AS CONFISSÕES NO CÁRCERE | Na região de Sortelha é frequente ouvir falar de Bruxas! No Arquivo Nacional da Torre do Tombo encontra-se o processo de Leonor Fernandes, «Cristã-Velha», que decorreu entre 6 de setembro de 1714 e 27 de fevereiro de 1716. Foi acusada de feitiçarias e bruxaria pelo Tribunal do Santo Ofício. No cárcere as confissões revelaram histórias fantásticas. (parte 9).

PARTE V – AS CONFISSÕES NO CÁRCERE
O quarto interrogatório a Leonor Fernandes
Aos vinte e oito dias do mês de novembro de mil setecentos e quinze anos em Lisboa nos Estaos e casa primeira de audiências da Santa Inquisição e estando aí o Senhor Inquisidor Manuel da Cunha Pinheiro mandou vir Leonor Fernandes reclusa contida nestes autos, e sendo presente lhe foi dado juramentos dos Santo Evangelhos sobre que pôs a sua mão … e lhe foi mandado dizer a verdade, e ser segredo o que tudo prometeu cumprir.
Disse que vendo-se ela declarante aflita por o capitão-mor da vila de Sortelha Luís de Pina lhe haver preso o soldado seu filho João Fernandes que estava na vigia do castelo da vila, havia um mês e indo ela declarante a levar-lhe comida em uma tarde partindo nas Lagéns dos Ramos, entre a Brincrença(1) e o Casteleiro, de repente lhe apareceu uma figura com corpo de homem e pés, cabeção de cão e capacete de ferro na cabeça, falava claramente com voz rouquenha, que era o Demónio e queria vingá-la do Capitão mor dando feitiços ao mesmo, mas não em chegar-lhe o seu corpo.
A mesma figura lhe pediu várias vezes, e indo ambos até casa do capitão mor sem que ninguém os encontrasse pelo caminho e chegando a elas à noite ficou sentada na escada das ditas casas, e a figura que dizia ser o demónio, sobre a sua baranda, e tornando a vir ter com ela declarante lhe disse que tinha feito os três feitiços, e tornou a instar com ela que lhe chegasse o seu corpo, no que ela claramente não consentiu, e lançando então no chão lhe entrou pelo polegar da mão direita, e a fez alienar dos sentidos, e passado algum tempo sentiu ela declarante que tornava a sair do seu corpo pelo mesmo de onde havia entrado, e levantando-se ela declarante se recolheu a sua casa, onde pelo decurso de um mês a seguia a dita figura, lhe aparecia na mesma forma, tanto que a declarante a via cada dia no chão, então entrava a mesma figura pela mesma parte do seu corpo e falava nela, um ano depois lhe contaram os seus filhos Manuel e João Fernandes, e sua irmã Isabel Antunes, na Benquerença, e passado hum mês a levaram os seus filhos e o seu cunhado Pedro Vaz ao lugar de Ade, termo da vila de Almeida, a casa de um clérigo, cujo nome não se lembrava, lhe fez exorcismos e a levou à igreja de Nossa Senhora do Rosário do dito lugar, ali mesmo lhe fez exorcismos de que resultou ficar livre, mas o braço direito sempre ficou com lesões que ainda hoje o não pode levantar bem.
Isto era o que tinha para confessar e o faz para descarregar a sua consciência e por assim passar a sua verdade, e mais não dizendo-lhe. Lida esta sua confissão por ela ouvida e entendida, disse que estava escrita na verdade e de consentimento da Ré, e disse logo por dizer não saber ler e escrever, assinei por ela…. Fabião Bernardes o escreveu.
Notas
(1) Brincrença – refere-se claramente à localidade de Benquerença, o escrivão limitou-se a escrever como ouviu. Não foi possível identificar o local «Lagéns dos Ramos», tudo indica tratar-se de uma lage ou eira de uma família Ramos!
(2) Não perca o próximo episódio. Vamos desvendar a ida a Ade! Será invenção ou aconteceu mesmo?
(continua)
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«Memórias de Sortelha», opinião de António Gonçalves
(Cronista/Opinador no Capeia Arraiana desde Janeiro de 2019)
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