AS CONTRADIÇÕES | Na região de Sortelha é frequente ouvir falar de Bruxas! No Arquivo Nacional da Torre do Tombo encontra-se o processo de Leonor Fernandes, «Cristã-Velha», que decorreu entre 6 de setembro de 1714 e 27 de fevereiro de 1716. Foi acusada de feitiçarias e bruxaria pelo Tribunal do Santo Ofício. Durante o processo, os depoimentos dos familiares contradisseram as declarações da Ré! (parte 10).

PARTE VI – AS CONTRADIÇÕES
Requerimento de uma diligência ao Comissário do Santo Ofício de Penamacor:
Os Inquisidores Apostólicos contra a heresia, gravidade e apostasia nesta cidade de Lisboa e seu distrito fazemos saber ao Licenciado António Giraldes, Comissário do Santo Ofício da Vila de Penamacor que nesta era é necessário constar judicialmente se Leonor Fernandes, viúva de Sebastião Fernandes Gázio, jornaleiro morador no lugar da Brinqrença, termo da vila de Penamacor, e ao processo que há nesta Inquisição.
Foi no ano próximo passado de mil setecentos e quatorze, ou em que tempo, na companhia de seus filhos Manuel e João Fernandes, e de seu cunhado Pedro Vaz ao lugar de Ade, termo da Vila de Almeida a casa de um clérigo para lhe fazer exorcismos, e que causa houve para esta diligência, e quem foi o clérigo que o fez, da qual além das pessoas, acima nomeadas, foi também sabedora Izabel Antunes, irmã da Ré, moradora com os ditos seus filhos no lugar da Brinqrença. Pelo que elegerá para escrivão dela um sacerdote tido e havido por cristão e avesso da boa vida e costumes, a quem dará o juramento dos Santos Evangelhos para se escrever com verdade. agendará o juramento dos Santos Evangelhos para escrever com verdade, e guardar segredo, e fará termo assinado por ambos nesse lugar da Brinquerença.
Para esta diligência se fazer como convém mandará vir perante si os seus filhos, irmã e cunhado da Ré, acima nomeados e também o reverendo do lugar de Ade, termo da vila de Almeida, mandará vir perante si o dito padre exorcista cujo nome e confirmação lhe darão as pessoas acima referidas, e dando-lhes o juramento dos Santos Evangelhos para dizerem verdade e serem segredo as perguntará judicialmente pelos interrogatórios seguintes:
1 – Se sabe ou suspeita para que é chamado e se o persuadiu alguma pessoa a que sendo perguntado por Requerimento do Santo Ofício disse mais ou menos e que soubesse que é verdade?
2 – Se está lembrado de ir na companhia de Leonor Fernandes do lugar de Brinquerença, viúva de Sebastião Fernandes Gázio ao lugar de Ade, termo da vila de Almeida a casa de um clérigo para ver se fazia exorcismos à dita Leonor Fernandes; em que tempo fez a dita jornada; que mais pessoas acompanhavão; como se chama o dito clérigo; de que moléstia padecia a dita Leonor Fernandes e o que fez; que motivo houve para se fazer esta diligência; quem aconselhou; se se fizeram os ditos exorcismos e o que se seguia deles?
3 – Se o que é testemunhado passa a verdade; e terem que declarar alguma relação de ódio ou inimizade com a dita Leonor Fernandes?
As respostas das testemunhas convocadas:
Aos vinte e nove dias do mês de dezembro de mil setecentos e quinze anos e em Casas de Residência de Benquerença onde o Comissário António Giraldes esteve mandou vir as testemunhas convocadas conforme o Despacho…
Respostas
Primeira testemunha
Pedro Vaz, casado, que vive do seu trabalho, morador no lugar de Benquerença.
1 – Perguntado pelos interrogatórios atrás, disse que não sabe ao que era chamado, nem que pessoa alguma dissera que sendo chamado por parte do Santo Ofício dissesse mais ou menos do que fosse verdade e mais não disse.
2 – E perguntado pelo segundo, disse que nunca fora na companhia de Leonor Fernandes do lugar da Benquerença a jornada alguma, mais que uma ao Santo Cristo do lugar do Teixoso e que não sabe do lugar de Ade, nem conhece clérigo algum dessas partes, nem sabe como se chama, nem sabe que achaque a dita Leonor Fernandes padecia, nem sabe se lhe fizeram exorcismos, nem que efeito lhe fizessem, nem que motivo houvesse para isso, e que não sabe quem desse conselho para se fazerem os ditos exorcismos, nem o que deles se seguira…
3 – E perguntado pelo terceiro, disse que tudo o que tem testemunhado passa na verdade e que não tem inimizade ou ódio algum com a dita Leonor Fernandes, porquanto é sua cunhada. E mais não disse deste nem dos mais que todos foram lidos e declarados pelo dito Senhor Reverendo Comissário. E disse estava escrito na verdade e que assim dissera e assina em escrevendo o Senhor Comissário.
Eu Manoel Esteves Roballo assino esta diligência que escrevi.
Segunda testemunha
Isabel Antunes, mulher de Pedro Vaz, natural e moradora no lugar de Benquerença.
1 – Disse que não sabia nem suspeitava para que era chamada, nem que nenhuma pessoa lhe dissera que sendo perguntada por parte do Santo Ofício mais ou menos do que na verdade passasse. E mais não disse.
2 – Perguntada pelo segundo disse que não acompanhara sua irmã Leonor Fernandes, mulher de Sebastião Fernandes Gázio a parte alguma, nem tal lugar de Ade ouviu nunca nomear, nem sabe, nem conhece clérigo nenhum, nem que tais exorcismos se fizessem, nem acompanhou pessoa alguma das sobreditas, e não sabe de que achaque sofresse a sua irmã, nem que motivo houvesse para se tal dizer, nem sabe quem tal conselho disse; nem que efeito fizessem os tais exorcismos que ela não é sabedora. E mais não disse.
3 – E perguntado pelo terceiro, disse que tudo o que tem testemunhado passava na verdade, e que não tinha ódio ou inimizade à dita sua irmã Leonor Fernandes. E mais não disse deste, nem de outros que todos lhe foram lidos e declarados pelo Reverendo Senhor Comissário. E por ser mulher, e por não saber ler nem assinar pediu a mim escrivão que por ela assinasse com o Reverendo Senhor Comissário.
Eu Padre Manoel Esteves Roballo
Terceira testemunha
Manoel Fernandes casado, jornaleiro, natural do lugar da Benquerença, e morador no lugar do Casteleiro.
1 – E perguntado a ele testemunha pelos interrogatórios da Comissão atrás referidos, ao primeiro disse que não sabia nem suspeitava ao que era chamado, e que nenhuma pessoa lhe dissera que sendo perguntado por parte do Santo Ofício dissesse mais ou menos do que na verdade soubesse e mais não disse deste.
2 – E perguntado a ele testemunha pelo segundo, disse que não acompanhara Leonor Fernandes mais ele testemunha a parte alguma, nem sabe o lugar de Ade, nem para que parte desta província fica, nem conhece clérigo algum do dito lugar de Ade, nem sabe que tivesse achaque algum para haver de lhe fazerem exorcismos, nem sabe quem tal conselho desse, nem que efeito se seguisse, e mais não disse deste.
3 – Disse que tudo o que tinha testemunhado era verdade e que não tem ódio ou inimizade alguma com a dita Leonor Fernandes. E mais não disse. E sendo seu filho, este seu depoimento e por ele ouvido e entendido, disse estava escrito na verdade e assinou com o Senhor Comissário.
Eu Padre Manoel Esteves Robalo, escrivão desta diligência escrevi.
Termo de encerramento
As pessoas que vão perguntadas nesta diligência me constou serem fidedignas para jurarem a verdade e como elas dispõem, não foram em tempo algum ao lugar de Ade, nem sabem o nome do clérigo em que se fala, não revelaram irem ao dito lugar, por não saber por quem havia de procurar, é o que se me oferece dizer.
Penamacor, 29 de Fevereiro de 1715.
O Comissário: António Giraldes de Anjos e Frias
Comentário
Perante a coerência das declarações prestadas, pelas testemunhas convocadas, que também eram familiares, o Comissário não teve dúvidas e nós também não!
Leonor Fernandes já tinha setenta anos e foi sujeita a sucessivas admoestações! Estas circunstâncias e as supostas competências adquiridas em feitiçaria e bruxaria podem explicar algumas alucinações!
(continua)
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«Memórias de Sortelha», opinião de António Gonçalves
(Cronista/Opinador no Capeia Arraiana desde Janeiro de 2019)
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