocha.» Eu não estava a ver quem poderia ser o Fontes Rocha e, como não pode retorquir-lhe nada, sentei-me e esperei um pouco.
– O Fontes Rocha está a demorar muito! – disse eu.
– Espere mais um bocadinho que vai haver aqui um concerto com a Amália Rodrigues!
O caso não era para rir. Era a loucura completa instalada neste homem. Mas para estes loucos há asilos psiquiátricos, há medicamentos para os estabilizar e não andarem nas ruas a vaguear nas suas loucuras.
Outro mundo é a linguagem dos políticos. Para estes, não há asilos psiquiátricos, onde poderiam receber um tratamento adequado e darem-se que conta que com as suas propostas, passaram-se para a banda de lá.
Quando se ouvem afirmações de políticos que nos governas ou que têm a pretensão de nos governar, constatamos que passaram a fronteira da decência, da moral, das boas maneiras, da boa e elementar educação.
Ao ouvir Donald Trump a dizer «eu quero a Gronelândia, eu quero o Panamá, eu quero Gaza, eu quero o Canadá», também já disse, «eu quero Cuba». Com esta incompreensível linguagem, alguns até dirão: «Deixem-no falar, ele é louco!»
Também no Parlamento português têm-se notado acontecimentos que mais parecem do domínio da loucura. Insultar uma deficiente, não pelo conteúdo das suas intervenções, mas apenas pelo facto de ser deficiente é o cúmulo da má educação. Quando se houve a linguagem das pessoas daquele partido, quase nos apetece dizer que se passaram para a banda de lá. A banda é a fronteira entre o que é e não é humano, a discência, a moralidade.
Este tempo faz-me também lembrar a época dos descobrimentos. Nessa altura, o mundo ocidental regia-se pelo princípio latino: «res nullius est primi capientis», traduzido em português: «Aquilo que não é de ninguém é do primeiro que o apanha.» Este é também um princípio fundamental do direito de propriedade. Portugal e a Espanha, com a conivência do papado, lançaram-se na aventura das descobertas, à procura das terras de ninguém. Porém, agora percebemos o mal que fizemos aos povos que já ocupavam essas terras e que conquistámos à pólvora e à espada, ou dizimámos com toda a espécie de vírus que lhe transmitimos. Hoje, orgulhamo-nos destes feitos, mas há cada vez mais uma leitura diferente da que foi feita nesse tempo.
Ainda havemos de falar da loucura da expansão da fronteira americana que está no programa eleitoral de Donald Trump para concretizar o que ele designou de «MEGA – make America grate again», ou seja, voltar a fazer a América grande!
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«Pedaços de Fronteira», opinião de Joaquim Tenreira Martins
(Cronista/Opinador no Capeia Arraiana desde Novembro de 2012)
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