Diante do papel, o escritor é uma longa e constante hesitação. Por onde começar a dizer que livro é este que escrevi, tendo por título «Memórias e Afectos» Que me teria dado para voltar à aldeia onde nasci, agora através da senda da escrita? «Memórias e Afectos» vai ser apresentado no dia 13 de fevereiro, às 15:00 horas na Casa do Concelho do Sabugal em Lisboa.

Nos meus livros, apaixonei-me por lugares onde me gastei por vários anos. Parei no meu torrão de infância, revisitei o seminário onde passei a minha adolescência e despertei para a idade adulta, apaixonei-me para sarar os rostos daqueles que me procuravam no meu local de trabalho e agora, com este novo livro regresso à minha aldeia, ao lugar da minha infância, perfazendo assim um circulo completo.
Este livro não é nenhuma monografia. É a ternura das nossas aldeias que eu pretendi transpor neste livro que intitulei «Memórias e Afectos».
Por mais voltas que dê, é sempre à minha mãe que vou ter quando me ponho a pensar como a escrita se cravou em mim. Ao ouvir a voz da minha mãe nas tardes quentes de Agosto, a cantarolar uma canção melancólica que remontaria ao tempo em que os nossos antepassados eram felizes em Sião, ia saboreando as frases que me encantavam e que agora coloco nos livros que escrevo. Cantava o amor e a morte, cantava coisas que ainda não compreendia. O ritmo das suas melodias aperfeiçoou a minha escrita. Nelas bebi a harmonia das palavras, saboreei os primeiros versos que iam ficando na minha memória e que repetia continuamente, saltitando, quando a acompanhava à fonte de bruços, admirando-a com o cântaro da água à cabeça, num absoluto equilíbrio que fortaleceu para sempre a minha constituição psicológica e mental.
Agora adulto, é meu dever fazer um poema para cada rosto da aldeia que para mim olhou, que me deu a mão porque a minha memória continua cheia de gente cheia de amor, de carinho e de ternura.
Nesta aldeia brotei lentamente para a adolescência descobrindo o meu pequeno corpo nas canículas de Verão, no clarão da lua cheia. Nos jogos da «chicha lagorra» ou no da «espada-lua-lua», por entre as medas do centeio e da palha, rebolávamo-nos uns nos outros, mediamos forças e já quase estávamos preparados para a vida adulta.
No fim dos anos cinquenta, começou a ouvir-se, no mês de Agosto, um linguarejar diferente. Outros hábitos, outro vestir, provenientes de terras de França. A aldeia estava a mudar. A hemorragia estava a começar. Os mais válidos não olhavam para trás. Deixaram a aldeia sozinha, a chorar. É no mês de Agosto que a vêm consolar. Sessenta, setenta anos depois, as casas dos antepassados tornaram-se verdadeiros templos e os descendentes tentam, com o maior amor e afecto, escrever e entoar hinos à memória dos seus avós.
E cada um de nós não deve descurar tamanho trabalho. É quase um dever ajudar a curar uma aldeia antes que seja contaminada pela doença terrível de um tremendo alzheimer, e em que já não é possível lembrarmo-nos dos nossos pais, familiares, companheiros e amigos. Temos de agir depressa.
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O livro «Memórias e Afectos» vai ser apresentado no dia 13 de fevereiro, às 15:00 horas, na Casa do Concelho do Sabugal em Lisboa integrado na programação das comemorações dos 50 anos da associação. Às 13:00 horas está programado um almoço com marcação prévia obrigatória.
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«Pedaços de Fronteira», opinião de Joaquim Tenreira Martins
(Cronista/Opinador no Capeia Arraiana desde Novembro de 2012)
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