A SENTENÇA | Na região de Sortelha é frequente ouvir falar de Bruxas! No Arquivo Nacional da Torre do Tombo encontra-se o processo de Leonor Fernandes, «Cristã-Velha», que decorreu entre 6 de setembro de 1714 e 27 de fevereiro de 1716. Foi acusada de feitiçarias e bruxaria pelo Tribunal do Santo Ofício. Concluídas as averiguações é o momento de conhecermos a sentença dos Senhores Inquisidores! (parte 11).

PARTE VII – A SENTENÇA
Atada a uma correia se executou o termo a que foi julgada, e satisfeito a mandaram os ditos Senhores desatar, e levar a seu cárcere e que possa na verdade se fazer o Despacho e Termo que assinará.
Acórdão dos Senhores Inquisidores
Acordaram os Inquisidores, ordinário e deputados da Santa Inquisição, que vistos estes autos, e os indícios que há deles, e da prova da Instituição.
Concluíram:
Não ter feito inteira e verdadeira confissão de suas culpas, resulta da presunção de ter pacto com o Demónio, que ela nega, o encobre por querer permanecer nas mesmas culpas, e que sendo por vezes admoestada nesta, nega com muita claridade da parte de Cristo Senhor Nosso, quisesse acabar de confessar toda a verdade delas, e a verdadeira tenção em que as cometeu… e ela Ré não quis fazer desconfiando da misericórdia divina; a mesma é diminuta, simulada e fingida porque não declara toda a verdade delas; tendo sido admoestada muitas vezes para descargo de sua consciência, e salvação de sua alma, e bom despacho de sua causa, quisesse acabar de confessar suas culpas, e dizer toda a verdade delas, e a sua verdadeira tenção com que as cometeu, o pacto com o demónio, como se presume ela Ré, usando de mau conselho o não querer fazer, antes cega, pertinaz e obstinada nega e encobre por não estar arrependida.
Tudo visto e mais do que nos autos consta, declaram a Ré Leonor Fernandes por convicta e confessa no crime de se fingir, e publica feiticeira fazendo curas vãs e supersticiosas e dando com elas grande escândalo às pessoas que lhas viam cobrar. E mandam que em pena e penitência das ditas culpas vá aos Autos públicos de Fé na forma costumada, nele ouça a sua sentença e o degredo por um tempo de três anos para a cidade de Miranda: Terá cárcere ao arbítrio dos Inquisidores: Será instruída nas cousas da fé necessárias para salvação da sua alma, cumprirá as demais penas, e penitências espirituais que lhe forem impostas.
Lisboa, 16 de Fevereiro de 1716
Comentário final
O processo de Leonor Fernandes, existente na Torre do Tombo, é constituído por duzentas e vinte imagens. Não pretendemos realizar a transcrição do documento, mas tão somente a divulgação do essencial!
Decidimo-nos pela sua publicação porque reflete a mentalidade do mundo rural! Assim sendo, devemos aceitar esta história como parte da nossa cultura.
A Ré foi acusada de ser reputada feiticeira, de fazer malefícios ao Capitão-Mor da Vila de Sortelha por tentação do demónio. Com feitiçarias tirava e instituía saúde às criaturas, tirava o leite às reses e pessoas e quando chamada por bem restituía-o.
Levada para o cárcere da Inquisição, em Lisboa, revelou as suas origens e episódios fantásticos da sua vida, nomeadamente a relação com os filhos do Capitão-Mor!
Sempre houve bruxas, curandeiras e feiticeiras!
A Inquisição Portuguesa concentrou quase essencialmente as suas ações na perseguição de atos de heresia, dando ênfase às alegadas práticas judaizantes dos cristãos-novos e cripto-judeus, não considerando a bruxaria e feitiçaria uma prioridade. Assim, se explica o fato de não ter sido condenada à fogueira em auto-de-fé e a inexistência de evidências de admoestações com torturas físicas. Existem poucos exemplos de condenação à morte por estas práticas.
A sentença do Tribunal do Santo Ofício para a bruxa de Sortelha, reflete o impacto devastador da Inquisição sobre as vidas das mulheres acusadas de práticas consideradas heréticas e supersticiosas.
O caso de Leonor Fernandes ilustra a combinação de punições físicas e espirituais imposta aos réus, que eram forçados a se submeter a processos de purificação e reclusão, em nome da fé e da salvação de suas almas. O degredo para Miranda, o encarceramento sob a vigilância dos inquisidores e a imposição de penas espirituais representavam o sistema punitivo e controlador do Estado e da Igreja sobre a sociedade no século XVIII. A Inquisição, ao longo de suas operações, não só destruiu vidas individuais como também reforçou os valores de obediência e conformidade dentro de uma sociedade profundamente religiosa. A história de «A Bruxa de Sortelha» é um reflexo sombrio de uma época marcada pelo fanatismo, pela intolerância e pelo medo, onde a busca pela verdade era ofuscada pela força do poder clerical e secular.
«Não há bruxas! Mas que as há!… Há!»
Este provérbio popular, ouvido frequentemente, reflete uma mentalidade tradicional profundamente enraizada nos meios rurais desde tempos remotos. Os romanos eram bastante supersticiosos, tinham os dias fastos e nefastos. De certo modo, herdámos esse modo de pensar! A expressão utilizava-se em múltiplas situações, para explicar fenómenos sobrenaturais, os azares da vida, ia-se à bruxa para procurar a cura de doenças, afastar pragas e para dar sorte na vida. A bruxa era temida, mas simultaneamente respeitada, devido aos seus supostos poderes espirituais de fazer o bem e o mal.
Em suma, as histórias de bruxas estão envoltas em mistério, lendas e o fascínio do imaginário popular. Apesar de não haver, como o provérbio bem diz, uma confirmação absoluta sobre a sua existência, o peso das tradições e a força das histórias transmitidas ao longo das gerações continuam a alimentar a crença de que, embora não haja bruxas, de fato, há. A Bruxa de Sortelha permanece como uma figura mítica, uma sombra que nos acompanha entre a realidade e a fantasia, representando a resistência das nossas memórias coletivas e a perpetuação dos contos que atravessam o tempo. E, como diz o povo, enquanto houver quem a lembre, ela, de certa forma, nunca deixará de existir.
Em conclusão, utilizamos o provérbio para refletir sobre como as histórias e figuras míticas, como a da Bruxa de Sortelha, vivem de forma simbólica, mesmo que a sua realidade concreta seja imaginária.
Notas
(1) Esperamos que o poder político autárquico saiba aproveitar estes episódios para promover a região!
(2) O processo Leonor Fernandes (processo n.º 4942) pode ser consultado on-line no Arquivo Nacional da Torre do Tombo… [aqui]
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«Memórias de Sortelha», opinião de António Gonçalves
(Cronista/Opinador no Capeia Arraiana desde Janeiro de 2019)
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