A Ludovina era uma garotinha queimada pelo sol do verão, de quando acompanhava as cabras pelos terrenos baldios em volta do povoado. Cabelo mal entrançado, sempre de gadelhas soltas do chapéu de palha que, raramente conservava na cabeça, para grande apoquentação da avó que a criara desde sempre, pois a mãe morrera ao dá-la à luz.

No inverno, porém, era vê-la enregelada pelos frios do planalto, dos quais, mal se resguardava na samarra gasta, que já fora de seu avô, e agora lhe servia a ela como sobretudo.
Era uma garota introvertida que nunca se via sorrir ou dar uma daquelas gargalhadas cristalinas que davam as cachopitas da mesma idade. Nunca foi à escola ou se viu a saltar à corda em carava com as amigas.
Quando o avô morreu nem sequer chorou como faziam as pessoas lá na aldeia a carpir por seus entes queridos. Apenas, envolveu a avozinha num abraço protector, como se quisesse ampará-la. E foi nesse momento que ela jurou, a si mesma, que havia de ter uma vida mais digna.
Quando fez doze anos, pediu à avó que vendesse as cabras e emprestasse os «tchões» ao ti Bernardo e fossem ambas com a ti Alexandra para França. A ti Alexandra vivia numa quinta em Charolles. Segundo ela dizia, havia lá trabalho para as duas. Lá, teriam sempre menos cansaço e mais proveito. Os patrões eram «gentis». Só havia um pormenor, a Ludovina teria de ir à escola. «Aí é que a porca torce o rabo.» Ela nem sabia o que era uma letra.
Mas jura é jura. E ela tinha prometido que iria mudar o curso da vida.
E, assim, no fim daquele Agosto lá partiram para o desconhecido.
O pior foi a adaptação. Nem sequer pedir um copo de água ou perceber o que os patrões lhe solicitavam que fizesse. Mas ela era garota de fibra rija. E a ti Alexandra que já lá vivia há mais de uma dúzia de anos, ia fazendo de intérprete. O que é certo é que alguns meses depois já falava como se tivesse crescido por ali. Quando começou o ano lectivo seguinte, os patrões foram levá-la à escola. E, nem queriam acreditar quando, no fim do ano lectivo a elegeram como uma das melhores alunas. Não só aprendia rapidamente como mostrava um grande interesse por saber mais e muito mais.
Ao chegar à quinta, no fim de um dia de aulas, ia ajudar em todos as tarefas que houvesse a fazer. Ela acarretava água para os bebedouros, limpava os estábulos, recolhia os ovos da capoeira, enchia as manjedouras… Depois, quando todos faziam um poucochinho descanso, ela ia preparar as suas lições e dormitar no colo da sua avó que tanto amava.
Ainda hoje não sei quem mais orgulho tinha na Ludovina, se a avó, a ti Alexandra ou os «Patrões» que a adoptaram como sendo familiar deles, uma vez que nunca tiveram filhos.
Era uma felicidade ver aquela família no dia em que a Ludovina festejava a sua licenciatura em veterinária!
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«Gentes e lugares do meu antanho», crónica de Georgina Ferro
(Cronista no Capeia Arraiana desde Novembro de 2020)
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