Que se conheça é caso único na Europa mas Lisboa preferiu durante muito tempo esquecer esta singularidade. Ali onde é hoje a Madragoa… existiu um bairro negro em Lisboa.

BAIRRO MOCAMBO
genuinamente deslembrada
ou esquecida intencionalmente
Lisboa não parece preparada
para revelar fielmente
uma parte bastante ignorada
de uma época relativamente recente
a História é saber e compreender
não tem que condenar ou absolver
na Lisboa quinhentista
ocorreu algo pouco falado
um mistério africanista
muito pouco documentado
um segredo alquimista
à espera de ser desvendado
ali onde é hoje a Madragoa
existiu um bairro negro em Lisboa
no século XVI a escravatura
teve um grande incremento
na Lisboa daquela altura
havia cerca de dez por cento
de população de pele escura
com África como local de nascimento
nos últimos 500 anos da capital
os africanos são parte substancial
no Terreiro do Paço à chegada
os escravos eram avaliados
depois a venda era realizada
e pelos senhores eram comprados
para uma vida escravizada
fazendo os trabalhos mais pesados
se acabou a escravatura
o estigma ainda perdura
por diversas contingências
alguns foram obtendo alforria
e por afinidade de vivências
que os ligava e unia
para suprir as carências
que a vida lhes infligia
num bairro com a sua identidade
suportaram melhor a saudade
existindo num aglomerado urbano
é na Europa o único conhecido
apelidado com o nome africano
por alvará régio atribuído
preservando as raízes no quotidiano
dos que ali se tinham reunido
Mocambo quer dizer local abrigado
e foi assim que o bairro foi batizado
localizado na periferia
fora das portas da cidade
à medida que Lisboa crescia
foi ganhando diversidade
que aos poucos alteraria
o caráter daquela realidade
foi gente ligada ao mar
que a seguir foi para ali morar
hoje já não é novidade
que o bairro ali existiu
o alvará régio atesta a verdade
mas com o tempo tudo se esvaiu
esquecer foi de tal forma a vontade
que até a toponímia se sumiu
Lisboa deve resgatar esta memória
que faz parte da sua história

Alvará régio de 1593 cita o bairro do Mocambo em Lisboa
A palavra Mocambo para muitos portugueses lembra de imediato um anúncio de uma marca de café solúvel muito conhecido. Na verdade quer dizer em umbundo língua falada em Angola (pequena aldeia local de refúgio) e o curioso nesta história é o reconhecimento de um bairro onde os africanos forros, ex-escravos viviam juntos e certamente preservavam as suas identidades sociais e religiosas.
Penso que ainda são desconhecidas as particularidades do bairro como apareceu, como desapareceu enfim os documentos são poucos para responder a tanta coisa por saber.
Abordo este assunto por razões óbvias apenas pela rama no intuito de revelar este facto que creio ser desconhecido de muitos leitores. Já agora recomendo para os que ficaram mais curiosos ouvirem o podcast da SIC Notícias intitulado «Histórias de Lisboa» onde no terceiro episódio é entrevistada a historiadora Isabel de Castro Henriques investigadora da presença dos africanos em Lisboa.
Termino revelando que este assunto me deixou curioso e certamente abordarei outros aspetos com ele relacionados em próximas crónicas nomeadamente as profissões que os escravos e forros assumiam e a sua contribuição para o desenvolvimento da cidade de Lisboa.
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«Quiosque da Sorte», poesia de Luís Fernando Lopes
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