Acabo de ler o livro «Francisco – Esperança -Autobiografia», do Papa Francisco. É a primeira autobiografia de um Papa no activo, cuja escrita demorou seis anos, contando com a colaboração do responsável editorial Carlo Musso. Esta obra humaníssima, comovente, imbuída de amor e humor, estava prevista para depois da morte do Papa, mas este entendeu que, com a celebração do Jubileu da Esperança, devia apresentá-la aos leitores de todo o mundo, no mês de Janeiro do corrente ano.

Nos vinte e cinco capítulos, o Papa Francisco aborda as suas raízes italianas, a emigração aventureira dos antepassados para a América Latina, principalmente para a Argentina. Com uma grande força narrativa, leva-nos a percorrer a sua infância, os entusiasmos e perturbações da juventude, o sentido vocacional, o trabalho, a missão educativa, pastoral e episcopal.
Leva-nos a admirar as suas memórias com coragem, franqueza, profecia, debruçando-se sobre temas muito actuais, como a guerra e a paz, conflitos na Ucrânia e no Médio Oriente, as migrações, a crise ambiental, política social, condição da mulher, sexualidade, desenvolvimento tecnológico, futuro da Igreja e das religiões.
O Papa, nascido em 1936, recorda a relação entre os imigrantes italianos em Buenos Aires com a equipa de futebol Torino, de Turim, à época uma das melhores equipas do mundo e a coluna vertebral da Selecção Italiana. Em Maio de 1949, de regresso a Itália, o avião despenhou-se contra o paredão do terrapleno da basílica, morrendo toda equipa. Foi um acontecimento muito sentido, doloroso no mundo, principalmente no seio da comunidade italiana na Argentina. Diz-nos o Papa Francisco: «Mais tarde fui pessoalmente visitar aquela basílica, permanecendo comovido sob a lápide com os nomes das trinta e uma vítimas.»
O Papa Francisco dedica nesta obra um capítulo ao futebol e desabafa: «Como futebolista deixava muito a desejar, como adepto era indiscutível.» Esclarece-nos que sempre gostou de jogar à bola, mas «não era grande coisa». Chamavam-lhe «pata dura», que significava jogar com os dois pés esquerdos. Gostava de jogar a guarda-redes porque aquele lugar ensinava-o a olhar a realidade, a enfrentar os problemas, a agarrar a bola; que não se sabe de onde vem, e tem de se agarrar, tal como acontece na vida.
Transcrevo as palavras do Papa: «Milhões e milhões de meninos e meninas de todo o mundo imaginam que jogavam à bola. Um grande escritor latino-americano, Eduardo Galeno, conta que uma jornalista perguntou à teóloga protestante Dorothee Solle como explicaria a uma criança o que é a felicidade?” “Não lhe explicaria”, respondeu a teóloga… “Dar-lhe-ia uma bola para que jogasse.”»
Ao ler esta passagem da autobiografia do Papa, recuperamos a alegria que sentíamos quando jogávamos futebol com uma bola de trapos no adro da igreja, enquanto esperávamos pela Catequese, ou na frequência da Escola Primária, no largo junto à Capela da Santa Bárbara, na Bismula. Verificou-se uma evolução futebolística e, com as idas às aldeias fronteiriças castelhanas, Almedilla ou La Alberguería de Argañán, nas bagagens de diversas compras de contrabando vinham umas bolas de borracha. Às vezes os zelos desumanos dos carabineiros (guarda civil espanhola) fiscalizavam e apreendiam-nas. Talvez não tivessem filhos que gostassem de jogar à bola.
Também recordo que o saudoso Padre Ezequiel Augusto Marcos, nas décadas de cinquenta e princípios de sessenta, organizou uma equipa de futebol na Bismula, em que era treinador e árbitro, realizando-se «grandes jogos» no Campo Fiéis de Deus, com equipas de paróquias vizinhas, como Aldeia da Ponte, Aldeia da Ribeira, Nave, Vale das Éguas, Badamalos… com as respectivas permutas.
Há dias, na Celebração da Palavra, o Diácono, lembrou que, na década de setenta, o Padre Manuel Ramos Nunes, natural de Aldeia Velha (Sabugal) e Provincial da Congregação dos Padres Monfortinhos, se deslocou à sua aldeia do concelho de Mação, e passou pela sua Escola Primária, onde fora aluno, na procura de jovens que quisessem ingressar naquela Congregação, dizendo-lhes que lá havia muitas actividades, música e muito futebol. «Fui e com o pensamento na bola, lá andei muitos anos, Fátima, Roma… jogando futebol e aprendendo a tocar e cantar, e tive como companheiro de estudos no actual Patriarca de Lisboa, D. Rui Manuel Valério.»
Em Celebrações da Eucaristia e da Palavra, não se ouvem estas considerações pessoais e oportunas, muitas vezes está-se num velório, embora em muitos deles, cá fora se assista a uma «algazarra» desnecessária.
Voltando às palavras do Papa… «não há melhor maneira de explicar a felicidade que não seja tornar os outros felizes. E jogar torna as pessoas felizes, pois pode exprimir-se a felicidade, competir de maneira divertida, simplesmente, viver o tempo do amadorismo…. Pois pode-se perseguir um sonho, sem ter de ser forçosamente campeão. Torna-nos felizes mesmo que sejamos um pé duro».
O Papa é adepto desde criança do clube San Lorenzo, porque as cores daquele clube no Bairro de Boedo em Buenos Aires, coloriam as ruas, pois as suas bandeiras eram colocadas nas varandas e emolduravam as janelas.
Em 1946, já ia com o pai assistir aos jogos do Clube do seu coração, o San Lorenzo, recordando os nomes dos grandes ídolos futebolísticos da época, e também contemporâneos. Fala-nos de diversos jogadores e dos seus dotes técnicos. Mantém amizade com alguns deles e seus familiares, que inclusive o têm visitado no Vaticano. Também tem recebido camisolas de jogadores famosos, como Maradona ou Ronaldo…
Já perceberam que estou fascinado por este livro, pois estamos na presença de um Papa de todos e todas, inteligente, com uma cultura vasta, muito amor ao próximo, cheio de humor, e também futebolista. Apesar de ter «pé duro» marca muitos golos com base na tática que o seu treinador, Jesus Cristo, lhe ensinou na Mensagem Evangélica.
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«Aldeia de Joanes», crónica de António Alves Fernandes
(Cronista no Capeia Arraiana desde Março de 2012)
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