Hoje lembrei-me da Menina Isabel Augusta e da Menina Laurinda. Eram as filhas do ti António Ramos e da ti Emília. Claro que hoje já teriam mais de oitenta anos, mas eram moças novas quando eu era menina.

Eram elas que, quando minha tia tinha de ir mais longe e não podia levar-me com ela, tomavam conta de mim, ou talvez eu desse conta delas, com as minhas partidinhas.
A ti Emília sofria muito dos olhos e todo o cuidado era pouco com o fumo do lume e o pó. Só me emprestava a vassoura se eu fosse varrer o balcão. Dentro da cozinha ou no corredor da entrada, nem pensar.
Cada vez que eu ia lá para casa só queria atenção e brincadeira. Como havia três homens, o ti António, o João e o Luís, que cuidavam dos campos diariamente, e das vacas e burras, o tempo das cachopas e da mãe, todo era pouco para cuidar das roupas de vestir, do lume, das refeições, da vianda do porco, das galinhas, da ida à água do chafariz, da desfolhada do milho, do feijão… Bem, se me ponho a enumerar, nem para a semana acabo a ladainha de tantas tarefas. O que é certo é que havia sempre tempo para ser mimada e cuidada.
Quando eu já andava à escola não me decidia a ir sem que a Laurinda me dissesse que sabia a lição na ponta da língua, isto é, que já a sabia de cor. Hoje tenho a noção que eu não sabia ler coisa nenhuma, mas aprendia a lição de olhos fechados como cantam os galos.
Ora, certa vez, como o dia estava lindo, em vez de aprender a lição fui jogar à pedrincha e ao mocho com as amigas no Largo do Enxido (Ex-ido, era a origem do seu nome, por ser o Largo já exterior ao meio da aldeia). Claro que quando tocaram as Trindades não tive outro remédio senão correr para casa para rezarmos as «Avé-Marias», em família. O pior foi o dia seguinte!…
Como podia eu chegar ao pé da Senhora Dona Normélia sem papaguear a lição?! Acho que nem reconhecia as letras quanto mais as palavras e as frases. Então vá de fugir para junto das minhas queridas amigas. Mas qual quê?! Eu não podia faltar à escola de forma nenhuma. Eu bem lhes implorei que me escondessem! Até porque me doía a barriga e não podia ir. A Laurinda, ainda muito nova, teve pena de mim e fomos esconder-nos na loja junto da palha e do feno das vacas. O pior foi que a senhora professora mandou uma das alunas a casa da minha tia perguntar por mim. Minha tia ficou preocupadíssima. Bem, dali a um «poquenino» andava a aldeia toda em polvorosa a chamar pelo meu nome. Quanto mais ouvia chamar mais caladinha eu ficava no meu esconderijo. Foi a Menina Laurinda que teve de vir acalmar toda a gente. O pior é que eu tremia da cabeça aos pés e sim, agora estava mesmo cheia de dores de barriga e branca como a cal do Alentejo. E foi o que me valeu e salvou de umas boas reguadas nesse dia.
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«Gentes e lugares do meu antanho», crónica de Georgina Ferro
(Cronista no Capeia Arraiana desde Novembro de 2020)
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