Finalmente o Secretário-Geral do PS, Pedro Nuno Santos, acaba de chegar à conclusão de que as questões ligadas à imigração são temas que importa debater seriamente no país. Depois de, anos a fio, a esquerda radical ter rotulado de «extrema-direita» e de «racista» quem ousasse discutir livremente estas questões na praça pública, o PS veio agora, pela voz do seu líder, defender a necessidade de uma imigração regulada e que respeite os valores da nossa cultura milenar.

Em entrevista ao semanário «Expresso» a 23 de janeiro, o secretário-geral do Partido Socialista, Pedro Nuno Santos, reconheceu os «efeitos negativos» existentes na «legislação de portas abertas» seguida pelos anteriores governos de António Costa, e afirma agora não querer voltar ao regime da mera «manifestação de interesse» como requisito para a entrada de imigrantes em Portugal. Neste sentido, Pedro Nuno Santos vem agora defender a necessidade de uma «imigração regulada e humanista», acrescentando que o país «tem de ser exigente» em matéria de respeito pelos «valores da cultura portuguesa», a começar pelo «respeito pelas mulheres» por parte dos imigrantes acolhidos no nosso país.
Alguns dias mais tarde, Pedro Nuno Santos (PNS) fez questão de apresentar publicamente ao país algumas propostas nesta matéria que, no seu entender, visam dar mais opções para a regularização dos imigrantes, evitando que os mesmos caiam em situações de ilegalidade e que, por outro lado, contribuam não só para reduzir a pressão nos consulados portugueses no estrangeiro, mas também para combater a influência de redes de tráfico humano.
Nesse sentido, o líder do PS preconizou, designadamente, que os imigrantes que tenham vistos temporários à procura de trabalho deverão inscrever-se no IEFP (Instituto do Emprego e Formação Profissional) para promover o encontro entre o trabalhador e a procura por parte das empresas. Enfim, recuando alguns anos no tempo, Pedro Nuno Santos acabou por concluir que «o país não se preparou», como devia, para receber tantos imigrantes.
Estas declarações do secretário-geral do PS são sensatas. Mas nem por isso deixam de ser algo surpreeendentes considerando que foram precisamente os governos liderados por António Costa os principais responsáveis políticos pela gestão dos problemas da imigração em Portugal. Senão vejamos…
A gestão da imigração pelos governos de António Costa
De facto, ano após ano, foi ficando cada vez mais claro que a longa governação de António Costa representou uma oportunidade perdida para o país, numa fase de juros historicamente baixos, de crescimento económico na Europa e na qual a Ordem Mundial ainda estava relativamente estabilizada. Efetivamente, o partido socialista esteve no poder mais de oito anos mas não adotou as medidas que se tornavam necessárias em matéria de gestão política da imigração em Portugal.
A dada altura, pressionado por lóbis económicos que necessitam de força de trabalho em quantidade e barata, a governação socialista decidiu fixar como requisito de entrada dos imigrantes interessados em trabalhar em Portugal a já citada «manifestação de interesse». Naturalmente, com a economia portuguesa a crescer, não tardou até que o número de imigrantes tivesse uma subida verdadeiramente exponencial no país.
A verdade é que esta situação não teria sido grave, se o Estado português dispusesse nessa altura de estruturas institucionais competentes e com suficientes recursos humanos e logísticos para lidar com a enorme vaga dos imigrantes que, durante anos a fio, foram acudido ao país, bem como para tratar da resolução dos seus problemas num prazo razoável, ora legalizando-os, ora devolvendo-os aos seus países de origem, quando as circunstâncias do caso o justificassem do ponto de vista legal.
Porém, num momento como aquele que vem descrito em que o Estado precisava de uma agência com capacidade logística, com pessoal e com um conhecimento do terreno para lidar com este grande afluxo de imigrantes, o que decidiu fazer António Costa? Acabou com o SEF (Serviço de Estrangeiros e Fronteiras) precisamente quando o seu conhecimento acumulado mais era necessário para gerir esse afluxo migratório. E em sua substituição, foi então criada a AIMA (Agência para a Integração, Migração e Asilo) a começar do zero, sem os indispensáveis recursos humanos e logísticos e com uma pressão insuportável de centenas de milhares de imigrantes que desejavam, como é natural, ver os seus problemas resolvidos. É caso para dizer que o respeito genuíno pelos imigrantes se vê nas decisões efetivamente tomadas e não na mera retórica política ou numa romântica distribuição de cravos aos imigrantes, como sucedeu nas recentes manifestações de rua no Martim Moniz, em Lisboa, em que participaram alguns dos mais destacados líderes do partido socialista.
Dito isto, quando António Costa abandonou o poder em abril de 2024 deixou uma verdadeira bomba-relógio no domínio da gestão política da imigração para ser resolvida pelo governo que lhe sucedeu.
Reações à mudança do discurso político de Pedro Nuno Santos
A mudança de discurso político de Pedro Nuno Santos atrás descrita sobre a gestão política das questões da imigração geraram reacções indignadas junto dos partidos da esquerda. Não só por parte da extrema-esquerda (BE, PCP e outros partidos de menor dimensão) mas também por parte da oposição interna do PS à liderança do seu secretário-geral. Houve até no interior do partido socialista quem tenha chegado ao cúmulo de acusar Pedro Nuno Santos de se estar a aproximar do «discurso da extrema-direita».
Convém por outro lado acrescentar que essa mudança de discurso do líder do PS não pode obviamente ser dissociada, por um lado, da permanente campanha anti-imigração promovida pelo Chega de há anos a esta parte e do seu crescimento exponencial registado nas eleições legislativas de março de 2024, e, por outro lado, da pressão exercida por outras forças e movimentos de protesto anti-imigração que têm vindo a afirmar-se gradualmente em Portugal, na Europa e noutras partes do Mundo.
De facto, como, a seu modo, explicou o presidente argentino Javier Milei no seu recente discurso no Fórum Económico Mundial em Davos, «estas novas forças e movimentos encontram-se unidas por uma importante posição comum na guerra das ideias: a rejeição do wokismo e a resistência à destruição civilizacional do mundo ocidental imposta pelas políticas e pelo controlo institucional da esquerda radical». De facto, assevera Javier Milei «o denominador comum em países e instituições que estão a falhar é o vírus mental da ideologia woke. Esta ideologia colonizou as instituições mais importantes do mundo, desde os partidos e os Estados dos países livres do Ocidente, até às organizações multilaterais, passando por instituições não-governamentais, pelas universidades e pelos meios de comunicação social, assim como também marcou o curso do discurso global durante as últimas décadas». E disse a concluir: «Enquanto não removermos esta ideologia aberrante da nossa cultura, das nossas instituições e das nossas leis, a civilização ocidental e mesmo a espécie humana não poderão voltar ao caminho do progresso que o nosso espírito pioneiro exige.»
Também o historiador Rui Ramos fez questão de abordar esta temática num artigo recentemente publicado no «Observador» com o sugestivo título «A Conversão de Pedro Nuno Santos», de que passo a citar um breve excerto:
«Durante anos, as sociedades ocidentais fizeram da imigração descontrolada um tabu. Mencioná-la já era racismo. No fim, nenhuma censura bastou para calar sociedades desequilibradas pelo afluxo súbito, caótico e ilegal de milhões de estrangeiros. As sociedades ocidentais foram sujeitas à mais extraordinária de todas as experiências. As necessidades de mão-de-obra barata são reais. Mas tentou-se satisfazê-las abolindo as fronteiras. Nações antigas viram-se sob a ameaça de serem reduzidas a uma espécie de aeroportos internacionais, por onde as pessoas passassem sem nada mais terem em comum do que o acatamento de certas regras. Mas o fundamento das democracias liberais ou do Estado social não é simplesmente a obediência à lei, mas a comunhão de valores a que chamamos “nação”. As nações não são dados naturais: são o resultado da história, de séculos de conflito e compromisso. Na sua origem, não está qualquer homogeneidade, mas uma pluralidade que, sem desaparecer, chegou a um sentimento de solidariedade e destino comum que faz pessoas muito diferentes identificarem-se entre si. É a nação que explica que possamos ser diversos sem cairmos sempre em guerras civis. É um património que subjaz a quase tudo o que é precioso no Ocidente: a liberdade, a igualdade, a coesão social, o pluralismo. É a isso que chamamos “segurança”, que não é apenas a contenção da criminalidade, mas o sentimento de estarmos em casa.»

Concluindo
A mais importante lição a retirar das supracitadas declarações de Pedro Nuno Santos é que, no mundo da política, a guerra cultural e a guerra das ideias constituem, por via de regra, um instrumento determinante que é utilizado no combate político-partidário. De facto, quem se move por votos, por cargos políticos, ou pelo ganho de influência na sociedade, vai necessariamente atrás das ideias dominantes, em cada era, em cada ciclo político. De tal forma que o que parecia impensável durante muito tempo pode, num abrir e fechar de olhos, dar lugar à alteração do discurso político do passado, com todos os riscos, os desafios, mas também as oportunidades que essa mudança acarreta.
Foi o que aconteceu com a mudança de discurso de Pedro Nuno Santos atrás citada sobre os temas da imigração.
De facto, o secretário-geral do PS tomou provavelmente a decisão mais corajosa do seu mandato, ao reconhecer finalmente que a «política de imigração» de António Costa tinha sido um erro. Mas, simultaneamente Pedro Nuno Santos mostrou clareza de propósitos para o futuro ao dizer o que é óbvio para toda a gente, ou seja, afirmando que os imigrantes não têm apenas direitos, mas também obrigações: cumprir as leis do Estado Português e respeitar os valores da nossa cultura milenar, se pretendem ser, ou continuar a ser acolhidos em Portugal.
Há, certamente, quem pense que esta mudança de discurso político de PNS poderá ter sido meramente estratégica. Há quem pretenda que Pedro Nuno Santos terá olhado para as percepções da maioria dos eleitores portugueses sobre os temas da imigração e terá percebido que a anterior posição do PS nesta matéria já não era sustentável do ponto de vista estratégico.
Na realidade, esta mudança de posição do líder do PS afigura-se fundamental para proporcionar ao seu partido uma votação expressiva nas eleições autárquicas do próximo Outono. Efetivamente, nos últimos meses, temos assistido a um novo comportamento de autarcas de todo o país – incluindo do PS – que tomaram posições fortemente críticas em relação às políticas de imigração que estavam a ser defendidas pelo PS e pelos partidos radicais à sua esquerda. E houve mesmo pressões dentro do próprio PS para que o seu secretário-geral tomasse uma posição de sentido idêntico ao dos referidos autarcas, para deste modo eliminar uma alegada contradição entre o «discurso autárquico» e o «discurso da liderança nacional» do partido socialista.
De facto, num momento em que os problemas da imigração têm vindo a ganhar cada vez mais importância política e em que, segundo as sondagens de opinião, o eleitor médio parece assumir sobre os problemas da imigração percepções claramente negativas, fácil se torna compreender que os candidatos autárquicos do PS poderiam partir em clara desvantagem para as referidas eleições autárquicas se continuassem presos ao anterior discurso da liderança nacional do partido socialista nesta matéria. Ora, ao dar a referida entrevista ao «Expresso» nos termos acima descritos, Pedro Nuno Santos habilitou, por assim dizer, os candidatos do PS a tomarem, na campanha eleitoral que se avizinha, as posições políticas que melhor se coadunem com o novo discurso político da liderança do PS sobre os temas da imigração.
Como quer que seja, independentemente das reais motivações que terão levado Pedro Nuno Santos a mudar o seu discurso em matéria de imigração, há que saudar não apenas a coragem política que o levou a ser alvo da indignação e do despeito da esquerda mais radical – dentro e fora do seu partido – mas também o realismo político e o sentido de responsabilidade de que acaba de dar provas.
Pelos vistos, também na vida dos líderes políticos, nunca é tarde demais para corrigir os erros do passado.
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«Portugal e o Futuro», opinião de Aurélio Crespo
(Cronista/Opinador no Capeia Arraiana desde Julho de 2020)
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